I. A AULA DO PORTA-TRECO

Diogo Meurer de Souza Castro
Ewerton Roosewelt Bernardo da Silva

 

Neste artigo apresentamos uma sugestão de atividade para o professor de Matemática aplicar na educação básica. Faremos a descrição de uma experiência de ensino que relaciona as desigualdades do triângulo e das médias aritmética e geométrica e cálculo de volumes a um problema de otimização, envolvendo a construção de um objeto, o porta-treco, por meio de dobraduras. Pretendemos também apresentar ao leitor diferentes abordagens possíveis para a resolução de um mesmo problema matemático.

Vamos considerar que esse objeto, o porta-treco, tenha o formato de um prisma reto de base triangular e superfície lateral do tamanho de uma folha A4 (as bases serão coladas posteriormente). Assim, quais deverão ser suas dimensões para garantir que tenha volume máximo?

Como a folha é retangular e seus lados têm medidas fixas (21 cm × 29,7 cm), o prisma terá altura e perímetro da base fixos, restando a área da base como variável. Assim, o problema fica reduzido à otimização da área de um triângulo de perímetro dado, isto é, em determinar duas dobraduras na folha de papel.

Ao realizar a primeira dobradura, determina-se uma aresta do prisma e divide-se o perímetro da base em dois segmentos, um deles será um lado da base e o outro segmento corresponde à soma dos outros dois lados da base. Dessa forma, a primeira dobradura pode ser na metade da folha? E a segunda dobradura, essa pode ocorrer sobre qualquer um dos dois segmentos determinados pela primeira?

 

 Há um resultado importante denominado desigualdade triangular, que afirma que a medida de cada lado de um triângulo qualquer é sempre menor do que a soma das medidas dos outros dois lados; dessa forma, as respostas são negativas. Assim, aquele que não conseguiu montar o prisma tendo como superfície lateral toda a folha A4, foi porque ou fez a primeira dobradura na mediatriz de um dos lados da folha ou porque escolheu o segmento maior para ser um lado da base do prisma. Vejam uma dobradura possível, sendo c um lado do triângulo:

 

A partir daí o triângulo da base do prisma passa a ter, além do perímetro, um lado fixo. Nessas condições, qual o triângulo de maior área? Observem o triângulo ABC.

Sabemos que a área S desse triângulo pode ser obtida pela fórmula de Heron:

, sendo 2p = a + b + c.

No nosso caso, se usarmos a folha como nas figuras, com o lado mais longo na horizontal, teremos 2p = 29,7 cm.

Como a base AB = c e o perímetro 2p foram fixados, podemos escrever pc = k, sendo k constante. Sendo b = 2pac = p a + k, podemos escrever:

S2 = p(p - a)(p - b)(p - c) = pk(p - a)(a - k) =
pk[- a2  + (p + k)a - pk].

Maximizar S equivale a maximizar S2, que equivale a maximizar [– a2 + (p + k) a pk]. Essa expressão pode ser entendida como uma função quadrática na variável a. Logo, seu valor extremo – nesse caso, valor máximo – ocorre quando a é igual à abscissa do vértice da parábola correspondente, como na figura seguinte, ou seja, quando, isto é, quando a = b.

 

Mostramos então, usando máximo de uma função quadrática, que entre os triângulos com um lado e perímetro fixados, o de maior área é o isósceles. Logo, deveríamos dividir o segmento restante na folha ao meio.

Isso porque fizemos uma primeira dobra arbitrária, desde que “válida” para construir um triângulo. Fizemos então uma nova pergunta: Como deveria ser essa primeira dobra para obter um triângulo de maior área?

Para responder a essa pergunta, utilizamos a desigualdade de Cauchy ou das médias:

 Sejam x, y e z números reais maiores do que zero. Se A é a média aritmética e G a média geométrica entre esses números, então G < A e a igualdade G = A ocorre se e somente se x = y = z:

 

 Para uma demonstração desse resultado, ver, por exemplo, RPM 18, página 43.

Fazendo x = (pa), y = (pb) e z = (pc), obtemos:

como , temos

 

assume valor máximo, se e somente pa = pb = pc, ou seja, quando a = b = c (e ocorre a igualdade em (*)).

Observamos que a área S será máxima se e somente se p(pa)(pb)(pc) ou, equivalentemente, se assume seu valor máximo, o que acontece, como vimos, se e somente se a = b = c.

Logo, para obtermos a base do porta-treco com maior área possível, devemos fazer as dobras de modo a dividir a folha em três partes iguais, como mostram as figuras a seguir.

 

 Logo, se o perímetro fixado para a base for de 29,7 cm, as dimensões do prisma de maior volume serão 21 cm de altura e 9,9 cm de lado da base. Caso a folha seja considerada com o lado maior na vertical, o perímetro da base será 21 cm, a altura do prisma será de 29,7 cm e o lado da base medirá 7cm.

Finalmente, o professor pode solicitar aos alunos respostas, para próxima aula, às perguntas:

P1: Qual dos dois objetos descritos acima possui maior volume?

P2: Como determinar as dobraduras de modo a dividir a folha em três partes iguais?

E UM FINAL FELIZ

Então, chegado ao fim de duas aulas, os alunos ficaram motivados a responder essas perguntas em casa, sendo que um deles exclamou: “Nunca pensei que houvesse Matemática até em um porta-treco!”.

Com esse comentário, o professor se sentiu satisfeito por ter tido a preocupação de não apresentar soluções prontas e por ter mostrado aos alunos que um problema pode ter muitas resoluções e uma delas pode ser a deles.

Além disso, uma aula como essa ajuda o professor a atender às instruções da Secretaria da Educação Média e Tecnológica. PCN+: Ensino Médio – orientações educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC 2002.

 AS RESPOSTAS

P1: O prisma de maior volume é o de menor altura, 21 cm, pois:

 

P2: Uma maneira de determinar as dobraduras que vão dividir a folha em três partes iguais é a ilustrada nas figuras ao lado (ver RPM 61 Matemática versus Origami):

1. Marcar a dobra que divide a folha de papel ao meio (pelo lado maior, para obter o prisma de maior volume).

2. Marcar a dobra da diagonal CB da folha.

3. Marcar a dobra da diagonal AD da metade da folha.

4. A dobra pelo ponto O, ponto de encontro de AD com CB, determina ED, que mede 1/3 do comprimento da folha.

5. Agora marcar a dobra C sobre E para dividir CE em duas partes iguais.

Justificativa

Os triângulos OAB e OCD são semelhantes, logo tem-se

 

o que implica , então, uma dobra vertical por O permitirá marcar no lado CD um segmento igual a 1/3 do seu comprimento.

 

 Nota: Do ponto de vista matemático, seria mais razoável resolver o problema mostrando inicialmente que entre os triângulos com perímetro fixado, o que tem área máxima é o equilátero. Mas, do ponto de vista didático, considerar o triângulo com um lado e perímetro fixados e obter o triângulo isósceles é uma abordagem mais rica, pois permite usar o máximo de uma função quadrática em uma situação motivadora.

 

II. A CRIPTOGRAFIA EM SALA DE AULA

Edson Marques da Costa Júnior
IFTM
Marcelo Lopes Vieira
UFU
Natalia Gonçalves Caetano
Educação básica de Uberlândia

 

A codificação de mensagens é uma técnica milenar que vem se aprimorando a cada dia, dando suporte para evoluções tecnológicas muito utilizadas nos dias atuais. A evolução da criptografia, técnica que consiste na codificação de mensagens, foi acompanhada pelo desenvolvimento da criptoanálise, que consiste na “quebra” de códigos e cifras. Atualmente, podemos verificar tais técnicas empregadas em senhas de banco, internet, computadores, celulares, entre outros. No nível da educação básica, a codificação de mensagens pode oferecer situações motivadoras e atraentes para o estudo de diversos conteúdos programáticos. A RPM já publicou textos sobre o assunto: na RPM 12, o artigo Criptografia e a importância das aplicações, e na RPM 45, o artigo Codificando e decifrando mensagens.

Neste texto, vamos apresentar duas atividades envolvendo codificação de mensagens, que realizamos com os alunos do 2o e 3o anos do ensino médio, enfatizando a Matemática por trás de cada uma delas.

ATIVIDADE 1 - A CÍTALA ESPARTANA

Este processo criptográfico consiste em enrolar, em espiral, uma tira de papiro ou de pergaminho em torno de um cilindro ou bastão e escrever uma mensagem de cima para baixo em verticais do cilindro. Ao desenrolar o pergaminho, a mensagem formava um “cinto” com caracteres todos misturados e sem sentido. Essa tira desenrolada era enviada ao destinatário, que deveria possuir uma cópia idêntica do cilindro ou bastão. Enrolando-se novamente a tira, lia-se a mensagem clara.

A cítala espartana basicamente consiste em tomar uma matriz n × m, em que n representa a quantidade de caracteres correspondentes a uma mesma vertical do cilindro (dada pelo comprimento do cilindro), ou seja, a quantidade de linhas que a matriz deve possuir. A frase a ser codificada é escrita de cima para baixo a partir da primeira coluna. Ao escrever n caracteres, a quantidade de linhas se esgotará e, então, deve-se seguir o mesmo processo, escrevendo em seguida as letras nas demais colunas até que se esgotem todas as letras da frase a ser codificada. A chave para decifrar o segredo é encontrar a quantidade de colunas (que depende do raio do cilindro) que possui a matriz, já que essa fornecerá o tamanho de cada bloco em que se deve separar a frase codificada.

 
Modelo de cítala espartana

 Vejamos um exemplo:

A frase:

“Mais vale a lÁgrima da derrota, do
que a vergonha de nÃo ter lutado”

é criptografada pela cítala espartana da seguinte forma: primeiramente toma-se uma matriz com, por exemplo, n = 6 linhas. A quantidade de colunas, m, será obtida ao final da transcrição da mensagem, nesse caso, m = 9.

As letras adicionadas ao final da matriz são somente para completar a coluna. Podemos observar que elas não interferirão na frase original.

Olhando para as linhas da matriz (desenrolando a tira), temos a seguinte codificação:

“mlrdaanau aeiedvhot iamroeata slar-
qrded vadougero agateonlu.”

Para tal atividade, foram utilizados três copos de raios diferentes. A frase utilizada foi comum para todos os alunos. A escolha de uma única frase foi importante para que os alunos observassem que, com cilindros diferentes, a codificação também se torna distinta, ou seja, para cada cilindro existe uma matriz associada.

A frase preestabelecida foi:

“Índio quer cachimbo, Índio quer
fazer fumaÇa.”

Associada a uma matriz 6 × 7, temos:

 

que, quando codificada, nos fornece:

“iuhnera neidrfa drmifuc icboama
oaoqzab qciueco”

Com essa atividade, trabalhamos o conceito de matrizes, bem como suas aplicações, e enfatizamos o conceito de área lateral do cilindro e comprimento da circunferência.

Atividade 2 – CifrÁrio por funÇÃo quadrÁtica

O cifrário por função quadrática consiste em considerar uma função da forma f(x) = ax2 + bx + c, que servirá como função codificadora.

Inicialmente, adotamos a relação entre letras e números como na tabela a seguir:

 

 Depois, observamos aos alunos que seria necessário tomar uma função que fosse injetora no intervalo [0, 25] de valores escolhido para as letras, pois, caso contrário, teríamos duas possíveis letras para um mesmo número. Escolher funções quadráticas não injetoras no intervalo [0, 25] considerado foi um erro inicial bastante comum dos alunos.

Nesse momento, foi possível discutir injetividade de funções e meios de determinar se uma função é ou não injetora em determinado intervalo. Também mostramos como determinar a expressão da inversa de algumas funções lineares e quadráticas (nos intervalos em que é injetora).

Vejamos um exemplo:

Consideramos como codificadora a função

f(x) = x2 + x + 1.

Primeiramente, traçando o gráfico da função, verificamos que a função é injetora no intervalo que contém o intervalo das letras, [0, 25].

Vamos então decodificar a mensagem

“13, 21, 421, 343, 21, 463, 73, 13, 1”

utilizando a função decodificadora.

Primeiro os alunos tiveram que determinar a função inversa da f para determinar quais valores têm como imagem os números da mensagem codificada. Determinaram seu domínio, o intervalo e sua expressão

Fazendo os cálculos, obtemos:

 

 Para esses cálculos, os alunos usaram uma calculadora, pois esse é um exemplo de situação em que a calculadora permite aos alunos ganharem mais rapidez e confiança nos resultados. Ou seja, apresentamos uma situação na qual o uso da calculadora em sala de aula é desejável e adequado.

Continuando, então, os cálculos dos valores da função f –1 nos pontos 343, 21, 463, 73, 13 e 1, os alunos encontraram a sequência:

“3, 4, 20, 18, 4, 21, 8, 3, 0”

que corresponderá à frase

“Deus É VIDA”.

 

CONCLUSÃO

As atividades desenvolvidas e aplicadas são exemplos de material didático que pode ser utilizado pelos professores para exercitar, aprofundar, fixar e revisar conteúdos, fazendo uso de códigos e senhas aliados aos conteúdos matemáticos de função quadrática, circunferência, cilindros e matrizes, de forma motivadora e contextualizada, permitindo aos alunos a possibilidade de ganharem mais confiança para trabalhar com problemas e buscarem novas experiências de aprendizagem. Além disso, possibilitou, também, desenvolver as capacidades de concentração, de trabalho em grupo e de desenvolver estratégias de resolução de problemas.