Laurito Miranda Alves


Certa vez, lendo um texto do educador Rubem Alves, me deparei com a frase: “o professor deve causar espanto, curiosidade na criança ou adolescente, e não dar respostas prontas, pois elas estão nos livros ou na internet". Lembrei-me do tempo do meu curso superior de Matemática: logo no início, um dos primeiros problemas que nos foi apresentado pelo querido professor Carlos Afonso foi o famoso problema dos armários:

Um corredor possui 100 armários, numerados de 1 a 100, todos inicialmente fechados. Passarão por esse corredor 100 pessoas, da seguinte forma:

A primeira pessoa a passar abre todos os armários.
A segunda pessoa fecha todos os armários pares.
A terceira pessoa fecha todos os armários múltiplos de três que estão
abertos e abre todos os armários múltiplos de três que estão fechados.
A quarta pessoa fecha todos os armários múltiplos de quatro que estão
abertos e abre todos os armários múltiplos de quatro que estão fechados.
A quinta pessoa fecha todos os armários múltiplos de cinco que estão
abertos e abre todos os armários múltiplos de cinco que estão fechados.

E assim, sucessivamente, até a 100a pessoa passar. Quando todas as pessoas tiverem passado, quais armários estarão abertos?

Para resolver essa questão, o professor Carlos nos fez pensar em cada armário individualmente: quem abre ou fecha esse armário? Ele nos espantou: seria possível resolver isso sem muitos cálculos? Logo percebemos que o armário de número n tinha sua porta aberta ou fechada pelas pessoas com números que eram divisores de n. Por exemplo, o armário número 8 tinha a porta aberta ou fechada pelas pessoas de números 1, 2, 4 e 8 e, dessa forma, como ele estava inicialmente fechado, a pessoa número 1 o abriu, a de número 2 o fechou, a de número 4 o abriu novamente e, finalmente, a pessoa número 8 o fechou e esse armário ficou fechado.

A seguir, percebemos que, se um número n tiver uma quantidade par de divisores, o armário n
terminará fechado, mas, se o número n tiver uma quantidade ímpar de divisores, o armário n permanecerá aberto. Então, para saber se o armário n termina aberto ou fechado, basta saber se a quantidade de divisores de n é par ou ímpar.

Já havíamos provado (é um bom exercício de contagem) que, se um número n for decomposto
em fatores primos, isto é,

então a quantidade Q de divisores de n é dada por:

Q = (a1 + 1)(a2 + 1)(a3 +1 ) ...(ak +1 ).

Para Q ser ímpar, todos os fatores do produto acima devem ser números ímpares e, então, todos os ai , i = 1, 2, ..., k devem ser pares, o que implica n ser um quadrado perfeito.

Reciprocamente, se n não for um quadrado perfeito, então ao menos um dos ai é ímpar, fazendo com que (ai + 1) seja par e, consequentemente, que Q seja par e o armário n fique fechado.

Nossa conclusão foi que os armários que ficam abertos são aqueles cujos números são quadrados perfeitos, terminando fechados todos os demais armários, e isso resolveu o problema que nos foi proposto.

Esse problema permaneceu adormecido até que o reencontrei no último mês na internet. Era uma lista de problemas, sem soluções, porém nesse reencontro havia um adendo à questão proposta:

Considere, agora, que é dada uma configuração final qualquer para os 100 armários. É possível que, passando apenas algumas das 100 pessoas, os armários fiquem com a configuração proposta?

Logo consegui ver como responder a essa questão: eu tinha que saber quantas seriam as configurações finais possíveis e de quantos modos eu poderia organizar as n pessoas para passar pelos armários. Se essas quantidades fossem iguais e se duas escolhas distintas de pessoas a passar pelos armários resultassem em configurações finais distintas, o problema estaria resolvido afirmativamente: cada escolha de pessoas resulta em uma das possíveis configurações finais dos armários. Resolvi seguir essa linha.

Inicialmente me perguntei:

Quantas são as configurações finais possíveis?

Como são 100 armários e como cada um deles pode terminar em duas posições, aberto ou fechado, temos 2100 configurações finais possíveis. São muitas configurações e pensei que não existiram tantos modos distintos de escolher pessoas para passar pelos armários.

A seguir, me perguntei:

Escolhido um subconjunto das 100 pessoas para passar pelos armários, a ordem em que elas passam interfere na configuração final?

Logo me convenci que a ordem de passagem das pessoas era irrelevante, pois, dado um armário qualquer, ele só é aberto ou fechado pelas pessoas com números que são seus divisores, não importando a ordem em que essas pessoas passam.

Para saber, então, de quantos modos eu poderia escolher grupos de pessoas para passar em frente aos armários, bastava saber:

Quantos são os possíveis grupos de pessoas que podemos escolher em um conjunto de 100 pessoas, sem importar a ordem da escolha?

Para responder a isso, basta observar que cada escolha de pessoas é obtida decidindo, para cada uma das 100 pessoas, se ela vai ou não passar pelos armários. Como são duas possibilidades para cada pessoa, SIM, estar no grupo a ser escolhido, ou NÃO, não estar no grupo a ser escolhido, segue que o número total de decisões é 2100. (Observamos que esse valor também pode ser obtido fazendo-se

Minha conclusão surpreendente foi: a quantidade de modos de escolher as pessoas para passarem à frente dos armários é exatamente a quantidade de configurações finais possíveis.

Restava agora descobrir:

Duas escolhas distintas de pessoas levam a configurações finais dos armários distintas?

Para responder, observamos que dadas duas escolhas de pessoas,

coloque esses números em ordem crescente e seja p o menor elemento de (AB) ∪ (B A) .

Assim, o número p representa uma pessoa que está só em A ou só em B, nunca nos dois conjuntos ao mesmo tempo. As pessoas que podem abrir ou fechar o armário p são aquelas com números que são divisores de p, como vimos antes; assim, temos que saber quantos divisores de p estão em cada um dos conjuntos A e B. Alguns divisores de p podem estar nos dois conjuntos, mas o único divisor de p que está em apenas um dos conjuntos é o próprio p, pois p é o menor elemento que está em apenas um dos conjuntos.

Assim, um dos conjuntos A ou B tem um divisor de p a mais que o outro, fazendo com que o armário p fique aberto se fazemos uma das escolhas e fechado quando fazemos a outra escolha.

Dessa forma, escolhas diferentes de pessoas criam configurações finais diferentes nos armários,
e a questão proposta está resolvida:

Dada qualquer configuração final, existe uma escolha de pessoas que, ao passar pelos armários, os deixam com aquela configuração.

Os armários sempre vêm a minha cabeça quando penso em espantar e desafiar meus alunos. Minha curiosidade sobre a antiga questão só aumenta e me proponho novas questões a cada dia, que ficarão para outra oportunidade.

Hoje, aos 45 anos, sinto-me feliz por ainda sentir curiosidade. Ela é que movimenta meu desejo de produzir boas aulas e provocar meus alunos com problemas, mesmo sem aplicações imediatas, mas que tragam o prazer de pensar e a vontade de aprender e ir além.

O esquecimento e a recusa a aprender são manifestações da sua inteligência para algo que não o espantou. Portanto, espante-se para que seu aluno não se recuse a aprender com você.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

SAMPLE, Lindsay. The Locker Problem Revisited, disponível em <http:// scimath.unl.edu/MIM/files/MATExamFiles/Sample_EDITED_FINAL.pdf>. Acesso em 11 dez. 2013.