Philip Cooley Junior

O experimento de lançar uma moeda pode parecer simples, mas pode produzir resultados verdadeiramente surpreendentes. Em [2], Mário Lívio relata que o professor Theodore P. Hill no seu primeiro dia de aula do seu curso de Probabilidade pede aos seus alunos de Matemática do Instituto de Tecnologia da Georgia que façam em suas casas a seguinte experiência: Se o nome de suas mães começar com qualquer uma das letras de A a L, eles devem lançar uma moeda 200 vezes e registrar os resultados. Caso contrário, devem forjar uma sequência de 200 caras e coroas.

No dia seguinte, quando os alunos trazem os resultados, para espanto de todos, em pouco tempo o professor Hill é capaz de separar as sequências verdadeiras das forjadas com ótima precisão. O segredo de Hill é o fato de que numa sequência de 200 lançamentos de uma moeda, existe uma grande probabilidade de ocorrer uma série de pelo menos seis caras ou seis coroas consecutivas. Por outro lado, quando as pessoas têm que inventar uma sequência de lançamentos de uma moeda, dificilmente acreditam que exista uma sequência como essa.
Executei essa experiência em sala de aula com alunos do ensino médio e eles ficaram surpresos quando identifiquei quem realmente jogou a moeda 200 vezes em casa e quem falsificou os resultados.

Após a realização da experiência, fiquei interessado em saber qual a probabilidade de obtermos uma série de pelo menos 6 caras ou 6 coroas consecutivas quando lançamos uma moeda 200 vezes.

A estratégia aqui apresentada para determinar essa probabilidade é baseada na recursão e segue o método usado em [1] por Christopher Jones. Denotaremos por P(6, n) a probabilidade de que uma série de pelo menos 6 caras ou 6 coroas consecutivas apareça em uma sequência de n arremessos de uma moeda perfeita. Essa probabilidade pode ser dividida em dois casos. Veja o esquema:

 

Usando as notações estabelecidas, temos

P(6, n) = PNE(6, n) + PE(6, n) (1)

Começaremos calculando o caso em que o último arremesso não é essencial. A probabilidade de que exista uma série de pelo menos 6 caras ou 6 coroas consecutivas em n arremessos e o último arremesso não é essencial na criação da série é igual a probabilidade que exista uma série de pelo menos 6 caras ou 6 coroas consecutivas nos primeiros (n –1) arremessos e o último arremesso ou é cara ou é coroa, ou seja,

PNE(6, n) = P(6, n – 1). P(cara ou coroa) =
P(6, n – 1). 1 = P(6, n – 1).


Assim, PNE(6, n) = P(6, n – 1). (2)

Agora investigaremos o caso em que o último arremesso é essencial. O último arremesso essencial pode ser cara ou coroa. Para que o último arremesso seja essencial, devemos ter os 6 últimos arremessos formados por caras ou coroas, antecedido de uma sequênci a onde não exista pelo menos 6 caras ou 6 coroas consecutivas, e além disso, o arremesso n – 6 deve diferir do arremesso essencial (veja o esquema a seguir onde C indica cara e K coroa).

Representaremos por a probabilidade de que não exista uma sequência de pelo menos 6 caras ou 6 coroas consecutivas em n – 6 arremessos. Essa probabilidade pode ser dividida em dois casos: caso em que o arremesso n – 6 é coroa, indicado por e caso em que o arremesso n – 6 é cara, indicado por .

Assim, de acordo com o esquema anterior, temos

Observe que como

a equação (3) se torna

Substituindo (2) e (4) em (1), temos

Essa é uma relação de recorrência simples de grau 6, ou seja, se pudermos determinar as condições iniciais P(6, 0), P(6, 1), ... , P(6, 6), então poderemos começar a usar a recursão. Felizmente, essas condições iniciais são fáceis de calcular. De fato,

Daí, usando a equação (5), temos

Como esses cálculos manuais se tornam muito trabalhosos, prosseguiremos usando o Excel, que é uma ótima ferramenta para trabalhar com as recursões.

Inicialmente, preenchemos as células B2 até B8 com as condições iniciais correspondentes ao número de lançamentos que são indicados na coluna A. Na célula B9, devemos traduzir a relação de recorrência para a linguagem do Excel. Isso é conseguido através da digitação da fórmula

“=B8+(1-B3)*(1/2)^6” (Veja figura a seguir).

Em seguida, selecionamos e depois arrastamos para baixo as células A9 e B9 até obtermos o valor de n desejado, que no caso desse problema vale 200. A figura a seguir, dá uma idéia dos resultados encontrados.

Assim, P(6, 200) ≈ 0,9653. De fato, um valor bastante alto, o que faz assegurar, na grande maioria das vezes, o surgimento de pelo menos 6 caras ou 6 coroas agrupadas em 200 lançamentos de uma moeda perfeita.

Esse problema pode ser generalizado para o caso de pelo menos r caras ou coroas consecutivas em n arremessos. Para obter P(r, n), devemos fazer as devidas substituições em (5), obtendo a relação de recorrência, para n > r, dada por

e com as condições iniciais:

P(r, n) = 0 quando n < r e P(r, n) = 2/(2)r quando n = r. Essa generalização, permite fazer testes para diversos casos de n e r.

No experimento de lançar uma moeda n vezes, ainda surgem outras perguntas interessantes. Por exemplo: em n arremessos, qual é a probabilidade de que a maior série de caras ou coroas consecutivas tenha comprimento r? Não é difícil verificar que essa probabilidade, denotada por MaxP(r, n), é dada por MaxP(r, n) = P(r, n) – P(r + 1, n).

Assim, por exemplo,

MaxP(6, 200) = P(6, 200) – P(7, 200) ≈ 0,166028.

O gráfico a seguir mostra o comportamento de MaxP(r, 200) com r variando de 1 a 25. Nele observamos que o valor máximo de MaxP(r, 200) é 0,2574, obtido quando r = 7.

Uma outra pergunta é: em n lançamentos de uma moeda perfeita, qual é o valor esperado do comprimento da maior sequência de caras ou coroas consecutivas?

Denotaremos esse valor esperado por EMax(n). A partir da definição de valor esperado, temos (usando que P(n, n + 1) = 0):

Para o cálculo de EMax(n) foi utilizado um programa implementado em Matlab (veja quadro a seguir). Quando executamos o programa, para n = 200, obtemos EMax(200) = 7.9770 que serve para reforçar ainda mais a presença de pelo menos 6 caras ou 6 coroas consecutivas em 200 lançamentos de uma moeda perfeita.

Após esses resultados percebemos como a intuição humana é mal adaptada com relação a acontecimentos aleatórios. A nossa intuição diz uma coisa, a Matemática e a realidade dizem outra. Ao contrário do que pensamos, a agregação parcial é bastante presente na aleatoriedade.

 

 

 

REFERÊNCIAS

[1] JONES, Christopher H.. Examining Probabilistic Runs. In: NCSSM TCM CONFERENCE, 2006. Disponível em: <http://courses.ncssm.edu/math>. Acesso em: 28 jun. 2013.

[2] LÍVIO, Mário. Razão Áurea. Editora Record, 2006.

[3] TIJMS, H. Understanding Probability: Chance Rules in Everyday Life. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.