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Rogério César Dos Santos A mágica descrita neste artigo pode servir de atividade lúdica no ensino de divisibilidade, em particular a noção de números pares e ímpares. Ela aparece em [1], com um convite ao leitor para provar que o truque sempre funciona. Ao final do artigo, apresentamos essa demonstração, fazendo conexão com o conceito de congruências. Observa-se, porém, que a tal conexão pode ser omitida, sem prejuízo do entendimento da demonstração, em uma abordagem em nível médio. REALIZANDO A MÁGICA Sou o adivinho e você o meu ajudante. Disponha 16 moedas aleatoriamente em um tabuleiro 4 × 4. Suponha que fique como na figura ao lado, sendo K = cara e C = coroa. A seguir, escolha uma moeda e troque a sua face no tabuleiro, sem que eu saiba. Meu objetivo é tentar “adivinhar” a moeda que você virou no tabuleiro. Antes, porém, de você escolher em segredo a moeda a ser virada, vou pegar mais moedas e acrescentar uma linha abaixo e uma coluna à direita, para “tornar as coisas mais difíceis”:
Finjo que esse acréscimo tenha se dado de forma aleatória. Agora sim, viro de costas e peço que você escolha e vire uma dessas moedas, podendo ser inclusive a das que eu incluí. Pronto, olho para o tabuleiro e descubro qual moeda foi virada. Como? EXPLICANDO A MÁGICA Em primeiro lugar, eu troco mentalmente C por 0 e K por 1: Em seguida, abaixo de cada coluna, acrescento o resto da divisão da soma dos seus elementos por 2. Por exemplo, na primeira coluna, a soma de seus elementos é igual a 1, e o resto da divisão por 2 será também 1. Já na quarta coluna, a soma vale 2, e o resto 0. Faço o mesmo para cada linha: acrescento à direita de cada linha o resto da divisão da soma de seus elementos por 2. A soma dos elementos da primeira linha é 1, cujo resto da divisão por 2 é igual a 1. A soma dos elementos da quarta linha é 3, tendo resto 1. A matriz fica assim: Obviamente, esses números estão apenas na minha cabeça, pois, de fato, o tabuleiro é constituído de moedas, de modo que vou acrescentar caras onde seriam os números 1 (K), e coroas onde seriam os números 0 (C). E quanto ao elemento do canto inferior direito? Esse seguirá o mesmo princípio: se a linha que foi acrescentada à sua esquerda somar um número par, acrescento 0 (coroa C), se somar um número ímpar, acrescento o 1 (cara K). A surpresa é que vale o mesmo resultado para a coluna acima desse elemento do canto inferior direito: se a soma dos seus elementos for par, será par também a soma dos elementos da linha, o mesmo se dando se der ímpar. No nosso caso, a soma dos elementos da linha, e portanto da coluna também, é ímpar; logo, deixa resto 1 na divisão por 2, e por isso devo acrescentar, no canto inferior direito, o número 1 (em verdade, uma cara). Por que uma tal “coincidência” ocorre? Explicaremos ao final. Antes, suponha que você tenha invertido por exemplo o elemento da segunda linha e segunda coluna, de 1 para 0, em amarelo na figura a seguir (de fato, de cara para coroa). O meu trabalho será conferir em qual linha e em qual coluna o resto da divisão da soma dos elementos não bate. Trocando o 1 por 0 na segunda linha e segunda coluna, os elementos que acrescentei abaixo dessa coluna e à direita dessa linha, que eram os restos da divisão das respectivas somas por 2, em vermelho na matriz a seguir, ficam errados, acusando qual moeda você escolheu. Análise inteiramente análoga é feita se é escolhida qualquer das moedas que foi acrescentada. Demonstrando Matematicamente a Coincidência do Elemento do Canto Inferior Direito Seja m um inteiro fixado, m > 2. Suponha que a matriz inicial escolhida pelo ajudante seja de ordem (m – 1) × (m – 1). Considere que a soma dos elementos da coluna j, ,deixe resto amj, para cada j de 1 até m – 1, na divisão por 2. Em notação de congruências, temos:
E suponha que a soma dos elementos da linha i,
, deixe resto aim, para cada i de 1 até
Então, esses elementos amj e aim, i e j de 1 até m – 1, é que serão acrescentados abaixo das colunas j, e à direita das linhas i, respectivamente. A questão é saber qual será o elemento do canto inferior direito amm. Ora, observe a propriedade:
Vamos verificar a propriedade: Sejam A = tQ + r, B = uQ + s, r + s = wQ + z, sendo r, s e z os restos das divisões de A por Q, B por Q e r + s por Q, respectivamente; logo, A + B = (t + u)Q + (r + s) = (t + u + w)Q + z. Por indução, vale para a soma de mais termos. Em notação de congruências, a propriedade P pode ser reescrita assim: se A ≡ r(modQ) e B ≡ s(modQ) , então: Podemos agora provar a afirmação: a soma dos elementos da linha que foi acrescentada, , deixa o mesmo na divisão por 2 que a soma dos elementos da coluna que foi acrescentada, Denotemos por C1, C2, ..., Cm–1 a soma dos elementos das colunas 1, 2, ..., m – 1, respectivamente; denotemos por L1, L2, ..., Lm–1 a soma dos elementos das linhas 1, 2, ..., m – 1, respectivamente. Se S é a soma de todos os elementos da matriz inicial, é claro que S = C1 + C2 + ... + Cm–1 = L1 + L2 + ... + Lm–1. Pela propriedade P, temos Então, (mod2), o que prova a
afirmação acima e define o elemento amn.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] Du Sautoy, Marcus. Os mistérios dos números. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. |