Sergio Correia Jr.

INTRODUÇÃO

Como contar quantos triângulos há em um triângulo equilátero de lado n (n inteiro positivo) composto por triângulos equiláteros unitários? Este texto relata como um problema em forma de brincadeira proporcionou uma aula rica na qual a ideia e a curiosidade de um aluno foram a inspiração e a motivação para a obtenção de uma solução geral. Durante uma aula em uma turma de 7o ano do Colégio Pedro II, eu propus o seguinte desafio aos alunos:

Um triângulo equilátero de lado 4 é composto por triângulos equiláteros unitários de lado 1, como na figura ao lado. Quantos triângulos, com lados contidos na malha triangular, há nessa figura?

Poucos alunos contaram os 27 triângulos, dos quais 16 têm lado 1, 7 têm lado 2, 3 têm lado 3 e 1 tem lado 4. O mais difícil para eles foi enxergar o triângulo de lado 2 que está com um vértice “para baixo”, destacado na figura abaixo.

Gostaram tanto da brincadeira que, após a discussão da contagem dos triângulos, pediram que eu desenhasse um triângulo maior.

Atendendo à empolgação da turma, acrescentei mais duas camadas de triângulos unitários à figura que estava no quadro, obtendo um triângulo equilátero de lado 6.

Mais atentos dessa vez, vários alunos apresentaram a resposta correta: 78 triângulos. Ao questioná-los sobre a estratégia usada na contagem, concluí que quase todos contaram os triângulos de lado 1, os triângulos de lado 2, os de lado 3 e assim por diante, até incluírem o triângulo maior, de lado 6.

Um aluno, chamado Mateus, foi o único que usou uma estratégia diferente. Ele contou o número de triângulos existentes no triângulo de lado 5 recorrendo aos 27 triângulos existentes no triângulo de lado 4 (que já havíamos contado), adicio nando apenas os “novos” triângulos que surgiram na figura maior (27 + 21 = 48). Depois contou o número de triângulos existentes no triângulo de lado 6 a partir do número de triângulos existentes no triângulo de lado 5 (48 + 30 = 78).

Após explicar à turma as duas soluções sugeridas, disse a eles que o método usado pelo Mateus era chamado de recorrência (técnica matemática que permite definir sequências exibindo um termo conhecido e escrevendo qualquer termo em função de um ou mais antecessores) e que é uma ferramenta poderosa para resolver alguns problemas de contagem.

Mateus me questionou se haveria um modo prático para contar o número de triângulos, pois em figuras maiores, de lado 20, por exemplo, seria muito trabalhoso efetuar a contagem por qualquer um dos dois métodos que utilizamos. Respondi que ele tinha razão e que eu não conhecia uma forma rápida para realizar tal tarefa.

Saí daquela aula determinado a encontrar uma fórmula geral que desse o número de triângulos existentes em um triângulo equilátero de lado n (n inteiro positivo) composto por triângulos equiláteros unitários. Seguindo os passos do Mateus, decidi atacar o problema usando recorrência.

A RELAÇÃO DE RECORRÊNCIA

Inicialmente, vamos definir Tk como o número de triângulos existentes em um triângulo equilátero de lado k (k inteiro positivo) composto por triângulos equiláteros unitários. A seguir, temos os quatro primeiros termos da sequência.

Agora precisamos encontrar uma relação de recorrência entre dois termos consecutivos genéricos dessa sequência, digamos, Tk e Tk + 1 .

A figura abaixo mostra um triângulo equilátero de lado k – 1 composto por triângulos equiláteros unitários, ao qual foi acrescentada mais uma camada de triângulos unitários, formando um triângulo de lado k.

Após numerar cada linha paralela à base do triângulo dessa figura, em ordem crescente de cima para baixo, vamos contar quantos novos triângulos surgem quando passamos do triângulo de lado i – 1 para o triângulo de lado k.

Como cada novo triângulo possui algum vértice na linha k, podemos escrever Tk = Tk – 1 + Nk, sendo Nk a quantidade de triângulos com dois vértices na linha k ou com apenas um vértice na linha k.

Número de triângulos com dois vértices sobre a linha k:

Note que, para cada par de pontos da linha k, temos um, e somente um, triângulo. Como a linha k possui k + 1 pontos (estamos considerando como pontos apenas os vértices de algum triângulo da figura), concluímos que existem Ck+1,2 triângulos com dois vértices na linha k.

Número de triângulos com apenas um vértice sobre a linha k:

Nomeando os vértices da linha k de V1 até Vk +1, da esquerda para a direita, como mostra a figura, podemos observar que:

  • com apenas um vértice em V1 ou em Vk +1, não existe nenhum triângulo;
  • com apenas um vértice em cada um dos pontos deVkaté Vk, existe um triângulo de lado 1; logo,
    logo, temos k – 1 triângulos unitários;
  • com apenas um vértice em Vk ou em Vk , não existe nenhum triângulo de lado maior que ou igual a 2;
  • com apenas um vértice em cada um dos pontos de V3 até Vk -1, existe um triângulo de lado 2;
    logo, temos k – 3 triângulos de lado 2;
  • com apenas um vértice em V3 ou em Vk -1, não existe nenhum triângulo de lado maior que ou igual a 3;
  • com apenas um vértice em cada um dos pontos de V4 até Vk -2, existe um triângulo de lado 3;
    logo, temos k–5 triângulos de lado 3;
  • com apenas um vértice em V4 ou em Vk -2, não existe nenhum triângulo de lado maior que ou igual a 4;
  • com apenas um vértice em cada um dos pontos de V5 até Vk -3, existe um triângulo de lado 4;
    logo, temos k – 7 triângulos de lado 4.

Seguindo com esse raciocínio, chegaremos ao meio da linha k com duas possibilidades:

1. Se k é ímpar, k + 1 é par e, portanto, teremos dois pontos consecutivos no meio da linha k, sendo cada um deles vértice de um triângulo de lado (k – 1)/2. Neste caso, o número de triângulos com apenas um vértice sobre a linha ké

(k – 1) + (k – 3) + (k – 5) + (k – 7) + ... + 2.

2. Se k é par, k + 1 é ímpar e, portanto, teremos um ponto no meio da linha k, que é vértice de um triângulo de lado k/2. Neste caso, o número de triângulos com apenas um vértice sobre a linha k é

(k – 1) + (k – 3) + (k – 5) + (k – 7) + ... + 1.

Vemos que a expressão procurada é o resultado da soma dos termos de uma P.A. de razão 2, cujo menor termo pode ser 1 ou 2, dependendo da paridade de k.

Temos, para k ímpar, a soma dos (k – 1)/2 termos:

Temos, para k par, a soma dos k/2 termos:

Vamos usar um “truquezinho” para escrever essas duas somas com uma única fórmula.

Para k ímpar:

Para k par:

Assim,

e, portanto, a fórmula de recorrência é

A FÓrmula geral

Vamos agora obter, a partir da fórmula de recorrência, a fórmula geral que fornecerá o número de triângulos, nas condições aqui consideradas, existentes no triângulo equilátero de lado n.

Para isso, vamos realizar a soma a seguir.

Somando os primeiros e segundos membros das igualdades, cancelando os termos que aparecem em ambos os membros e agrupando as frações com denominador 8, obtemos:

Pelo teorema das colunas do triângulo de Pascal*, temos

A fórmula para a soma dos quadrados dos primeiros n inteiros positivos é bem útil agora:

É fácil ver que (– 1)2 + (– 1)3 + ... + (– 1)n é igual a 1 se n é par e é igual a 0 se n é ímpar; portanto,

E assim chegamos à fórmula geral:

Na aula seguinte, apresentei a fórmula à turma e, apesar de não poder mostrar todos os detalhes, discutimos as ideias que levaram a ela. E para o Mateus, que foi o principal motivador para a obtenção da fórmula, calculamos:

*O triângulo de Pascal é um triângulo retângulo numérico infinito formado por números binomiais , n representando o número da linha e k representando o número da coluna, iniciando a contagem a partir de n = 0. O teorema das colunas diz que a soma dos elementos de qualquer coluna, do 1o elemento até um qualquer, é igual ao elemento situado na coluna à direita da considerada e na linha imediatamente abaixo: