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O ALUNO QUE ENCONTROU A BELEZA Chico Nery – Colégio San Conrado (Campinas) Há anos leciono para o ensino médio e o setor da Matemática que me cabe é o da geometria, a sintética e a analítica planas e a métrica espacial. Faz tempo que me chama a atenção o seguinte fato: apresento a parte teórica com a maior clareza e a máxima paciência, o aluno presta bastante atenção e, no entanto, ele não consegue resolver certos problemas – se não é falta de conhecimento teórico, é falta de quê? A resposta na qual acredito é: falta de prática, ou melhor, desconhecimento de um repertório técnico para “atacar” cada problema proposto. É exatamente a esse aspecto que venho me dedicando com mais afinco nos últimos anos. Vou truncar momentaneamente o assunto para falar um pouco de um de meus alunos: Pablo Penides, ou simplesmente PP, como ele se identifica nas provas. Ele aparentemente presta pouca atenção às aulas, escreve muito pouco, tem uma cara alegre e mansa, e acaba tirando notas satisfatórias nas provas. Mas o que nele me chamou a atenção desde o início foi o fato de estar sempre desenhando, e já tive vários alunos assim, mas PP é diferente – seus desenhos são notáveis: touros, cavalos, leões, elefantes, corujas, cachorros, formigas, dinossauros, mas principalmente pessoas, e com as mais variadas fisionomias. Algumas vezes ele quadricula todo o desenho,
trocando em seguida os quadradinhos de lugar, O que o PP tem a ver com o assunto inicial? Estamos estudando áreas e achei oportuno apresentar uma técnica de resolução de problemas que consiste em dividir a figura em partes iguais ou pelo menos com a mesma área, deslocar pedaços dela, se necessário, e produzir uma outra figura mais simples, mais conhecida e equivalente, de modo a fazer o resultado “brotar” na própria figura nova, quase sem cálculos. Ao resolver esses exercícios, como vou dar alguns
exemplos a seguir, PP se transforma! Quase Se não me falha a memória, notei a mudança no comportamento dele quando propus e resolvi o seguinte problema: calcule a razão entre as áreas do triângulo ADE e do trapézio BDEC, sabendo que AD = 2, DB = 3, e DE é paralelo à BC. Apresentei a tradicional resolução por razão entre áreas de figuras semelhantes e ele apenas observou: Mas, quando resolvi o problema dividindo a
figura em vários triângulos congruentes por meio Bastou contar quantos “triangulinhos” havia dentro de cada um dos polígonos e concluir O segundo problema que resolvi foi o seguinte: ABCD é um quadrado de área 5 cm² e os pontos M, N, P e Q são pontos médios de seus lados. Calcular a área do quadradinho destacado. Apresentei uma primeira solução analisando os vários triângulos semelhantes existentes na figura, novamente ele somente observou e, em seguida, mostrei uma segunda resolução, deslocando os "triangulinhos" de modo a completar outros quatro quadradinhos congruentes ao quadradinho destacado, e a nova figura, a seguir, equivalente à inicial, sendo composta por 5 quadradinhos, revela que a área pedida é 5 ÷ 5 = 1 cm². O PP sorriu! Como treinamento, propus os seguintes problemas: 1. Calcule a área do quadrilátero ACDE, sabendo que a área do hexágono regular ABCDEF é 60 cm². 2. Calcule a área do quadradinho destacado, sabendo que a área do quadrado ABCD é 60 cm² e que cada um de seus lados foi dividido em 3 segmentos congruentes. 3. Calcule a área do triângulo destacado, sabendo que a área do quadrado ABCD é 18 cm² e que tanto seu lado AB como sua diagonal AC foram divididos em 3 partes iguais. 4. Com dois quadrados justapostos forma-se um retângulo ABCD de área 2 cm². Calcule a área do retângulo BDEF. 5. Calcule a área do quadrilátero BEDF destacado, sabendo que a área do quadrado ABCD é 60 cm² e que cada um de seus lados foi dividido em três partes iguais. 6. Dois quadrados são inscritos em um triângulo retângulo isósceles, de duas maneiras diferentes, como mostram as figuras seguintes. Se o quadrado I tem área 234 cm², qual é a área do quadrado II? Na aula seguinte, PP me entregou algumas folhas de papel sulfite com as seguintes resoluções: (P1) Ele dividiu o hexágono regular em 6 triângulos congruentes, tendo cada um área 10 cm². Portanto, a área pedida é 4 × 10 = 40 cm². (P2) Ele deslocou os triângulos I e II de modo a formar uma nova figura, equivalente à primeira, e constituída por 10 quadradinhos congruentes. Portanto, a área pedida é 60 ÷ 10 = 6 cm². (P3) Ele quadriculou o quadrado ABCD, formando 9 quadradinhos congruentes de área 2 cm². Portanto, a área pedida é 4 - 1 – 2 = 1 cm². (P4) A partir de A e C, ele traçou perpendiculares ao segmento BD, dividindo a figura original em partes constituídas por dois tipos de triângulos, uns de área S1 e outros de área S2. Mostrou que tanto a área do retângulo ABCD quanto a área do retângulo BDEF eram iguais a 2S1 + 2S2. Portanto, a área do retângulo BDEF é 2 cm². (P5) Esse ele resolveu de duas maneiras. Primeiramente, subtraiu da área total as áreas das 12 figuras equivalentes que rodeiam a figura destacada. A segunda solução foi dividir a figura dada em 8 triângulos equivalentes. Se 8 × S = 60, então 4 × S = 30 cm². (P6) Ele dividiu a primeira figura em 4 triângulos congruentes e a segunda em 9 triângulos congruentes. Se 2 × A = 234, então 4 × A = 468. Daí, 9 × B = 468, B = 52 e 4 × B = 208 cm². Considerando todos os alunos da classe, apareceram outras soluções, mas ficam para um outro artigo. Curioso que estava, ao perceber essa notável mudança de postura, perguntei ao Pablo o porquê desse repentino interesse dele por esses novos problemas. A resposta veio com um olhar calmo e convicto: “Vi beleza nessas figuras e na estratégia do método”. No continuar da conversa, fiquei sabendo que seus pais eram arquitetos e designers, adoravam o Picasso, admiração essa que passaram ao filho, não apenas ao escolher seu nome. Ele está acostumado a apreciar “belezas”. Confesso aos colegas leitores que há tempos me preocupo muito mais com as técnicas resolutivas de problemas do que com a exposição da parte teórica dos conteúdos propriamente dita, e revelo, com a maior franqueza, que assim como tenho convicção de que os alunos precisam ver beleza na matemática para conseguirem se aproximar dela, tenho também as maiores dúvidas sobre como colaborar com isso. Penso que a beleza talvez não seja algo que se descubra, mas é ela que se revela para as pessoas, e somente para aquelas de espírito e mente preparados. Eu, como professor, acredito que no máximo posso contribuir com o aprimoramento da mente do aluno, o além, creio que seja só com ele mesmo, em função do seu querer e da sua sensibilidade.
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