OBSESSÃO PRIMA

Autor: John Derbyshire
Editora Record. Rio de Janeiro, 2012.
Autor da Resenha: José Luiz Pastore de Mello

A associação da imagem dos números primos com a de tijolos sobre os quais se assentam os edifícios é muito utilizada por professores para ressaltar a importância dos primos na história e desenvolvimento da aritmética. Com alguma frequência também ressaltamos a relevância dos números primos em processos modernos de criptografia que permitem a transmissão de dados e informações de forma segura por meios eletrônicos. Sobre ambas abordagens existem bons livros de divulgação científica como, por exemplo, O mistério dos números (Editora Zahar), de Marcus Du Sautoy, e O livro dos códigos (Editora Record), de Simon Singh.

Um pouco menos frequente nos livros de divulgação científica é a discussão, ainda que esta mantenha relação com os aspectos anteriormente citados, da relação entre números primos e um dos problemas em aberto mais importantes da Matemática, a hipótese de Riemann. Em Obsessão prima, John Derbyshire, matemático e linguista por formação, encara o desafio de apresentar ao leitor algumas das ideias centrais relacionadas à hipótese de Riemann e, ao que me parece, consegue fazê-lo com clareza.

O livro é composto de duas partes denominadas O teorema dos números primos, com 10 capítulos, e A hipótese de Riemann, com 11 capítulos. Na primeira parte, o autor prepara o terreno para que o leitor consiga compreender o enunciado da hipótese de Riemann e o contexto em que ela se insere na Matemática. A hipótese, ou conjectura, de Riemann, que, grosso modo, busca explicitar um tipo de regularidade entre os números primos, afirma que todos os zeros não triviais da função zeta têm parte real igual a 1/2. Para compreender os meandros desse enunciado, assumindo que o público leitor não precisa ter conhecimentos da Matemática além do ensino médio, o autor começa apresentando as ideias de séries, convergência, divergência, exponenciais e logaritmos. Mais adiante, discute a existência de infinitos números primos e o teorema sobre a distribuição desses números primos. Dada a importância desse teorema para a compreensão da hipótese de Riemann, alguns capítulos são dedicados à sua discussão, com a construção da ideia de que, nos inteiros positivos, de 1 até N existem aproximadamente N/logN números primos. Nesse caso, a palavra “aproximadamente” está sendo usada com o sentido de que a quantidade de primos menores ou iguais a N tende assintoticamente para N/log N quando N tende ao infinito. Derbyshire não se propõe a apresentar a demonstração desse teorema, mas estabelece bons argumentos para convencer o leitor de sua plausibilidade. Fatos históricos são mencionados a respeito desse teorema, passando por contribuições de Gauss, Euler, Riemann e, posteriormente, Hadamard e Poussin, que o demonstraram de forma independente. Curiosamente, a estrutura do livro dá maior atenção às exposições matemáticas nos capítulos de número ímpar, e ao tratamento histórico dos temas nos capítulos de número par, o que dá interessante leveza à obra.

Do capítulo 5 ao 10, o autor apresenta a função zeta de Riemann, sempre utilizando recursos de séries, exemplos, tabelas, gráficos e imagens que possibilitem uma aproximação intuitiva com o tema.

Nos últimos capítulos dessa primeira parte do livro, são mostrados alguns zeros da função zeta, chegando-se à afirmação de que todo número par não negativo é um zero da função. A partir desse ponto, inicia-se a segunda jornada do livro com a apresentação do conjunto dos números complexos, o que se faz necessário para a compreensão intuitiva da hipótese de Riemann. Vale destacar positivamente que o livro aborda o tema dos números complexos de maneira mais detalhada do que normalmente encontramos em outras obras de divulgação científica.

Nos capítulos de viés histórico, Derbyshire recupera o cenário dos 23 problemas propostos por David Hilbert, em 1900, como sendo aqueles que provavelmente ocupariam as mentes mais brilhantes da Matemática no século XX. Ressalta-se aqui que o único dos 23 problemas que persiste em aberto até os dias de hoje é justamente a hipótese de Riemann.

Os últimos capítulos são dedicados ao aprofundamento de algumas ideias, como, por exemplo, a retomada do gráfico da função de contagem dos números primos, agora por meio da apresentação de uma função escada. Também são brevemente discutidos alguns contextos aplicados em que o cenário da hipótese de Riemann assume importância central.

Finalmente, uma observação quanto ao título do livro: infelizmente, ao passar para o português, o título perdeu o esperto e divertido duplo sentido do título em inglês Prime obsession.

 

COMO RESOLVER PROBLEMAS MATEMÁTICOS -
UMA PERSPECTIVA PESSOAL

Autor: Terence Tao
SBM - Sociedade Brasileira de Matemática, Rio de Janeiro, 2013.
Autor da Resenha: Severino Toscano Do Rego Melo

Traduzido em agradável prosa lusitana por Paulo Ventura Araújo, da Universidade do Porto, o livro foi escrito por um rapaz de quinze anos, que dois anos antes tornara-se o mais jovem medalhado de ouro da Olimpíada Internacional de Matemática, e dezesseis anos depois receberia a Medalha Fields.

É isso o que é mais impressionante no livro: como pode um garoto tão jovem falar de Matemática com tanta destreza, aparentando tanta naturalidade? Ainda assim, o autor sentiu necessidade de se desculpar, no prefácio da segunda edição, pelas (muito raras) passagens que revelam inocência ou ingenuidade.

O objetivo do livro, como enunciado no prefácio da primeira edição, é “apresentar resoluções de problemas de diversos ramos da Matemática e com níveis de dificuldade variados”.

Quinze anos depois, entretanto, Terence Tao ressaltava que já estava havia muito tempo afastado de competições de problemas matemáticos e que escreveria algo muito diferente depois de tudo o que vivera nesse tempo.

O livro tem seis capítulos:

I. Estratégia de resolução de problemas
II. Exemplos da teoria dos números
III. Exemplos da álgebra e da análise
IV. Geometria euclidiana
V. Geometria analítica
VI. Exemplos variados.

Logo no começo do primeiro capítulo, o clássico A arte de resolver problemas, de George Pólya, é citado. Tao faz um breve resumo das técnicas ali descritas e nota-se, ao longo de todo o livro, a influência do jargão popularizado por Pólya. Mas é enorme a diferença entre os dois livros. As reflexões teóricas de Tao são bem menos ambiciosas, enquanto seus problemas são, em geral, mais difíceis. Às vezes, ao descrever suas considerações estratégicas, as idas e vindas da resolução de um problema, Tao usa um tom de suspense, dá a impressão de estar contando um caso, relatando como de fato resolveu o problema.

Frequentemente usa o argumento maroto “mas como este é um problema de competição matemática” para decidir qual vereda seguir ao se deparar com uma bifurcação da linha do raciocínio.

A ferramenta mais utilizada no segundo capítulo, para resolver problemas sobre somas de potências ou equações diofantinas, é a aritmética modular, que ele explica de um jeito muito casual, dá para uma criança entender.

O terceiro capítulo não trata de Matemática superior, apesar do título e de uma ou outra referência a tópicos mais avançados, que muito provavelmente o autor já dominava quando escreveu o livro. São problemas sobre propriedades elementares de funções e polinômios.
No quarto capítulo, Tao mostra sua admiração pela Matemática dos gregos antigos, que já tinha sido homenageada, no prefácio, pelo exemplo de demonstração elegante que ele escolheu: a prova de que as mediatrizes dos lados de um triângulo são concorrentes.

Todos os problemas do quinto capítulo têm enunciados puramente geométricos. A álgebra, as desigualdades, entram em cena apenas como ferramentas.

O sexto capítulo aborda problemas de combinatória que se resolvem com as técnicas mais diversas. Particularmente atraente, por exemplo, é seguir o longo caminho que ele percorre, passando por cores e vetores, para tentar fazer parecer bem natural o uso de aritmética módulo três na resolução de um problema sobre camaleões cinzentos, castanhos e vermelhos, que mudam de cor de acordo com certas regras.

Para finalizar, uma sugestão didática: um aspecto do livro que o torna muito útil, por exemplo, como material de apoio no ensino de resolução de problemas em cursos de licenciatura é que, depois de longos argumentos para resolver um certo problema, ele quase sempre apresenta outros problemas análogos, que podem ser resolvidos com a mesma técnica.