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Professor Geraldo Ávila teve a gentileza de mostrar-me seu último artigo
sobre a “regra de três”, antes mesmo que ele fosse publicado, como se
faz agora, no presente número da RPM. Li-o com bastante interesse e
deparei-me, já no final do artigo, com a sugestão do Prof. Ávila de que
os leitores da Revista procurassem propor problemas interessantes sobre
proporcionalidade. Pois é precisamente isto o que pretendemos fazer aqui,
apresentado a solução daquele interessantíssimo problema da coroa que
Arquimedes resolveu para o rei de Siracusa. Mas antes vamos contar um
pouco da história da vida de Arquimedes e do tempo em que viveu este
grande sábio.
Arquimedes nasceu e viveu em Siracusa, uma cidade da Sicília que existe até os dias de hoje (veja o mapa da Fig. 1). Consta que ele morreu no ano 212 a.C. com a idade de 75 anos e daí se conclui que nasceu no ano 287 a.C. Ele foi o maior matemático da Antiguidade. Na verdade, como Arquimedes, Newton e Gauss são considerados os três maiores matemáticos de todos os tempos, é claro então que Arquimedes ostenta o título de maior matemático da História, pelo menos até o nascimento de Newton em 1642. Siracusa era uma cidade-estado das muitas que os gregos fundaram, portanto Arquimedes era um matemático grego. Mas essa época a Grécia já havia sido conquistado por Alexandre da Macedônia, que expandira seu Império pela Ásia e Egito. Alexandre resolvera instalar a capital do Império numa cidade a ser construída no extremo oeste do delta do rio Nilo. Isto foi feito, não por Alexandre, que morreu em 323 a.C., mas por um de seus generais, Ptolomeu Soter, que ficou com a parte egípcia do Império e iniciou uma dinastia grega no Egito. Assim surgiu Alexandria (veja o mapa da Fig. 1), que se tornou um centro famoso da cultura chamada “helenística” e que contava até com uma verdadeira universidade – um instituto de altos estudos e uma biblioteca muito famosa, que chegou a ter 750 000 volumes. Em Alexandria, a Matemática ocupava um lugar de destaque e nomes como Euclides (o da Geometria), Apolônio, Arquimedes, Eratóstenes, Aristarco e Ptolomeu (o astrônomo, sem nenhum parentesco com os reis Ptolomeus) pertenceram à Escola de Alexandria. É verdade que Arquimedes viveu em Siracusa, mas estudou em Alexandria e mantinha correspondência com vários sábios de lá, como Eratóstenes. Esse último era bibliotecário, um homem de saber universal, bem conhecido pelo chamado “crivo de Eratóstenes”, mas seu feito mais notável foi calcular o raio e a circunferência da Terra (RPM 1, p. 12). Na
época em que viveu Arquimedes, Roma já estava em expansão, com muitas
guerras de conquistas, dentre as quais são bem conhecidas as chamadas
guerras púnicas” contra Cartago. Esta cidade ficava onde é hoje um subúrbio
de Tunis, a capital da Tunísia (veja o mapa). Naquele tempo, Cartago
controlava uma extensa região que se estendia até a Espanha,
constituindo-se numa incômoda rival de Roma. Na segunda das guerras púnicas,
Siracusa se aliara a Cartago, dai ter sofrido uma investida fatal de Roma.
Siracusa resistiu bravamente aos ataques do
general Marcelo, graças, sobretudo, às máquinas de guerra idealizadas
por Arquimedes; mas depois de um longo cerco acabou por sucumbir à
superioridade das tropas romanas. Há
várias versões sobre a morte de Arquimedes; segundo uma delas, durante o
saque da cidade, em 212 a.C., ele foi morto por um soldado romano
enquanto, absorto, se ocupava com problemas matemáticos. Arquimedes
era bem relacionado com o rei Heron de Siracusa e talvez até fosse seu
parente. Conta-se que Heron mandou fazer uma coroa de ouro, mas teve razões
para desconfiar de que o ouro da coroa houvesse sido misturado com muita
prata. Ele comunicou o fato a Arquimedes, para que o sábio encontrasse um
meio de dirimir suas dúvidas. Diz a história que Arquimedes descobriu
como resolver o problema enquanto tomava um banho e refletia sobre o fato
de que os corpos imersos na água - como seu próprio corpo - se tornam
mais leves, exatamente pelo peso da água que deslocam. Este fato lhe teria permitido
idealizar um modo de resolver o problema da coroa, e tão excitado ele
teria ficado com a descoberta que saiu nu pelas ruas de Siracusa gritando
“eureka! eureka!”, que significa “descobri! descobri!”
A
descoberta de Arquimedes, uma vez compreendida, é surpreendentemente
simples. Aliás, isto de ser simples é um traço muito freqüente nas idéias
geniais e fecundas. Para
explicar o chamado Princípio
de Arquimedes, vamos imaginar duas experiências. Na primeira delas seguramos
um pedaço de ferro de peso P,
totalmente submerso num vaso d’água. Verificamos que o ferro
fica mais leve do que fora d’água, mas se abandonado a si mesmo vai ao
fundo do vaso. Ele fica mais leve porque perde, em peso, uma quantidade
igual ao peso p do volume de água que deslocou (Fig. 2). Acontece que P
> p; logo, dentro d’água a força resultante sobre o ferro
é P
- p, dirigida para baixo. Na
segunda experiência seguramos um pedaço de cortiça de peso P’, também totalmente submerso na água. Verificamos
que ele não somente perde todo o seu peso, mas ainda é empurrado para
cima. Isto porque, desta vez, o peso P’ da água deslocada pela
cortiça é maior que o peso P’
da própria cortiça (Fig. 3); então, dentro d’água a força
resultante sobre a cortiça é p’ – P’ dirigida para
cima. Portanto, quando abandonamos a cortiça, ela volta à tona e fica
boiando. E quando em repouso na superfície ela fica apenas parcialmente
submersa (Fig. 4), o suficiente para deslocar um volume de água de peso
igual ao peso total da cortiça.
Veremos
agora como resolver o problema da coroa utilizando o princípio de
Arquimedes e um pouco de proporções. Seja P o peso da coroa, que
supomos ter sido feita com um peso x de ouro e um peso y de
prata. Logo, P
= x + y.
(1) Suponhamos
que uma porção de ouro de peso x tenha peso x’ quando
pesada dentro d’água, e seja X’ o peso, dentro d’água, de
uma porção de ouro de peso igual ao peso P
da coroa. Ora, o peso do ouro dentro d’água é proporcional ao seu
peso fora d’água (porque o volume é proporcional ao peso, devido à
homogeneidade do material). Logo,
. (2) De
modo análogo, o peso da prata, quando pesada dentro d’água, é
proporcional ao seu peso fora d’água. Se y’ designa o peso,
dentro d’água, de uma porção de prata de peso y, e Y’
o peso, dentro d’água, de uma porção de prata de peso igual ao peso P
da coroa, então teremos, exatamente como no raciocínio que nos
levou à equação (2) acima,
(3) Seja
P’
o peso da coroa quando pesada dentro d’água. É claro que P’
= x’ + y’, de sorte que, somando (2) e (3) acima, obtemos . Daqui
e de (1) segue-se que , ou
ainda,
(4) Não
temos dados específicos sobre a coroa verdadeira que o rei Heron entregou
a Arquimedes para ser investigada, mas podemos muito bem imaginar uma
situação concreta. Digamos que a coroa pesasse P
= 894 g fora d’água e 834 g dentro d’água. Suponhamos também,
seguindo a notação já introduzida, que X’ = 847,7 g e Y’
= 809 g. Substituindo estes valores em (4) encontramos
. Daqui
e de (1) obtemos o seguinte sistema de equações para determinar x
e y: x
+ y = 894, x =
1,82 y. Resolvendo
este sistema encontramos
e
. Portanto, nossa coroa imaginária contém 577 g de ouro e 317 g
de prata. Tendo em conta que o peso específico do ouro é 19,3g/cm3 e o da prata é 10,5g/cm3, podemos prosseguir e calcular as quantidades volumétricas de ouro e prata usados na coroa. Trata-se, novamente, de um cálculo simples usando proporções. Sejam V0 e Vp, respectivamente, os volumes de ouro e prata empregados para fazer a coroa. Então,
Substituindo x = 577 e y = 317 e resolvendo as equações resultantes encontramos
Vemos
que o ourives usou praticamente as mesmas quantidades volumétricas de
ouro e prata, aproximadamente 30 cm3
de ouro e 30 cm3
de prata.É muita prata pr’á pouco ouro numa coroa real! Oxalá
isto não tenha custado a cabeça do ourives... |
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