Maria de Fátima Lins Barbosa de Paiva Almeid
UERJ
Jeferson Leandro Garcia de Araújo
UFRJ

INTRODUÇÃO

Neste artigo, ilustramos a utilização do software livre Geogebra em uma atividade de investigação sobre o centro de gravidade de quadriláteros. Esse software de Geometria Dinâmica favorece a exploração e articulação de aspectos algébricos e geométricos subjacentes ao problema. Gostaríamos de destacar que os alunos, muitas vezes, não têm o hábito de estabelecer relações entre a geometria sintética e a analítica, e que o ambiente de geometria dinâmica oferece boas oportunidades para que se percebam essas conexões. A possibilidade de mover dinamicamente as figuras no software propiciou a percepção de propriedades curiosas, colocando os estudantes em um papel ativo no aprendizado. Entre outros fatos interessantes, percebeu-se o alinhamento de três pontos notáveis de um quadrilátero convexo que haviam sido citados pelos alunos como candidatos ao centro de gravidade do quadrilátero.

Como equilibrar um quadrilÁtero?

Nas atividades iniciais, os alunos foram desafiados a equilibrar com a ponta do lápis várias figuras planas recortadas trazidas para a aula (figura 1). Trabalhamos na perspectiva de explorar ideias intuitivas e experimentos antes de formalizar as definições e resultados. Na sequência das atividades foi feito um estudo sobre triângulos, cujos detalhes podem ser encontrados em [1].

Na parte referente aos quadriláteros, foi unânime a ideia de que a escolha de um ponto “central”, para ser usado como apoio, favorecia o equilíbrio. Diferentes candidatos foram citados: o ponto D de interseção das diagonais (figura 2a), a média aritmética vetorial V dos vértices (figura 2b), e o ponto G de encontro das diagonais do quadrilátero auxiliar, definido como aquele cujos vértices são respectivamente os baricentros de cada um dos possíveis triângulos determinados por 3 dos 4 vértices do quadrilátero original (figura 2c).

Os defensores do ponto D alegaram obter sucesso em equilibrar algumas figuras, usando-se esse ponto como apoio. A justificativa apresentada para a plausibilidade do ponto V foi que o baricentro do triângulo pode ser obtido pela média aritmética vetorial dos seus vértices e que talvez com o quadrilátero se desse algo análogo. O argumento usado na defesa do ponto G foi que, de alguma forma, os baricentros de triângulos deveriam estar envolvidos na determinação do centro de gravidade de quadriláteros.

As opiniões foram ouvidas e a tarefa seguinte consistiu em traçar, usando o Geogebra, alguns quadriláteros, destacando os pontos notáveis indicados, com o intuito de repetir o experimento, testando, em cada quadrilátero, cada um desses pontos como ponto de apoio.

Refletindo sobre o experimento

Uma vez feita a construção no Geogebra, é possível mover um dos vértices do quadrilátero para obter um novo quadrilátero. Assim, foi fácil obter alguns exemplos de quadriláteros com pontos D, V e G marcados (figura 3).

Com os polígonos em mãos, os alunos repetiram o experimento, constatando que o apoio, no caso geral, deveria ser colocado no ponto G, a fim de garantir o equilíbrio.

Considerando que uma diagonal divide o quadrilátero em dois triângulos, poderíamos intuitivamente concentrar a área de cada triângulo em seu respectivo baricentro e interpretar o baricentro do quadrilátero como a média vetorial ponderada dos baricentros, sendo os “pesos” dados pelas áreas dos triângulos correspondentes. Consequentemente, o baricentro do quadrilátero pertence ao segmento que liga os baricentros dos triângulos determinados por uma diagonal (figura 2c).

Como a outra diagonal também poderia ter sido escolhida, é de se esperar que o ponto de interseção dos dois segmentos, cada um deles com extremidade nos baricentros dos triângulos determinados por uma das diagonais, seja o baricentro do quadrilátero. Uma abordagem mais detalhada pode ser encontrada em [3]. Em [4], são discutidas diversas aplicações interessantes relacionadas ao centro de gravidade.

Curiosamente, os palpites equivocados acabaram contribuindo para que, manipulando-se o software de geometria dinâmica, fosse percebido o alinhamento dos pontos D, V e G. Notou-se também uma regularidade na distância entre esses pontos (figura 3).

Por que D, V e G estÃo alinhados?

O alinhamento dos pontos notáveis D, V e G é destacado no seguinte teorema:

TEOREMA 1

Em um quadrilátero convexo PQRS, o ponto D de interseção das diagonais, o ponto V dado pela média aritmética vetorial dos vértices e o baricentro G do quadrilátero aparecem, nessa ordem, em uma mesma reta, com a distância de V a D sendo o triplo da distância de V a G.

Os resultados a seguir, ancorados no teorema de Tales e algumas de suas consequências, ajudarão na prova do Teorema 1. Em [5], encontra-se uma rápida explicação “visual” do teorema de Tales.

RESULTADO 1

Em um quadrilátero convexo PQRS, o segmento cujos extremos são os baricentros dos triângulos determinados por uma diagonal ou é paralelo à outra diagonal do quadrilátero ou está contido nela.

DEMOSTRAÇÃO

Considere a diagonal SQ e seja N o seu ponto médio. Sejam A e B, respectivamente, os baricentros dos triângulos SQR e SQP (figura 4a). Suponha que N não pertença à diagonal PR. Como NR e NP são medianas dos triângulos SQR e SQP, respectivamente, vem que

concluindo-se, pela recíproca do teorema de Tales, que o segmento AB é paralelo à diagonal PR.
No caso de N pertencer também a PR (figura 4b), é fácil verificar que o segmento que liga os baricentros dos triângulos SQR e SQP está contido na diagonal PR.

RESULTADO 2

Seja L o ponto de interseção de uma diagonal, digamos, SQ, com o segmento que liga os baricentros dos triângulos por ela determinados no quadrilátero convexo PQRS. Sendo N o ponto médio dessa diagonal, então a distância de L a D é o dobro da distância de L a N.

DEMOSTRAÇÃO

Se N = D, o resultado é trivial (figura 4b), pois nesse caso L = N = D. Se N ≠ D (figura 4a), em virtude do resultado anterior e do fato de A ser o baricentro do triângulo SQR, obtemos, pelo teorema de Tales,

de onde segue o resultado.

COROLÁRIO

Sendo N e N' os pontos médios das diagonais SQ e PR, respectivamente, do quadrilátero convexo PQRS, suponha que D, N e N' sejam pontos distintos (figura 5). Então, o segmento NN' é paralelo ao segmento LL', sendo L o ponto de interseção da diagonal SQ com o segmento que liga os baricentros dos triângulos por ela determinados e L' definido de forma análoga, em relação à outra diagonal.

DEMONSTRAÇÃO

É consequência imediata de

RESULTADO 3

Suponha que D, N e N' sejam pontos distintos; sejam H e H' os respectivos pontos de interseção de NN' com os segmentos AB e A'B', sendo A' e B' os baricentros dos triângulos PRS e PRQ, respectivamente. Então, os triângulos N'L'H', HGH' e HLN são dois a dois congruentes.

DEMONSTRAÇÃO

É fácil verificar que os três triângulos são dois a dois semelhantes (figura 5). Além disso, pelo Resultado 1 e pelo corolário anterior, concluímos que N’L’LH é um paralelogramo, seguindo-se que os segmentos N’L’ e HL são congruentes.
Além disso, pelo Resultado 1, L’DLG também é um paralelogramo e, usando-se o Resultado 2, deduz-se que GH é congruente a HL, pois

A prova termina usando-se o caso ALA de congruência de triângulos em cada par dos triângulos N’L’H’, HGH’ e HLN.

RESULTADO 4

Suponha que D, N e N' sejam pontos distintos. O ponto V' de interseção do segmento NN' com o segmento cujas extremidades são o baricentro G e o ponto D de encontro das diagonais do quadrilátero convexo PQRS é o ponto médio do segmento HH' e também do segmento NN'. Além disso, a distância de D a V' é o triplo da distância de V' a G.

DEMONSTRAÇÃO

Seja E (figura 6) o ponto de interseção das diagonais GD e L'L do paralelogramo DLGL'. Como os triângulos GV'H' e GEL' são semelhantes e Seja E (figura 6) o ponto de interseção das diagonais GD e L'L do paralelogramo DLGL'. Como os triângulos GV'H' e GEL' são semelhantes e Analogamente, da semelhança de GHV' e GLE, concluímos que Como E divide a diagonal LL' em partes iguais, vem do que decorre

Em decorrência do Resultado 3, os segmentos NH e N'H' são congruentes, o que implica que V' é também o ponto médio de NN'.

Da semelhança dos triângulos GHV' e DN'V', como N'D é o triplo de GH, vem que a distância de D a V' é o triplo da distância de V' a G.

DEMOSTRAÇÃO DO TEOREMA 1

No caso em que D não divide nenhuma das diagonais em partes congruentes (figura 6), basta destacar que o ponto V’, definido no Resultado 4, coincide com a média aritmética vetorial V dos vértices do quadrilátero PQRS. De fato, como V' é ponto médio do segmento NN', segue

No caso de o ponto D dividir apenas uma das diagonais do quadrilátero, digamos SQ, em partes congruentes (figura 7), o baricentro G pertencerá à outra diagonal. Isso ocorre porque tanto a mediana DR do triângulo SQR quanto a mediana DP do triângulo SQP estão contidas na diagonal PR.

Sejam N’, A’, B’ e G os pontos definidos anteriormente. Em decorrência da semelhança dos triângulos N’A’G e N’SD, obtém-se

Como V é ponto médio de NN', segue

concluindo-se que a distância de V a D é o triplo da distância de V a G.

Finalmente, se o ponto de interseção das diagonais divide cada uma delas em partes congruentes, o quadrilátero PQRS será um paralelogramo. Nesse caso, é fácil verificar que D, V e G coincidem.

PEGANDO CARONA NA GEOMETRIA ANALÍTICA

Após resolvermos um problema, é interessante explorar outras possibilidades de solução, verificando a coerência entre elas. Observamos que o Teorema 1 também poderia ser abordado pela Geometria Analítica. Considerando os pontos de interseção das retas AB e A’B’, e das retas PR e QS (figura 2c), encontramos, respectivamente, os pontos G e D, que podem ser expressos por:

sendo a1 e a2, respectivamente, as áreas dos triângulos SQR e SQP.

Considerando o segmento dado por c(t) = tG + (1 − t)D, 0 ≤ t ≤ 1, constatamos que A conta é conferida lembrando que

Além disso, c(0) = D e c(1) = G, evidenciando que os pontos D, G e V são colineares. É claro também que se , então VD = 3(G V), o que implica a distância de V a D ser o triplo da distância de V a G.

COMENTÁRIOS FINAIS

Ressaltamos que o alinhamento de pontos notáveis tem divertido um amplo espectro de amantes da Matemática. Euler, em 1765, demonstrou que o ortocentro, o baricentro e o circuncentro de um triângulo estão, nessa ordem, numa mesma reta, sendo que a distância do baricentro ao ortocentro é o dobro da distância do baricentro ao circuncentro. Demonstrações desse fato podem ser encontradas em [2] ou na RPM 43, no artigo Coordenadas para os centros do triângulo.

Se bem utilizadas, as ferramentas computacionais propiciam um ambiente favorável à descoberta, contribuindo para que os jovens apreciem a Matemática e se sintam livres para criar, inspirados nos grandes mestres do passado.

 

 

REFERÊNCIAS

1 Almeida, M. F. L. B. P. Investigações matemáticas por meio de softwares livres. Pesquisas e vivências em formação docente. p. 84 - 101. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013.

2 Neto, A. C. M. Tópicos de Matemática Elementar, volume 2. Geometria Euclidiana Plana. Rio de Janeiro: SBM, 2012.

3 Raphael, D. Experiências com o baricentro. Revista do Professor de Matemática, no 63, p. 33-37. Rio de Janeiro: SBM, 2007.

4 Sá, C. C., Rocha, J. (ed.). Treze viagens pelo mundo da Matemática. Rio de Janeiro: SBM, 2012.

5 Wagner, E. Usando áreas. Revista do Professor de Matemática, no 21, p.19-25. Rio de Janeiro: SBM, 1992.