PAINEL I
quais nÚmeros sÃo soma de naturais consecutivos?
Rogério César dos Santos
UnB / FUP

Números consecutivos somando potências de 2

Observe abaixo somas de números consecutivos positivos:

3 + 4 + 5 = 12
1 + 2 + 3 + 4 = 10
6 + 7 + 8 + 9 +10 = 40
10 +11 + 12 = 33

Tentemos obter 16:

1 + 2 + 3 + 4 + 5 = 15 (não);
2 + 3 + 4 + 5 = 14 (não);
3 + 4 + 5 + 6 = 18 (não);
4 + 5 + 6 = 15 (não); 5 + 6 + 7 = 18 (não);
6 + 7 + 8 = 21 (não); 7 + 8 =15 (não);
8 + 9 = 17 (não); 9 + 10 = 19 (não); ...

Isso ocorre porque 16 é uma potência de 2: mostraremos neste texto que nenhuma potência de 2 pode ser escrita como soma de números inteiros consecutivos, a não ser usando os negativos para obter os cancelamentos necessários, como:

– 15 – 14 – ... – 1 + 0 + 1 + ... + 14 + 15 + 16 = 16.

Essa é a única forma de se obter 16 usando termos consecutivos inteiros. Vamos provar essa afirmação.

Consideremos, então, uma sequência crescente a, a + 1, a + 2, ... , a + (n – 1), constituída de n números inteiros consecutivos, n ≥ 2, e seja S a soma de seus termos.

Suponhamos que exista um natural, k, k ≥ 0 (pois estamos somando inteiros), tal que S = 2k.

Então, n(2a + n – 1) = 2k + 1.

Logo, n e (2a + n – 1) são potências de 2. Isso implica n par (pois n ≥ 2) e, portanto, (2a + n – 1) será ímpar. Sendo uma potência de 2 e ímpar, 2a + n – 1 = 20 e, então, n = 2k + 1.

Isso leva a 2a + 2k+ 1 = 2 ou a = 1 – 2k.

Então, os n = 2k+ 1 termos da única sequência de inteiros consecutivos com soma igual a 2k são:

1 – 2k, 2 – 2k, 3 – 2k, ... , 2k+ 1 –2k.

No caso S = 16, temos k = 4 e n = 25 = 32. A única sequência de inteiros consecutivos com soma 16 é:

1 – 24, 2 – 24, 3 – 24, ... , 31 – 24, 32 – 24 ou

– 15, – 14, – 13, ... , 14, 15, 16

Além disso, a expressão a = 1 – 2k nos diz que o primeiro termo sempre será negativo (para k > 0) ou nulo (k = 0).

Conclusão: Nenhuma sequência de números inteiros consecutivos positivos pode ter como soma uma potência de 2.

Números consecutivos positivos somando outros valores

Provaremos agora que qualquer número inteiro positivo, N, exceto as potências de 2, pode ser escrito como soma dos termos de uma sequência de inteiros consecutivos positivos.

1. N é um inteiro positivo ímpar (maior do que 1)

Como N = 2k + 1 para k inteiro, k > 0, basta tomar os inteiros consecutivos k e k + 1 e teremos N = k + (k + 1).

Exemplo:
N = 37 = 2 × 18 + 1, 37 = 18 + 19.

2. N é um inteiro par positivo diferente de uma potência de dois

Vamos procurar uma sequência de inteiros consecutivos a, a + 1, a + 2, ... , a + (n – 1) tal que a soma seja igual a N. Então,

Como N é par, diferente de uma potência de dois, podemos escrever N = m2r com r > 0 e m inteiro ímpar, m > 1.

Logo,

1° caso: 1 < m < 2r + 1

Escolhemos n = m e, então , que é um inteiro positivo, já que 1 – m é par e m < 2r + 1.

2° caso: m < 2r + 1

Escolhemos n = 2r + 1 e, então, que é um inteiro positivo, já que m + 1 é par e
m > 2r + 1.

Enfim, para qualquer número N inteiro positivo maior do que 1 e diferente de uma potência de 2, existirá ao menos uma sequência com dois ou mais termos positivos consecutivos, cuja soma é N, bastando usar o feito acima. Vejam os exemplos:

1. N = 48 = 24 × 3, com m = 3 e r = 4. Como m = 3 < 25, estamos no 1o caso; logo, tomamos n = m = 3 e a = (25 + 1 – 3)/2 = 15. A sequência será: 15, 16 e 17 e 15 + 16 + 17 = 48.

2. N = 38 = 21 × 19, sendo m = 19 e r = 1. Como m = 19 > 22, estamos no 2° caso; logo, tomamos n = 22 = 4 e a = (19 + 1 – 4)/2 = 8. A sequência será: 8, 9, 10, 11 e 8 + 9 + 10 + 11 = 38.

PAINEL II
ONZES FORA

Rogério César dos Santos
UnB / FUP

Há algumas décadas a prova "dos noves fora" era usada para conferir contas como a de adição e de multiplicação. O artigo A prova dos noves, publicado na RPM 14, de autoria de Flávio Wagner Rodrigues, traz a explicação do funcionamento dessa prova e também explica a razão de se escolher o nove: é fácil calcular o resto da divisão de um número por 9, bastando para isso somar seus algarismos. Neste artigo, mostraremos que seria igualmente prático usar a prova "dos onzes fora".

Relembrando a prova dos noves fora

Para o leitor que não se lembra, a prova "dos noves fora" funciona assim: gostaríamos de conferir o resultado da adição 897 + 567 = 1474.

Somamos os algarismos dos números envolvidos e calculamos os restos da divisão por nove:

8 + 9 + 7 = 24; 2 + 4 = 6. Noves fora, 6. Resto r = 6.
5 + 6 + 7 = 18; 1 + 8 = 9. Noves fora, 0. Resto s = 0.

Agora, obtemos o resto da divisão de r + s por nove: r + s = 6 + 0 = 6. Noves fora, 6. Resto u = 6.

Finalmente, 1 + 4 + 7 + 4 = 16; 1 + 6 = 7. Noves fora, 7. Resto t = 7. Como o resto u = 6 é diferente do resto t = 7, a adição está errada.

Para se verificar a multiplicação, o método é o mesmo, mas substituindo a soma dos restos r e s, pelo produto r.s.

Lembrando o artigo mencionado, da RPM 14, observamos que, se uma conta estiver certa, a prova dos noves sempre irá confirmar a exatidão da resposta. Mas podemos ter falhas em contas erradas, ou seja, a prova dos noves pode não detectar um erro: isso pode ocorrer se e somente se o resultado obtido e o resultado correto diferem por um múltiplo de 9. De fato, se a resposta dada para a soma 90 + 90 fosse 9900, a prova dos noves não apontaria o erro.

Observamos que, no lugar do nove, poderíamos usar outro natural positivo qualquer, m. Para entendermos por que, primeiro relembramos que todo número p é congruente, módulo m, ao resto r da sua divisão por m, já que p = mq + r. Também é verdade que, se P1r(modm) e
P2 s(modm) então P1 + P2  (r + s)(modm) (no caso da adição) e P1.P2 ≡ (r.s)(modm) , (no caso da multiplicação). Em outras palavras, suponha que desejamos conferir a adição P1 +P2 = X ou a multiplicação P1 . P2 =Y. Denote por r o resto da divisão de P1 por m, e por s o resto da divisão de P2 por m. Então, se os restos da divisão por m de X e de r + s não forem iguais, e, analogamente, se os restos da divisão por m de Y e r.s não forem iguais, a conta está errada.

Agora, quando os respectivos restos são iguais, não podemos garantir, como no caso do nove, se a adição ou a multiplicação estão corretas ou não.

A prova dos onzes fora

Inicialmente, vamos recordar um conhecido critério de divisibilidade por 11.

Critério de divisibilidade por 11: Um número natural N = anan – 1an –2 ... a2a1a0 é divisível por 11 se, e somente se, a soma alternada, S, dos seus algarismos

S =a0a1+ a2 + ... + (–1)n – 1 an – 1 + (–1)n an

for um número divisível por 11.

Justificativa

Para todo natural m, temos 10m = (11 –1)m e, no desenvolvimento de (11 –1)m, todas as parcelas serão múltiplos de 11, exceto a parcela (–1)n.

Logo, podemos escrever 10m = 11qm + (–1)m, para algum qm natural.

Então

N = anan – 1an –2 ... a2a1a0 =

an10n + an – 1 10n – 1 + ... + a2102 + a1 10 + a0 =

an[11qn+ (–1)n] + an– 1 [11qn– 1+ (–1)n – 1] + ... +

a2[11q2+ (–1)2] + a1 [11q1+ (–1)1] + a0 =

11(an qn + ... + a1 q1) + S,

o que mostra que N será divisível por 11 se, e somente se S o for. Ou seja, NS(mod11). Com isso, podemos usar uma "prova dos onzes fora", pois fica fácil determinar o resto da divisão de um número por 11.

Verifiquemos, como exemplo, se a adição 12 385 + 9 834 = 22 219 está correta pelos "onzes fora".

Obtemos inicialmente os restos r e s das divisões de 12 385 e 9 834 por 11:

12 385: S = 5 – 8 + 3 – 2 + 1 = – 1; logo,
12385  −1(mod11). Assim, r = 10.
9 834 : S = 4 – 3 + 8 – 9 = 0; logo, 9834 ≡ 0(mod11).

Portanto, s = 0.

Somando: r + s = 10, cujo resto por 11 é u = 10.

22 219: S = 9 – 1 + 2 – 2 + 2 = 10; logo, o resto da divisão de 22 219 por 11 é t = 10.

Como u e t são iguais, a adição pode estar correta.

Deixamos para o leitor fazer a "prova dos onzes" na multiplicação 34 . 243 = 8 642.

 

PAINEL III
José Ueslei Marques Pascoal
João Paulo de Lima

O artigo Números especiais quadrados, publicado na RPM 84, serviu de inspiração para compartilharmos uma experiência vivida em sala de aula do curso preparatório para a OBMEP – Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas, realizado no Instituto Federal de Educação do Rio Grande do Norte, campus Apodi. Essa experiência começou com a apresentação do problema abaixo, presente no livro, publicado pela SBM, Elementos de Aritmética, de autoria de Abramo Hefez:

Mostre que nenhum elemento da sequência
11, 111, 1111, 11111, ...
é um quadrado perfeito.

Inicialmente apresentamos e justificamos aos alunos a informação a seguir, que seria útil para a solução do problema:

Resultado

Todo número, a, quadrado perfeito, pode ser escrito em uma das formas:
4m ou 4m + 1, m um número inteiro.

Justificativa

Se a é um quadrado perfeito, então existe um inteiro x, tal que a = x2. O inteiro x é par ou ímpar, logo existe um inteiro k tal que x = 2k ou x = 2k + 1.

x = 2ka = x2 = 4k2
x = 2k + 1 → a = x2 = 4k2 + 42 + 1 =
4(k2 + k) + 1 = 4k' + 1

com k2 e k' inteiros. Basta então tomar m igual a k2 ou k' para provar o resultado enunciado.

Depois de entender esse resultado, pedimos aos alunos para voltar ao problema inicial: por verificação direta, vê-se que 1, 11 e 111 não são quadrados perfeitos, logo consideramos os números com n ≥ 4.

Sugerimos a eles que escrevessem o número na forma

Vários alunos perceberam que é
múltiplo de 4 e, como 11 = 8 + 3, concluíram que


que é da forma = 4m + 3. Então, pelo resultado mostrado anteriormente, esse número não é um quadrado perfeito.

O problema estava resolvido!

Como a turma achou o problema interessante, aproveitamos a oportunidade para avançar um pouco mais, propondo o seguinte:

Algum número da forma n ≥ 2 e a = 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 é um quadrado perfeito?

A primeira tentativa dos alunos foi afirmar: "Os números podem ser escritos como e, como não é um quadrado perfeito, então também não é."

Mostramos a eles que essa afirmação precisava de uma verificação cuidadosa. Ela seria válida para os números 44...444 e 99...999, pois:

444...444 = 4.(11...111) = 22. (11...111) e, se fosse um quadrado perfeito, então existiriam inteiros x e y tais que 444...444 = x2 com x = 2y; logo, 111...111 seria igual a y2, o que mostramos que não é verdade.

999...999 = 9.(111...111) = 32. (111...111) e, se fosse um quadrado perfeito, então existiriam inteiros x e y tais que 999...999 = x2 com x = 3y; logo, 111...111 seria igual a y2, o que mostramos que não é verdade.

Para os outros valores de a, pedimos aos alunos que verificassem quais poderiam ser os algarismos das unidades de um quadrado perfeito. Eles perceberam que, ao fazer o produto de um algarismo por ele mesmo, o resultado só pode terminar em 1, 4, 5, 6, ou 9; logo, esses são os possíveis algarismos das unidades de um quadrado perfeito.

Então, concluíram que 222...222, 333...333, 777...777 e 888...888 não são quadrados perfeitos, já que os algarismos das unidades desses números são 2, 3, 7 e 8.

Restavam os casos a = 5 e a = 6.

Sugerimos aos alunos que utilizassem o fato mostrado anteriormente de que é da forma 4m + 3, para algum m inteiro.

Então eles fizeram:

555...555 = 5(111...111) = 5(4m + 3) = 20m + 15 =
20m + 12 + 3 = 4(5m + 3) + 3 = 4m' + 3;
666...666 = 6(111...111) = 6(4m + 3) = 24m + 18 =
24m + 16 + 2 = 4(6m + 4) + 2 = 4m'' + 2.

Com isso, usando o resultado provado anteriormente, mostraram que 555...555 e 666...666 também não são quadrados perfeitos.

E o problema proposto estava completamente resolvido.

Nosso objetivo, com este texto, foi mostrar aos colegas professores que, aproveitando a empolgação da turma, pudemos propor problemas um pouco mais avançados, que os alunos resolveram de forma bastante satisfatória, com um pouco de nossa ajuda.

 

Agradecimentos e referÊncias

Painel I
Agradeço ao colega Hudson Rodrigues Armando por contribuir para este trabalho.
The Math Forum. Ask Dr. Math. Disponível em: http://mathforum.org/library/drmath/view/62549.html> Acesso em: 20 out. 2014

Painéis I e II
Wall, E. S. Teoria dos Números para professores do ensino fundamental. Porto Alegre: AMGH, 2014. p. 59