PAINEL I

A MATEMÁTICA NAS REDES SOCIAS: USE COM MODERAÇÃO

Fernando Henrique A. de Araújo
Complementado pelo Comitê Editorial da RPM

O professor Fernando Henrique Antunes de Araújo nos encaminhou um texto no qual coloca a sua preocupação sobre o tempo gasto, atualmente, por professores e alunos nas redes sociais existentes na internet. Pergunta se esse tempo é sempre improdutivo ou se é possível discutir e aprender temas matemáticos, elementares ou não, em comunidades ligadas a redes sociais. Afirma que a resposta é sim; diz que há diversas comunidades criadas e abertas para discutir Matemática; as discussões são prazerosas e, apesar de informais, são enriquecedoras, tanto pela grande diversidade de usuários, quanto pela variedade de questões e soluções apresentadas.

Entretanto, é necessário ter cautela ao usar resultados ou soluções encontrados nas redes sociais, como veremos a seguir.

O professor Fernando encaminhou uma questão que chamou a sua atenção:

Qual é o menor múltiplo de 56, terminado em 56 e tal que a soma de seus algarismos é 56?

SOLUÇÃO APRESENTADA POR UM MEMBRO DA COMUNIDADE

Para terminar em 56 e ao mesmo tempo ser múltiplo dele, o número em questão deve ser escrito da forma n = 56(100k + 1) com k inteiro não negativo. Os últimos algarismos 5 e 6 já somam 11, logo os algarismos de 100k devem somar 45. Para usarmos o mínimo possível de algarismos, os algarismos de k devem ser iguais a 9.
Assim, k = 99999 e n = 56(100×99 999 + 1) = 559 994 456.

O professor Fernando aponta que o número fornecido, 559 994 456, é múltiplo de 56 e termina em 56, mas não satisfaz a condição de ser o menor número com as propriedades exigidas: ele apresenta o número 29 899 856, que é múltiplo de 56, termina em 56, tem a soma dos algarismos igual a 56 e é menor do que 559 994 456.

Apontamos outros erros na solução do membro da comunidade.

A afirmação:

o número em questão deve ser escrito da forma n = 56(100k + 1) com k inteiro não negativo


é falsa. Para verificar isso, basta tomar o número fornecido pelo Professor Fernando,

29 899 856 = 56 × 533 926

e o número 533 926 não é da forma 100k + 1.

Também a afirmação:

Os últimos algarismos 5 e 6 já somam 11, logo os algarismos de 100k devem somar 45.

é falsa, pois o número 2 989 980 056 é múltiplo de 56, termina em 56, tem a soma dos algarismos igual a 56 e 2 989 980 056 = 56(53 392 500 + 1) = 56(100k + 1), com k = 533 925, que tem a soma dos algarismos igual a 27.

Uma consequência positiva do apresentado na comunidade é: Na solução do usuário, a soma dos algarismos de n é 56 com o número k formado apenas pelo algarismo 9. E essa é uma propriedade interessante que podemos destacar da solução apresentada:

Propiedade

Dado um número ab de dois algarismos, ab = 10a + b, com 0 < a ≤ 9, 0 ≤ b ≤ 9, se k é o número formado por a algarismos 9, ,então o número n = ab.(100k + 1) é um múltiplo de ab, termina em ab e a soma de seus algarismos é igual a ab.

Vamos demonstrar essa propriedade.

Demonstração

O leitor poderá verificar sem dificuldades que o número n é múltiplo de ab e termina em ab.

Vamos mostrar que a soma dos algarismos de n é igual a ab.

Escrevendo os números acima na notação decimal (explicitando os algarismos desses números), obtemos:

Logo, se a ≥3, efetuando a diferença dos números acima, temos

ou

e a soma dos algarismos de n é

a + b – 1 + 9(a – 2) + 10 – a – 1 + 10 – b + a + b = 10a + b = ab.

Se a = 1 e b ≥ 2 (os casos a = 1 e b = 0, 1 são triviais), então, n = 1(b – 2)(10 – b)1b,
e a soma de seus algarismos é

1 + b – 2 + 10 – b + 1 + b = 10 + b = ab.

Se a = 2, então, n = 2(b – 1)7(10 – b)2b, e a soma de seus algarismos é

2 + b – 1 + 7 + 10 – b + 2 + b = 20 + b = ab.

Uma solução correta do problema
(apresentada por Antonio Luiz Pereira)

Para que um número n satisfaça as condições impostas (terminar em 56, ser múltiplo de 56 e ter a soma dos algarismos igual a 56), n deve ser da forma n = 100m + 56 para algum número natural m. Como 56 divide n, 56 divide 100m, logo 100m = 7 × 8 × r, r natural. Então, 25m = 14r, o que mostra que 14 divide m e m é par. Logo, m termina em 0, 2, 4, 6 ou 8.

De n = 100m + 56, segue que a soma dos algarismos de m é 45; portanto, m > 99 999, pois m é par. Ou seja, m tem pelo menos 6 algarismos.

Se m = 1abcde com e ≤ 6, temos a + b + c + d ≥ 38, o que é impossível. Logo, e = 8 e m = 199 998. Mas 14 não divide 199 998, logo esse m não serve.

Se m = 2abcde com e ≤ 6, temos a + b + c + d ≥ 37, o que é impossível. Logo, e = 8 e m é um dos seguintes números, em ordem crescente:

289 998; 298 998; 299 898; 299 988.

Como 14 não divide 289 998 e 14 divide 298 998, este é o menor número m satisfazendo as condições exigidas e, portanto,

n = 29 899 856

é a resposta ao problema colocado na rede social.

 

PAINEL II

MULTIPLICAÇÕES CURIOSAS

Francisco Sales
Professor da Rede Estadual de PE
Filipe Andrade
Doutorando do DMAT, UFPE

Temos, há anos, nos preocupado com a forma de ensinar Matemática e desde a implantação dos PCN buscamos realizar um trabalho diferenciado, utilizando as diferentes propostas apresentadas para o desenvolvimento de conteúdos: resolução de problemas, jogos, História da Matemática ou tecnologia de informação.

É necessário que se tenha um enfoque motivador para alcançarmos o aluno da educação básica no que tange a forma de apresentação, assimilação, compreensão e vivências dos conteúdos matemáticos.

Ao ler o livro Incríveis passatempos matemáticos, de Ian Stewart, nos deparamos, logo no início, com uma multiplicação um tanto curiosa, que entendemos poder servir de motivação para o estudo de propriedades de números inteiros. O autor pede para fazermos, com uma calculadora, as operações abaixo:

Pedimos ao leitor que também faça essas operações, obtendo os resultados:

Ao observar o padrão dos resultados obtidos, surge a pergunta: Será que isso acontece apenas nesse tipo de multiplicação por 8? Ou será que sempre existe uma constante b tal que

a × aaa ... a + b = cdddd...ddc?

E a segunda pergunta que surgiu foi: Se isso acontece com outros números, qual é a dependência da constante com o número?

Vamos mostrar que algo semelhante acontece não apenas com o número 8, mas também com os outros números de 1 a 9.

Para os números 1, 2 e 3 não há tanto interesse, já que obteremos:

1 × 1 = 1; 1 × 11 = 11; 1 × 111 = 111; ...
2 × 2 = 4; 2 × 22 = 44; 2 × 222 = 444; ...
3 × 3 = 9; 3 × 33 = 99; 3 × 333 = 999; ...

e a constante a ser somada nos três casos é zero.

Vamos então considerar números a, 4 ≤ a ≤ 9, e vamos fixar algumas notações: o número a2 é denotado por a1a2 (a1 e a2 são os algarismos de a2) e n é o número de dígitos iguais a a no número que estamos multiplicando por a. Por exemplo, a = 8 e n = 3 em 8 × 888.

Observamos o seguinte:

a × aaa ... a =
a × (a × 10n – 1 + a × 10n – 2 + ... + a × 10 + a) =
a2 × 101– 1 + a2× 10n – 2 + ... + a2× 10 + a2 .

Usando a2 = a1a2 = 10a1 + a2, obtemos

a × aaa ... a =
a1× 10n + (a1 + a2) × 10n – 1 + (a1 + a2) × 10n – 2
+ (a1 + a2) × 10n – 3 + ... + (a1 + a2) × 10 + a2.

Logo, se 0 < a1 + a2≤ 9, as respostas das duas perguntas é sim, bastando tomar a constante b igual a b = – a2 +a1.

1. No caso a = 5, temos a1a2 = 25,

a1 = 2 e a2 = 5; logo, b = – a2 + a1 = – 5 + 2 = – 3.

2. No caso a = 9, temos a1a2 = 81,
a1 = 8 e a2 = 1; logo, b = – a2 + a1 = – 1 + 8 = 7.

Há dois casos, a = 7 e a = 8, em que o quadrado, a2 = a1a2 é tal que a1 + a2 é maior do que 9:

72 = 49 com 4 + 9 = 13 e 82 = 64 com 6 + 4 = 10. O caso a = 8 é o exemplo inicial deste texto e vimos que a constante b deve ser 13.

Para a = 7, fazemos:

Vemos então que o algarismo dos extremos de a × aaa ... a + b deve ser 5 e não é difícil adivinhar que a constante b = 6 é a procurada:

PAINEL III

O HOMEM QUE CALCULAVA: QUITANDO UMA DÍVIDA

Rogério César Dos Santos
UNB/FUP

Ao final do Capítulo VII do livro O homem que calculava, há um mistério apresentado por um mercador a Beremiz, matemático e protagonista da história. O mercador diz que uma dívida de 50 reais foi paga da seguinte forma: foram pagos 20 reais, depois 15, depois 10 e por último 5 reais. A soma dos valores pagos, claro, é igual a 50, assim como a soma dos saldos devedores, como verificamos na tabela:

 

Porém, quando a dívida é paga em 4 parcelas de 20, 18, 3 e 9 reais, a soma dos saldos devedores não é igual ao valor da dívida, como mostra a tabela abaixo.

O mistério foi resolvido por Beremiz, que mostrou outros exemplos de parcelamento em que os saldos devedores não somam o valor da dívida. Por exemplo, se a dívida for paga em 10 parcelas iguais a 5, os saldos devedores somariam 45 + 40 + 35 + 30 + 25 + 20 + 15 +10 + 5, soma que é bem maior do que 50;
ou se a dívida fosse paga em apenas uma parcela de 50, o saldo devedor seria apenas um e igual a zero.

O mercador convenceu-se de que a soma dos saldos devedores não tem relação com o valor da dívida e, satisfeito, ofereceu a Beremiz um turbante azul como prêmio pela solução do mistério.

Vamos ver a seguir em quais condições a soma dos saldos devedores é igual à quantia a ser paga, no caso de pagamento em 4 parcelas.

Seja X o valor total da dívida e x1, x2, x3 e x4 os valores das parcelas.

Os quatro saldos devedores, após cada parcela paga serão:

Para que a soma dos saldos devedores seja igual ao valor total da dívida, devemos ter:

(Xx1)+ (X x1x2) + (Xx1x2x3) = X,

e isso acontece se, e somente se,

2X = 3 x1 + 2 x2 + x3.

O leitor pode verificar sem dificuldade que essa relação é satisfeita no exemplo da primeira tabela e não é satisfeita no exemplo da segunda tabela.

Deixamos também para o leitor a determinação de uma relação análoga à anterior no caso de
um número de parcelas diferente de 4.

Agradeço a colaboração de Katielle Ribeiro da Silva e Gabriel Fernandes Rufo, alunos de Licenciatura em Ciências Naturais, UnB/FUP.