Gilmar Pires Novaes

INTRODUÇÃO

O matemático alemão de origem russa, George F. L. P. Cantor (1845-1918), ou, mais simplesmente, Cantor, como é conhecido, foi um dos criadores da moderna Teoria dos Conjuntos.

Os conceitos matemáticos inovadores propostos por Cantor enfrentaram resistência por parte da comunidade matemática da época. Os matemáticos contemporâneos, por seu lado, aceitam plenamente o trabalho desenvolvido por Cantor, complementado pela teoria dos conjuntos de Zermelo-Fraenkel, desenvolvida pelos matemáticos Ernst F. F. Zermelo (1871-1953) e Abraham A. H. Fraenkel (1891-1965), reconhecendo a Teoria dos Conjuntos como uma mudança de paradigma da maior importância. O eminente matemático alemão David Hilbert (1862-1943) resumiu com muita propriedade essa criação:

“Ninguém poderá nos expulsar do Paraíso que Cantor criou.”

A ideia da Teoria dos Conjuntos era reformular toda a Matemática na linguagem dos conjuntos, o que em grande parte foi feito. Este projeto teve seus percalços, principalmente devido ao aparecimento de paradoxos aparentemente incontornáveis, mas sua ideia geral permanece útil.

John Venn (1834-1923) foi um matemático inglês, tendo-se licenciado na Universidade de Cambridge, onde depois ensinou Lógica e Teoria das Probabilidades. Publicou, em 1866, Logic of Chance, que foi considerado muito original e influenciou o desenvolvimento da Estatística. Em 1881, lançou Symbolic Logic e, em 1889, The Principles of Empirical Logic.

ORIGEM DOS DIAGRAMAS DE VENN

Venn introduziu os diagramas em um trabalho de lógica formal publicado em 1880 na Philosophical Magazine and Journal of Science, intitulado Da representação mecânica e diagramática de proposições e raciocínios.

Embora a primeira forma de representação geométrica de silogismos seja frequentemente atribuída ao matemático alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), e tenha sido retomada já durante o século XIX pelos matemáticos britânicos George Boole (1815-1864) e Augustus De Morgan (1806-1871), o método de Venn superava os sistemas anteriores em termos de clareza e simplicidade, ao ponto de ser aceito como método padrão ao fim de algum tempo.

O próprio Venn não se referia aos diagramas como sendo da sua autoria, mas sim como círculos eulerianos, fazendo referência aos diagramas criados pelo matemático suíço Leonhard Euler (1707-1783), motivo pelo qual alguns autores se referem a diagramas de Venn como diagramas de Euler-Venn. No parágrafo introdutório do seu artigo, Venn afirmou:

“Esquemas de representação diagramática têm sido tão familiarmente introduzidos nos tratados de Lógica durante o último século, que se pode supor que muitos leitores, mesmo aqueles que não fizeram qualquer estudo profissional de Lógica, possam ter familiaridade com a noção geral de tais objetos. Dentre tais esquemas, apenas um - aquele comumente chamado ‘círculos eulerianos’, encontrou aceitação geral...”

A primeira referência escrita conhecida do termo diagrama de Venn surgiu apenas em 1918, no livro A Survey of Symbolic Logic do lógico Clarence Irving Lewis (1883-1964).

No século XX, os diagramas para representação de conjuntos passaram por novos desenvolvimentos, os quais fogem ao escopo destas reflexões (o leitor que tiver interesse em se aprofundar sobre esse assunto pode acessar

http://pt.wikipedia.org/wiki/Diagrama_de_Venn (acessado em 15/10/2013)).

 

REPRESENTAÇÕES DE DIAGRAMAS DE VENN

Nos casos mais simples de um, dois e três conjuntos, Venn representou os diagramas por círculos que se intersectam. Eventualmente, os círculos são representados como completamente inseridos em um retângulo, que representa o conjunto universo daquele particular contexto, embora Venn não tivesse adotado essa convenção.

Os diagramas de Venn para dois e para três conjuntos são muito conhecidos.

No caso de dois conjuntos A e B, os compartimentos do diagrama representam as partes disjuntas do universo: na numeração binária aqui adotada, o primeiro algarismo é 0 ou 1, conforme um objeto deste compartimento pertença ou não ao conjunto A, enquanto o segundo algarismo é 0 ou 1, conforme um objeto desse compartimento pertença ou não ao conjunto B. Desse modo, usando Xc para o complementar de X, temos:

Essa numeração binária mostra que os 22 = 4 compartimentos esgotam todas as possibilidades lógicas para um objeto do universo.

Aplicando o mesmo princípio para três conjuntos A, B e C, obtemos os 23 = 8 compartimentos ilustrados na figura 2, a saber:

De um modo geral, dados n conjuntos, os diagramas de Venn dividiriam o plano em 2n regiões distintas, que representam todas as possibilidades lógicas, mas, como já observava o próprio Venn, não é conveniente usar diagrama de Venn para mais de três conjuntos. A figura fica difícil de fazer (alguns livros didáticos a fazem errado!) e, de qualquer modo, atrapalha mais do que ajuda, perdendo a sua finalidade.

 

APLICAÇÕES DE DIAGRAMAS DE VENN

É bem conhecido que diagramas de Venn são usados para resolver problemas sobre cardinalidade de conjuntos, isto é, problemas que envolvem contagem do número de elementos de conjuntos finitos.

De resto, a maioria dos que lidam com conjuntos pensam que o diagrama de Venn é apenas um esquema para ajudar o raciocínio, mas que não tem valor matemático. Isso não é verdade. O próprio Venn o concebeu como representação diagramática capaz de atender a todas as possíveis relações lógicas entre as classes sob estudo. Sob esse ponto de vista, afirmamos que diagramas de Venn também são úteis para demonstrar determinadas relações arbitrárias entre conjuntos.

Para demonstrar uma relação arbitrária entre n conjuntos, uma maneira formal de proceder é construir uma tabela-verdade, a qual, por definição, inclui todas as 2n possibilidades de pertinência/não pertinência entre um elemento e os tais conjuntos. Como mencionamos acima, um diagrama de Venn representa exatamente essas 2n possibilidades. Assim, por meio da interpretação correta, um diagrama de Venn pode sim ser útil para demonstrar relações arbitrárias entre conjuntos. Apenas é preciso tomar cuidado e fazer sempre o diagrama com todos os seus compartimentos, sejam eles possivelmente vazios ou não. Ao conceber essa interpretação correta do diagrama de Venn, cada uma de suas regiões corresponde a uma linha da tabela-verdade, de modo que o diagrama de Venn é totalmente equivalente a essa tabela-verdade.

Vejamos um exemplo com três conjuntos, para ilustrar a equivalência entre o diagrama de Venn e uma tabela-verdade. Na figura 3, nas colunas 2, 3 e 4, colocamos as linhas da tabela-verdade relativa às proposições x∈ A, xB e xC na coluna 1, as correspondentes regiões da figura 2.

Na quinta coluna, à guisa de exemplo, colocamos a proposição xBC baseando-se na definição de interseção de dois conjuntos, segundo a qual xBC é verdadeira se e só se xB e x C são verdadeiras, isto é, se e só se encontramos V simultaneamente nas colunas 3 e 4. Observe que, como resultado, obtemos V exatamente nas regiões 011 e 111, que são justamente as regiões disjuntas do diagrama de Venn que compõem BC.

Na sexta coluna, colocamos a proposição xA ∪(B C), baseando-se na definição de união de dois conjuntos, segundo a qual para que xA ∪(B C) seja verdadeira, é necessário e suficiente que xA ou x∈(B C) ou seja verdadeira, ou seja, se encontrarmos pelo menos um V nas colunas 2 e 5. Observe que, como resultado, obtemos V exatamente nas regiões 011, 100, 101, 110 e 111, que são justamente as regiões disjuntas do diagrama de Venn que compõem A ∪(B C).

Convidamos o leitor a construir também as colunas correspondentes a

A B, A C e (A B) ∩ (A C).

A igualdade entre a sexta e a nona colunas demonstra que

A ∪ (B C) = (A B) ∩ (A C),

ou seja, a propriedade distributiva da união em relação à interseção.

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

[1] LEWIS, Clarence Irving. A Survey of Symbolic Logic. Berkeley: University of California Press, 1918.

[2] LIMA, Elon Lages. Curso de Análise (v.1). 14ª ed. Rio de Janeiro: IMPA (Projeto Euclides), 2013.

[3] VENN, John. Symbolic Logic. London: Macmillan and Co., 1881.