VOCÊ SABE RESOLVER QUALQUER EQUAÇÃO ALGÉBRICA?

William Canellas

Ao trabalhar com o tema equações algébricas, muitos alunos perguntam como resolver tais equações, quando elas possuem grau maior ou igual a três. Os conteúdos normalmente apresentados no ensino médio não são suficientes para determinar as soluções dessas equações. Na prática, elas são resolvidas utilizando métodos numéricos, assunto pouco explorado tanto no ensino médio quanto em cursos de Licenciatura. Diante dos recursos computacionais hoje disponíveis, por que não apresentar ao aluno tais métodos?

O método descrito neste artigo foi desenvolvido, de forma independente, pelos matemáticos Dandelin1, Lobachevsky2 e Graeffe3, mas foi Graeffe quem desenvolveu o método em maior generalidade.

O método se baseia na quadratura das raízes da equação a ser resolvida, ou seja, na obtenção de uma equação transformada, cujas raízes são os quadrados das raízes da equação original.

Esse processo é repetido sucessivamente e, como veremos a seguir, após alguns passos é possível obter aproximações para as raízes da equação original por meio dos coeficientes da equação transformada.

O estudo do método e a preparação de uma exposição apropriada para professores e alunos do ensino médio foi sugerido pelo professor e orientador Marcelo Viana (IMPA) para elaboração de meu trabalho de conclusão de curso no Profmat ([2]).

O MÉTODO

O passo fundamental do método de Graeffe é a obtenção de uma nova equação polinomial (chamada transformada de Graeffe), cujas raízes sejam os quadrados das raízes da equação original.

A transformada de Graeffe pode ser obtida pelo produto de P(x) por P(–x). De fato, supondo que as raízes de P(x) = 0 sejam x1, x2, ..., xn, temos:

P(x) = (xx1)(xx2) ... (xxn) e
P(– x) = (– xx1)(– xx2) ... (– xxn) =
(– 1)n (x + x1)(x + x2) ... (x + xn).

Então,

Fazendo x2 = y, obtemos o polinômio Q(y),

cujas raízes são

que são os quadrados das raízes de P(x) = 0.

Para exemplificar, consideremos uma equação do quinto grau, da forma

Portanto, a transformada de Graeffe da equação original é:

y5+ (2β – α2)y4 + (β2 + 2δ – 2αγ)y3 +
(2βδ – 2αε – γ2)y2 + (δ2 – 2γε) y – ε2 = 0.

Note que os coeficientes da transformada de Graeffe podem ser expressos em termos dos coeficientes da equação original.

Repetindo o processo de quadratura, obteremos uma nova transformada de Graeffe, cujas raízes são as quartas potências da equação original; e assim por diante, sempre obtendo uma nova transformada em que as raízes são os quadrados das raízes da transformada anterior. De modo geral, a transformada Pk obtida na etapa k tem raízes que são a n-ésima potência das raízes da equação original, sendo n = 2k.

Os coeficientes de cada transformada Pk são obtidos, como vimos acima, a partir dos coeficientes da anterior.

Mas como a obtenção da sequência de transformadas de Graeffe auxilia na resolução da equação original? A primeira observação é que os coeficientes de cada transformada se relacionam com potências das raízes da equação original, por meio das relações de Girard4. Consideremos novamente o caso de uma equação do quinto grau, da forma

P(x) = x5 + αx4 + βx3 + γx2 + δx + ε = 0,

com raízes x1, x2, x3, x4 e x5.

Como a k-ésima transformada tem raízes

se os seus coeficientes são αk, βk, γk, δk e εk, as relações de Girard fornecem:

A segunda (e crucial) observação é que as raízes n-ésimas dos valores absolutos dos coeficientes das transformadas (sendo n = 2k) convergem para o valor absoluto de uma das raízes (ou para um produto delas).

Para ilustrar o que acontece, observemos o comportamento da expressão quando n cresce. Conforme mostra a tabela abaixo, os valores de an parecem convergir para o valor 5.

É fácil entender por quê. Podemos reescrever a expressão de an como

Quando n cresce, o valor dentro da raiz converge para 1, fazendo com que an convirja para 5.

De modo mais geral, temos o seguinte teorema, cuja demonstração está ilustrada no exemplo particular anterior.

Teorema

Seja m um número natural e x1, x2, x3, ...,xm números complexos tais que

Então, a sequência

converge para

Voltando à sequência das transformadas de Graeffe, se uma das raízes (digamos x1) da equação original tem valor absoluto maior que todas as demais, o teorema acima garante que converge para . Logo, os valores de fornecem aproximações cada vez melhores para , à medida que k cresce.

A situação ideal para a aplicação do método de Graeffe é aquela em que a equação a ser resolvida tem apenas raízes reais, com valores absolutos distintos. Voltando à equação do quinto grau

P(x) = x5 + αx4 + βx3 + γx2 + δx + ε = 0,

vamos supor que as raízes x1, x2, x3, x4 e x5 são números reais tais que

Para valores grandes de k, temos

assim por diante, sempre obtendo aproximações para os valores absolutos das raízes por meio da razão entre as raízes de ordem 2k de coeficientes consecutivos da transformada. Para encontrar o sinal de cada raiz, basta testar as duas possibilidades na equação original.

UM EXEMPLO

Vamos aplicar o método para determinar as raízes da seguinte equação polinomial do quinto grau:

P(x) = x5 – 3x4 – 53 x3 + 171x2 + 304x – 420 = 0.

1° passo

Com o auxílio de uma planilha e utilizando as expressões que fornecem os coeficientes de cada transformada a partir dos coeficientes da transformada anterior, podemos determinar as sucessivas trasformadas de Graeffe.


Tabela: transformadas de Graeffe

2° passo

Calculamos as raízes de ordem n = 2k do valor absoluto de cada coeficiente.


Tabela: Raízes n-ésimas dos coeficientes de Pk(x)

 

3° passo

Obtemos os valores absolutos aproximados das raízes da equação.

4° passo

Para encontrar os sinais das raízes, substituímos cada um dos valores correspondentes na equação. Por exemplo,

P(7,00001) = 1512,028

P(–7,00001) = – 0,0624.

Logo, a raiz x1 de maior módulo é aproximadamente igual a –7,00001.

Fazendo o mesmo com os demais valores, obtemos:

O leitor pode verificar que as raízes exatas são

7, 6, 5, –2 e 1.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do ponto de vista prático, o método de Dandelin-Graeffe apresenta várias dificuldades. Inicialmente, da forma como exposta acima, ele funciona apenas no caso de equações com raízes reais com módulos distintos. É possível, porém, adaptar o método para os casos em que há raízes com módulos iguais ou raízes complexas, cono descrito em [1].

Outro problema é o fato de que os coeficientes das diversas transformadas crescem muito rapidamente, excedendo, após apenas algumas iterações, a capacidade de armazenamento dos computadores. Recentemente, porém, Zubelli e Malajovich mostraram como modificar o método de modo a não incorrer nesse problema (ver [3] e [4]).

De todo o modo, os conceitos envolvidos e a implementação relativamente simples por meio de uma planilha eletrônica fazem do método um tema interessante para o ensino médio, ainda que limitado

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] BEST, G. C. Notes on the Graeffe method of root squaring, Amer. Math. Monthly, vol. 56, 1949.

[2 ]BATISTA, W. C. Métodos iterativos na resolução de equações. Trabalho de Conclusão do PROFMAT, 2012. Disponível em: <http://bit.profmat-sbm.org.br/xmlui/handle/123456789/1106>.

[3] MALAJOVICH, G. & ZUBELLI, J.P. On the Geometry of Graeffe Iteration, Journal of Complexity, vol. 17, ed. 3, set. 2001, p. 541-573. Disponível em: <http://arxiv.org/pdf/math/9908149v1.pdf>.

[4]MALAJOVICH, G. & ZUBELLI, J.P. Tangent Graeffe Iteration, Numerische Mathematik, vol. 89, n. 4, out. 2001.Disponível em: <http://arxiv.org/pdf/math/9908150v1.pdf>.

 

NOTAS

1 Germinal Pierre Dandelin (1794-1847), matemático francês que contribuiu com estudos em Geometria, Estática, Álgebra, Probabilidade e com um método de aproximar as raízes de uma equação algébrica.

2 Nikolai Ivanovich Lobachevsky (1792-1856), matemático russo mais conhecido por desenvolver trabalhos em geo metrias não euclidianas.

3 Karl Heinrich Graeffe (1799-1873), matemático alemão mais conhecido por seu método de resolução numérica de equações algébricas.

4 Albert Girard (1595-1632) era francês e viveu como refugiado religioso na Holanda. Trabalhou em Álgebra, Trigonometria e Aritmética e apresenta em Invention Nouvelle en l'Algèbre seu trabalho sobre as relações entre os coeficientes e as raízes de uma equação algébrica.

 

 

Errata DA RPM 85

Na p. 35, primeira coluna, linha 5 está a frase: “os casos a = 1 e b = 0, 1 são triviais”
O leitor Diogo Oliveira Soares no apontou, com razão, que o número 11 (a = b =1) não tem a propriedade em questão.