Responsável
Victor Giraldo
Instituto de Matemática- UFRJ

 

COMPUTADOR NA SALA DE AULA

Priscila Marques Dias Corrêa
prisciladias@ufrj.br


INTRODUÇÃO

Muitas experiências com o uso de tecnologias digitais no ensino de funções na escola básica têm se mostrado eficientes. De fato, a exploração de funções por meio de softwares pode enriquecer a aprendizagem dos alunos, na medida em que esses permitem a observação de características fundamentais no estudo qualitativo do comportamento de funções. Por outro lado, a facilidade com que se obtém um gráfico de função em um software pode também inibir a aprendizagem, uma vez que pode distanciar o aluno da manipulação gráfica em si. Por exemplo, o aluno não precisa mais marcar pontos para obter o gráfico da função. Basta digitar uma linha de comando que o gráfico será visualizado. Nesse sentido, apesar de oferecer novas possibilidades para a exploração gráfica, o computador pode não contribuir, ou mesmo atrapalhar a aprendizagem. Portanto, a contribuição das tecnologias digitais para o ensino de Matemática depende do planejamento de abordagens pedagógicas que aproveitem as possibilidades oferecidas pelas ferramentas para enriquecer a aprendizagem, em lugar de inibi-la.

Sendo assim, o trabalho descrito neste artigo foi concebido com o propósito de aproveitar possibilidades específicas das ferramentas computacionais para propor uma forma inovadora de explorar gráficos de funções. A atividade apresentada propõe aos alunos que criem e manipulem gráficos de funções com o objetivo de obter desenhos que reproduzam formas específicas. A proposta é que logotipos familiares sejam reproduzidos pela junção de segmentos de gráficos de funções, obtidos por restrições convenientes dos domínios. Dessa forma, a atividade proporciona uma perspectiva para a exploração de gráficos de funções diferente da abordagem usualmente empregada no ensino básico: em lugar de traçar gráficos de funções simples a partir de fórmulas algébricas dadas, os alunos são estimulados a criar fórmulas que gerem gráficos com o formato desejado. Essa perspectiva proporciona um aprofundamento da compreensão das propriedades qualitativas de gráficos de funções e suas relações com as características algébricas das fórmulas que determinam esses gráficos.

Esse trabalho foi aplicado no Colégio de Aplicação da UFRJ (CAp/UFRJ), com alunos do 2° ano do ensino médio. Foi utilizado o software livre e gratuito Geogebra.

PREPARAÇÃO PARA A ATIVIDADE

Para a realização da atividade proposta é necessário manipular parâmetros em expressões algébricas de funções. Tais manipulações determinam transformações geométricas nos respectivos gráficos. Assim, é recomendável, antes do início da atividade propriamente dita, um estudo gradativo, com ênfase na aplicação de transformações geométricas, das principais classes de funções que serão usadas na reprodução dos logotipos, em especial: afim, quadrática, exponencial, logarítmica e trigonométrica. O próprio software Geogebra pode ser usado para estudar a variação de parâmetros e as consequentes alterações nos gráficos dessas classes de funções.

A ATIVIDADE PROPOSTA

Foi proposto que cada aluno sugerisse um logotipo para reprodução no software Geogebra. A partir daí, os alunos deveriam criar funções, cujos gráficos tivessem formas similares aos segmentos de curvas necessários na construção dos logotipos. Para obter os segmentos desejados com maior precisão, os gráficos das funções criadas precisaram ser ajustados até que se assemelhassem à forma desejada. Sendo assim, para obter os efeitos desejados, os alunos deveriam entender de fato os efeitos que as mudanças de parâmetros causam nos respectivos gráficos.

Portanto, a atividade proposta foi desenhada de tal forma que o software não substitua o pensamento matemático do aluno, evitando uma abordagem que se reduza, por exemplo, à mera substituição de fórmulas e visualização passiva de resultados. Muito pelo contrário, a investigação pelo aluno sobre as propriedades matemáticas das funções envolvidas são imprescindíveis para o resultado final. Mesmo assim, o software tem um papel central na realização da atividade, pois as explorações propostas não poderiam ser realizadas sem o apoio do recurso digital.

A seguir, alguns exemplos de trabalhos feitos por alunos do 2° ano do ensino médio são apresentados. Os logotipos reproduzidos foram escolhas dos próprios alunos.

O logotipo apresenta a imagem de uma ave (figura 1). Um dos segmentos necessários para compor o bico da ave está destacado em vermelho. Esse segmento foi obtido a partir do gráfico da função exponencial g(x) = – 50(x – 21) + 4 destacado em verde-escuro. Para que apenas o segmento a ficasse aparente, foi necessário restringir o domínio da função g ao intervalo (20,06; 20,99).

No Geogebra, o gráfico de uma função com domínio restrito a um intervalo pode ser obtido por meio da seguinte linha de comando, digitada no campo Entrada:

Função[<Função>, <Valor de x Inicial>, <Valor de x Final>].

Por exemplo,

Função[– 50^(x– 21) + 4, 20.06,20.99].

Cada uma das partes do logotipo foi construída com diversos gráficos de função, com domínios convenientemente restritos. Para ilustrar esse processo, destacamos a seguir as dez funções utilizadas para construir a parte superior da asa da ave (destacada em marrom-escuro na figura 1), com suas respectivas restrições de domínio. Foram empregadas funções quadráticas e exponenciais para obtenção da forma desejada. Note também que uma das extremidades de cada domínio coincide com uma das extremidades do domínio da função seguinte, gerando um desenho com bordas contínuas.

Para melhor reproduzir esse logotipo, o grupo optou por pintá-lo (figura 2). Para tanto, foram construídos polígonos, cujos lados aproximavam as regiões curvas limitadas pelos gráficos das funções. Para construção desses polígonos, foram inicialmente marcados pontos sobre os gráficos das funções ou na interseção dos gráficos de duas funções. Em seguida, foram gerados polígonos com vértices nesses pontos, por meio do comando Polígono, selecionado na barra superior de ferramentas. As cores dos polígonos podem ser escolhidas na opção Propriedades do polígono, na aba Cores. Na figura 2, podem-se observar os 15 pontos criados (destacados em preto) para criação de um dos polígonos usados para colorir o logotipo.

Outro grupo também optou por pintar o logotipo reproduzido, porém utilizou outra estratégia diferente, bastante pertinente aos objetivos do trabalho. Diversos gráficos de funções afins paralelas àquelas que definem o contorno do logotipo foram criados por meio de translações gráficas (figura 3). Em seguida, a espessura dos gráficos foi aumentada de forma a ocasionar uma sobreposição dos gráficos, colorindo assim o logotipo (figura 4). Essa alteração na espessura dos gráficos pode ser feita acessando-se a opção Propriedades da função e, em seguida, a aba Estilo. Nesse exemplo, foram utilizadas 424 funções afins no total para reproduzir o logotipo pintado.

O logotipo escolhido foi o chamado bastão de Esculápio, símbolo da medicina (figura 5). Pode-se observar o gráfico da função quadrática f(x) ≈ – 0,0008(x + 594)2 – 944 (destacado em azul) modelada para a obtenção do segmento a, necessário para compor o desenho da serpente. Para que apenas o segmento a ficasse aparente, foi necessário restringir o domínio da função f ao intervalo (– 303; 294).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desempenho e a criatividade dos alunos na execução dos trabalhos superaram as expectativas, evidenciando o envolvimento com a tarefa proposta. Os resultados também confirmam a potencialidade desse modelo de atividade em enriquecer o ensino de funções e transformações aplicadas a seus gráficos, permitindo um tipo de exploração de gráficos de funções que dificilmente poderia ser atingido sem o apoio do recurso digital. A partir da análise das características geométricas dos logotipos, os alunos devem inventar funções e, para isso, compreender suas características qualitativas. Esse é um caminho inverso da abordagem usual de funções no ensino médio brasileiro, que em geral se limita ao traçado de gráficos simples a partir de expressões algébricas dadas. Além disso, a atividade proposta tem o potencial de ampliar o universo de funções com as quais os alunos comumente lidam.

Em geral, em atividades dessa natureza, é necessário usar um grande número de funções (no exemplo 2, foram necessárias 424). Portanto, o computador tem um papel fundamental na reali-
zação da atividade: o de viabilizar a manipulação de um grande número de funções, oferecendo aos alunos uma perspectiva de exploração de funções reais e seus gráficos que não seria alcançável com recursos didáticos tradicionais.

O fato de os logotipos serem escolhidos pelos próprios alunos contribui para seu envolvimento e interesse pela atividade. Entretanto, outras figuras podem ser escolhidas para o desenvolvimento da atividade, de forma que o grau de complexidade seja adaptado ao público de alunos. Assim, outras atividades dessa natureza também podem ser criadas com boas chances de alcançarem resultados similares. Em outra oportunidade, por exemplo, já propus que alunos também do 2° ano do ensino médio escrevessem no plano cartesiano utilizando gráficos de funções. Por esse motivo, reitero a relevância desse tipo de tarefa e encorajo os professores a experimentarem novas possibilidades nesse sentido.

 

NOTA

Cabe destacar que, na prática, as técnicas de produção de logotipos complexos são diferentes daquelas aqui empregadas, e certamente não se baseiam na justaposição de trechos de gráficos de funções. Não é objetivo desta experiência discutir tais técnicas. Os logotipos são usados apenas como pretexto para despertar o interesse dos alunos ao ver a possibilidade de usar ferramentas matemáticas para representar figuras que lhes são familiares, de forma inesperada. De fato, a concretização dos logotipos, produzidos por eles próprios, tem um efeito significativo na experiência matemática dos alunos participantes.