Moacir Rosado Filho
Alancardek Pereira Araújo
Domingos Sávio Valério Silva

Departamento de Matemática – UFES


A maioria dos problemas de otimização requerem a utilização de técnicas do Cálculo Diferencial para serem resolvidos. No nível do ensino médio, os problemas de otimização normalmente abordados em sala de aula são aqueles que podem ser modelados por funções quadráticas. Porém, alguns problemas que naturalmente conduziriam a uma resolução envolvendo Cálculo podem ser resolvidos no contexto do ensino médio, usando desigualdades adequadas. Exemplos desses tipos de problemas são aqueles que podem ser resolvidos usando a célebre desigualdade entre as médias aritmética e geométrica. A RPM apresentou em [1] alguns problemas de otimização que podem ser resolvidos usando essa desigualdade e em [2] são apresentadas várias técnicas elementares para resolver problemas de otimização, evitando-se o uso do Cálculo.

Neste texto apresentaremos e demonstraremos uma desigualdade trigonométrica que será aplicada à resolução de um interessante problema de otimização envolvendo navegação de um barco a vela.

A desigualdade trigonomÉtrica

Se α, β e γ são ângulos tais que 0° ≤ α, β, γ ≤ 180°, então

valendo a igualdade se e somente se α = β = γ .

O problema: ziguezagueando um barco a vela contra o vento

Vamos colocar o problema e resolvê-lo usando a desigualdade trigonométrica enunciada. Na próxima seção, apresentaremos uma demonstração dessa desigualdade.

Problema: Como deveria ser posicionada a vela de um barco a vela para que ele siga contra o vento que sopra em uma determinada direção de modo que o barco navegue para aquela direção o mais rápido possível?

Suponhamos que o vento esteja soprando, com velocidade constante, a partir do norte, por exemplo, na direção e sentido do vetor (segmento de reta orientado) da figura 1. O barco se move na direção e sentido do vetor , sendo que essa direção e sentido podem ser fixados pelo velejador, usando o leme e a quilha. O vetor determina o curso da navegação. A vela do barco é disposta na direção dada pelo vetor , que pode ser controlada pelo velejador, sendo que a força do vento é transmitida ao barco pela vela de modo que o barco navega na direção e sentido do vetor . Deseja-se determinar as direções de e , de modo que o barco navegue o mais rapidamente possível para o norte. Para simplificar, admitamos que a superfície da água seja plana e sem atrito, e que a superfície da vela também seja plana. Também não consideraremos o movimento perpendicular à quilha causada pela componente da velocidade do vento nessa direção.


figura 1

Se a força do vento é dada pelo vetor , o impulso do vento sobre a vela é dado pela componente de na direção perpendicular à vela. O módulo dessa componente é , sendo F o módulo de . O efeito da componente da força de módulo é mover o barco na direção e sentido de . A componente da força na direção de é dada por . Essa última componente da força é a que realiza o efetivo impulso sobre o barco. Como a velocidade do vento é constante, a velocidade do barco fica proporcional a .

Como se deseja maximizar a velocidade resultante do barco em direção ao norte, é necessário considerar a componente para o norte da velocidade, que tem módulo proporcional a

Usando a desigualdade trigonométrica enunciada no início do artigo, tal máximo é igual a

o qual ocorre quando

já que a soma dos três ângulos é igual a 90°.

Assim, para maximizar a velocidade do barco para o norte, escolhe-se o curso de navegação formando ângulo de 60° com a direção norte e escolhe-se a direção da vela como sendo a da bissetriz do ângulo entre a direção norte e a direção do curso. Para ir de um ponto P a outro ponto Q ao norte, o barco deve efetuar um movimento em zigue-zague, como na figura 2.



figura 2

A demonstraÇÃo da desigualdade trigonomÉtrica

Passo 1: considerando dois ângulos

Resultado 1

Se 0° ≤ α, β ≤ 180°, então senα senβ ≤ sen2 .

E vale a igualdade se e somente se α = β.

Demonstração: Vamos usar a conhecida fórmula de prostaférese.

senα + senβ = 2sen cos.

De 0° ≤ α, β ≤ 180°, temos

0° ≤≤180° e -90°≤≤90°,

logo,

senα + senβ ≤ 2sen , e vale a igualdade se e somente se cos = 1, ou seja se α = β (1).

Então,

(senα + senβ)2 ≤ 4sen2 e, como

4senα senβ ≤ (senα + senβ)2, pois 4ab ≤ (a + b)2 para quaisquer a e b reais, temos demonstrada a desigualdade senα senβ ≤ sen2 .

Resta mostrar a condição para a igualdade.

Se α = β, é fácil ver que vale a igualdade. Por outro lado, se senα senβ = sen2 , então de 4senα senβ ≤ (senα + senβ)2 ≤ 4sen2 segue senα + senβ ≤ 2sen e por (1) temos α = β.

Passo 2: considerando quatro ângulos

Resultado 2

Se 0° ≤ α, β, γ, δ ≤ 180°, então

senα senβ senγ senδ ≤ sen4 .

E vale a igualdade se e somente se α = β = γ = δ.

Demonstração: Inicialmente, vamos supor que α = β = γ = δ. Então

senα senβ senγ senδ = sen4α = sen4.

Vamos agora supor que os quatro ângulos não são todos iguais. Podemos, sem perda de generalidade supor que  α ≠ β . Então, pelo Resultado 1, temos:

senα senβ < sen2 .

Aplicando o Resultado 1 duas vezes, primeiro para os pares α, β e γ, δ e depois para o par

obtemos

Ou seja, se os quatro ângulos não forem todos iguais, teremos

Isso completa a demonstração do Resultado 2.

Passo 3: considerando três ângulos

Resultado 3

Se 0° ≤ α, β, γ ≤ 180°, então

senα senβ senγ≤ sen3 .

E a igualdade vale se e somente se α = β = γ.

Demonstração: Seja e apliquemos o Resultado 2 para α, β, γ e δ. Então

E, pelo Resultado 2, a igualdade vale se e somente se

Se α = β = γ = 0 ou α = β = γ = 180°, o resultado vale trivialmente; logo, podemos supor Nesse caso, basta dividirmos ambos os membros da desigualdade anterior por para completar a demonstração do Resultado 3.

OBSERVAÇÃO

O que fizemos com a função seno é, na verdade, um caso particular de um resultado mais geral, conhecido como Desigualdade de Jensen, cujo enunciado está abaixo.

Desigualdade de Jensen

Sejam I ⊂ ℝ um intervalo e f : I → ℝ uma função tal que f(x) > 0 para todo xI .

Suponha que ,

para todos x1 ,x2I , com a igualdade valendo se e somente se x1 = x2 .

Então

para todos x1 ,x2 , ... ,xn ∈I ,com a igualdade valendo se e somente se x1 = x2 = ... = xn.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] ARAÚJO, F. H. A. de. Médias e problemas de otimização, RPM 76, ano 2011.

[2] NIVEN, I. Maxima and minima without calculus. The Mathematical Association of America, 1981.

[3] DÖRRIE, H. 100 Great Problema of Elementary Mathematics, New York: Dover, 1965.

[4] FOMIN, D.; GENKIN, S.; ITENBERG, I. Círculos Matemáticos: a experiência russa, IMPA, 2010.