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Maria de Fátima Lins Barbosa de Paiva Almeid INTRODUÇÃO Neste artigo, ilustramos a utilização do software livre Geogebra em uma atividade de investigação sobre o centro de gravidade de quadriláteros. Esse software de Geometria Dinâmica favorece a exploração e articulação de aspectos algébricos e geométricos subjacentes ao problema. Gostaríamos de destacar que os alunos, muitas vezes, não têm o hábito de estabelecer relações entre a geometria sintética e a analítica, e que o ambiente de geometria dinâmica oferece boas oportunidades para que se percebam essas conexões. A possibilidade de mover dinamicamente as figuras no software propiciou a percepção de propriedades curiosas, colocando os estudantes em um papel ativo no aprendizado. Entre outros fatos interessantes, percebeu-se o alinhamento de três pontos notáveis de um quadrilátero convexo que haviam sido citados pelos alunos como candidatos ao centro de gravidade do quadrilátero. Como equilibrar um quadrilÁtero?
Refletindo sobre o experimento Uma vez feita a construção no Geogebra, é possível mover um dos vértices do quadrilátero para obter um novo quadrilátero. Assim, foi fácil obter alguns exemplos de quadriláteros com pontos D, V e G marcados (figura 3). Com os polígonos em mãos, os alunos repetiram o experimento, constatando que o apoio, no caso geral, deveria ser colocado no ponto G, a fim de garantir o equilíbrio. Considerando que uma diagonal divide o quadrilátero em dois triângulos, poderíamos intuitivamente concentrar a área de cada triângulo em seu respectivo baricentro e interpretar o baricentro do quadrilátero como a média vetorial ponderada dos baricentros, sendo os “pesos” dados pelas áreas dos triângulos correspondentes. Consequentemente, o baricentro do quadrilátero pertence ao segmento que liga os baricentros dos triângulos determinados por uma diagonal (figura 2c). Como a outra diagonal também poderia ter sido escolhida, é de se esperar que o ponto de interseção dos dois segmentos, cada um deles com extremidade nos baricentros dos triângulos determinados por uma das diagonais, seja o baricentro do quadrilátero. Uma abordagem mais detalhada pode ser encontrada em [3]. Em [4], são discutidas diversas aplicações interessantes relacionadas ao centro de gravidade. Curiosamente, os palpites equivocados acabaram contribuindo para que, manipulando-se o software de geometria dinâmica, fosse percebido o alinhamento dos pontos D, V e G. Notou-se também uma regularidade na distância entre esses pontos (figura 3). Por que D, V e G estÃo alinhados? O alinhamento dos pontos notáveis D, V e G é destacado no seguinte teorema: TEOREMA 1
Os resultados a seguir, ancorados no teorema de Tales e algumas de suas consequências, ajudarão na prova do Teorema 1. Em [5], encontra-se uma rápida explicação “visual” do teorema de Tales. RESULTADO 1
DEMOSTRAÇÃO Considere a diagonal SQ e seja N o seu ponto médio. Sejam A e B, respectivamente, os baricentros dos triângulos SQR e SQP (figura 4a). Suponha que N não pertença à diagonal PR. Como NR e NP são medianas dos triângulos SQR e SQP, respectivamente, vem que concluindo-se, pela recíproca do teorema de Tales, que o segmento AB é paralelo à diagonal PR. RESULTADO 2
DEMOSTRAÇÃO Se N = D, o resultado é trivial (figura 4b), pois nesse caso L = N = D. Se N ≠ D (figura 4a), em virtude do resultado anterior e do fato de A ser o baricentro do triângulo SQR, obtemos, pelo teorema de Tales, de onde segue o resultado. COROLÁRIO
DEMONSTRAÇÃO É consequência imediata de RESULTADO 3
DEMONSTRAÇÃO É fácil verificar que os três triângulos são dois a dois semelhantes (figura 5). Além disso, pelo Resultado 1 e pelo corolário anterior, concluímos que N’L’LH é um paralelogramo, seguindo-se que os segmentos N’L’ e HL são congruentes. A prova termina usando-se o caso ALA de congruência de triângulos em cada par dos triângulos N’L’H’, HGH’ e HLN. RESULTADO 4
DEMONSTRAÇÃO Seja E (figura 6) o ponto de interseção das diagonais GD e L'L do paralelogramo DLGL'. Como os triângulos GV'H' e GEL' são semelhantes e Seja E (figura 6) o ponto de interseção das diagonais GD e L'L do paralelogramo DLGL'. Como os triângulos GV'H' e GEL' são semelhantes e Analogamente, da semelhança de GHV' e GLE, concluímos que Como E divide a diagonal LL' em partes iguais, vem do que decorre Em decorrência do Resultado 3, os segmentos NH e N'H' são congruentes, o que implica que V' é também o ponto médio de NN'. Da semelhança dos triângulos GHV' e DN'V', como N'D é o triplo de GH, vem que a distância de D a V' é o triplo da distância de V' a G. DEMOSTRAÇÃO DO TEOREMA 1 No caso em que D não divide nenhuma das diagonais em partes congruentes (figura 6), basta destacar que o ponto V’, definido no Resultado 4, coincide com a média aritmética vetorial V dos vértices do quadrilátero PQRS. De fato, como V' é ponto médio do segmento NN', segue No caso de o ponto D dividir apenas uma das diagonais do quadrilátero, digamos SQ, em partes congruentes (figura 7), o baricentro G pertencerá à outra diagonal. Isso ocorre porque tanto a mediana DR do triângulo SQR quanto a mediana DP do triângulo SQP estão contidas na diagonal PR. Sejam N’, A’, B’ e G os pontos definidos anteriormente. Em decorrência da semelhança dos triângulos N’A’G e N’SD, obtém-se Como V é ponto médio de NN', segue concluindo-se que a distância de V a D é o triplo da distância de V a G. Finalmente, se o ponto de interseção das diagonais divide cada uma delas em partes congruentes, o quadrilátero PQRS será um paralelogramo. Nesse caso, é fácil verificar que D, V e G coincidem. PEGANDO CARONA NA GEOMETRIA ANALÍTICA Após resolvermos um problema, é interessante explorar outras possibilidades de solução, verificando a coerência entre elas. Observamos que o Teorema 1 também poderia ser abordado pela Geometria Analítica. Considerando os pontos de interseção das retas AB e A’B’, e das retas PR e QS (figura 2c), encontramos, respectivamente, os pontos G e D, que podem ser expressos por: sendo a1 e a2, respectivamente, as áreas dos triângulos SQR e SQP. Considerando o segmento dado por c(t) = tG + (1 − t)D, 0 ≤ t ≤ 1, constatamos que A conta é conferida lembrando que Além disso, c(0) = D e c(1) = G, evidenciando que os pontos D, G e V são colineares. É claro também que se , então V − D = 3(G − V), o que implica a distância de V a D ser o triplo da distância de V a G. COMENTÁRIOS FINAIS Ressaltamos que o alinhamento de pontos notáveis tem divertido um amplo espectro de amantes da Matemática. Euler, em 1765, demonstrou que o ortocentro, o baricentro e o circuncentro de um triângulo estão, nessa ordem, numa mesma reta, sendo que a distância do baricentro ao ortocentro é o dobro da distância do baricentro ao circuncentro. Demonstrações desse fato podem ser encontradas em [2] ou na RPM 43, no artigo Coordenadas para os centros do triângulo. Se bem utilizadas, as ferramentas computacionais propiciam um ambiente favorável à descoberta, contribuindo para que os jovens apreciem a Matemática e se sintam livres para criar, inspirados nos grandes mestres do passado.
REFERÊNCIAS 1 Almeida, M. F. L. B. P. Investigações matemáticas por meio de softwares livres. Pesquisas e vivências em formação docente. p. 84 - 101. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013. 2 Neto, A. C. M. Tópicos de Matemática Elementar, volume 2. Geometria Euclidiana Plana. Rio de Janeiro: SBM, 2012. 3 Raphael, D. Experiências com o baricentro. Revista do Professor de Matemática, no 63, p. 33-37. Rio de Janeiro: SBM, 2007. 4 Sá, C. C., Rocha, J. (ed.). Treze viagens pelo mundo da Matemática. Rio de Janeiro: SBM, 2012. 5 Wagner, E. Usando áreas. Revista do Professor de Matemática, no 21, p.19-25. Rio de Janeiro: SBM, 1992.
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