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1 - Um problema, dez soluções Carlos Nely C. de Oliveira Os problemas de Matemática podem, muitas vezes, ser resolvidos de duas ou mais formas diferentes. No entanto, com pouca frequência vemos em publicações ou em sala de aula mais do que uma solução para um problema. Depois de encontrar uma resposta, os alunos e o professor ficam satisfeitos e passam para o próximo item. Afinal, se o problema está resolvido, por que resolvê-lo de novo? Como veremos, a exploração de diferentes soluções de um problema pode trazer o benefício de recordar teoremas e propriedades, além do prazer da descoberta de pequenos brilhantes ocultos na mesma pedra. Para o problema a seguir, obtive dez soluções elaboradas por diferentes alunos meus, da 1 à 3 série do ensino médio, das quais apresento seis. Qual brilhante é o mais bonito cabe ao leitor escolher. (FUVEST 2007) A figura representa um retângulo ABCD, com AB = 5 e AD = 3. O ponto E está no segmento CD de maneira que CE = 1, e F é o ponto de intersecção da diagonal AC com o segmento BE. Então, a área do triângulo BCF vale: a) 6/5 b) 5/4 c) 7 d) 6 e) 5
SOLUÇÃO 1 Pelo caso ângulo-ângulo, os triângulos ABF e CEF são semelhantes. A razão de semelhança é 5:1. Então, AF = 5CF. Se S é a área a ser calculada, então os triângulos assinalados na figura 1 são equivalentes, já que têm bases congruentes e alturas correspondentes a essas bases também congruentes.
Logo, a área sombreada corresponde à sexta parte da área do triângulo ABC, isto é: S = . (alternativa b)
SOLUÇÃO 2 Como na Solução 1, usamos a semelhança entre os triângulos ABF e CEF com razão de semelhança 5:1. Então, AF = 5CF. Traçamos, pelos pontos de divisão de AF em 5 partes iguais, segmentos paralelos ao segmento BE, como na figura 2 a seguir.
A área do triângulo CQA é igual a = 9. ou T = . Como temos S + T = , temos S = .
SOLUÇÃO 3
Os triângulos CEF e ABF são semelhantes e a razão 1:5 entre seus lados homólogos CE e AB é igual à razão entre suas alturas correspondentes a esses lados. Além disso, 6x = 3 ou x = 1/2. Então, sendo S a área do triângulo BCF, temos: S = .
SOLUÇÃO 4
Lembrando, da Solução 1, que a razão de semelhança entre os triângulos ABF e ECF é 5:1, utilizando agora relações métricas no triângulo retângulo BCE, temos: 1 × 3 = 6a . h ou h = . Portanto, a área S de BCF é dada por: S = . 5a . h = . 5a . = .
SOLUÇÃO 5 Se dois triângulos têm bases com mesma medida e as alturas correspondentes a essas bases também têm mesma medida, então esses triângulos têm áreas iguais. É o que ocorre com os triângulos ODF e OBF, na figura 5. Vamos denotar as áreas desses triângulos por T.
No caso dos triângulos CEF e DEF, as áreas são proporcionais às bases, ou seja, se a área do triângulo CEF é P, então a área do triângulo DEF é 4P. Note que 5P + T equivale à quarta parte do retângulo, o mesmo ocorrendo com S + T, sendo S a área pedida no problema. Portanto, S = 5P. Temos 5P + T = (5 × 3) = e, como 4P + 2T é igual à área do triângulo DEB, temos 4P + 2T = = 6. Dessas duas equações obtemos P = e, então, S = .
SOLUÇÃO 6 Adotando um sistema cartesiano com origem no vértice A, eixo x sobre o lado AB e eixo y sobre o lado AD, temos as coordenadas dos pontos E, C e B assinaladas na figura 6.
Temos: equação da reta r: y = x equação da reta s: y = -3x + 15 Resolvendo o sistema formado por essas duas equações, determinamos as coordenadas do ponto F, intersecção das retas r e s: F = . Considerando a matriz M = , sabemos da Geometria Analítica que a área S pedida no problema é igual à metade do módulo do determinante de M; logo, S = determinante .
CONCLUSÃO É possível, em sala de aula, nos contentarmos com uma única solução para cada problema. Mas, em vista do exposto, cabe perguntar: por que não aproveitar a oportunidade para explorar e resgatar outros tantos conceitos presentes no mesmo problema? Eles estão ali, apenas esperando serem descobertos.
II - UMA DESCOBERTA Leonardo José Leite da Rocha Vaz No Colégio Militar de Porto Alegre, realizamos semanalmente um treinamento para os alunos que participam de Olimpíadas de Matemática. Durante um de nossos encontros, o aluno Frederico Messa Schwartzhaupt, do 7 ano do ensino fundamental, disse que havia descoberto um resultado interessante a respeito da divisibilidade por 7: se multiplicarmos os algarismos de um múltiplo de 7, da direita para a esquerda, pelas sucessivas potências de 3 (a partir de 30), e depois somarmos esses produtos, o total também será um múltiplo de 7. Frederico parecia bastante empolgado com sua “descoberta”. No entanto, ele não tinha nenhuma justificativa matemática para ela, que era baseada apenas na observação de exemplos. Por isso me pediu para verificar se sua ideia estava correta. Para testar (e até mesmo para compreender melhor) esse resultado, escolhi o número 2415, que eu sabia ser múltiplo de 7 (2415 = 49² + 14). A partir daí, começamos a buscar a justificativa matemática para a propriedade juntamente com o aluno. Fizemos as operações: 33 × 2 + 3² × 4 + 3¹ × 1 + 30 × 5 = 54 + 36 + 3 + 5 = 98. De fato, para o número 2415, o método funcionara, pois 98 é múltiplo de 7. Decidimos, então, tentar generalizar a propriedade. O resultado para um número natural qualquer (com n + 1 algarismos), da forma xn...x2x1x0 em que cada x representa um algarismo do número, ficaria escrito do seguinte modo: xn ... x2x1x0 é divisível por 7 3n xn + 3n - 1 xn - 1 + ... + 32 x2 + 31 x1 + 30 x0 é divisível por 7. Comecei explicando que qualquer número da forma xn ... x2x1x0 pode ser escrito como soma de potências de 10 se utilizarmos o sistema decimal para representá-lo: xn xn - 1 ... x2x1x0 = 10n xn +10n -1 xn -1 + ... + 102 x2 + 101 x1 + 100 x0 Frederico logo percebeu a semelhança entre as duas expressões, a com potências de 3 e a com potências de 10. Mas por qual motivo podemos trocar o 10 pelo 3 e ainda assim obtermos um múltiplo de 7? Calculamos, então, a diferença entre os dois termos: Para o algarismo das unidades, não haveria diferença, pois ambos seriam multiplicados por 1; para o das dezenas, a diferença seria o produto desse algarismo por 7, pois, no 1 termo, aquele seria multiplicado por 10, e, no 2, por 3; analogamente, para o algarismo das centenas, a diferença seria o seu produto por 91(10² – 3²). Para o algarismo das unidades de milhar, o produto seria por 973(103 – 33), e assim sucessivamente. Em linguagem formal: 10n xn +10n -1 xn -1 + ... + 102 x2 + 101 x1 + 100 x0 – (3n xn +3n -1 xn -1 + ... + 32 x2 + 31 x1 + 30 x0) = (10n – 3n)xn + ... + (102 – 32)x2 + (10– 3)x1 + (100 – 30)x0 Podemos demonstrar que todas essas diferenças de potências de 10 e de 3 são múltiplos de 7: algebricamente, bastaria mostrar que (xn – yn) é divisível por (x – y) para qualquer n inteiro positivo e quaisquer números reais x e y. Assim, 10n – 3n é sempre divisível por 10 – 3 = 7. No entanto, para um público composto por alunos do 6 e 7 anos do ensino fundamental, seria mais adequado procurar uma explicação aritmética. Podemos mostrar o que ocorre no caso n = 2, para levar os alunos a uma generalização: 10² = (3 + 7)² = (3 + 7) (3 + 7) = 3² + 3 × 7 + 7 × 3 + 7². Observamos que todos os termos, com exceção do primeiro, possuem fatores 7. Então, ao calcularmos 10² – 3², o primeiro termo é cancelado, e obtemos uma soma de múltiplos de 7, mostrando que 10² – 3² é um múltiplo de 7. Por meio de um raciocínio análogo, pode-se estender esse resultado para qualquer número da forma 10n – 3n. A partir daí, a conclusão estava próxima: percebemos que a diferença entre 10n xn +10n -1 xn -1 + ... + 102 x2 + 101 x1 + 100 x0 – (3n xn +3n -1 xn -1 + ... + 32 x2 + 31 x1 + 30 x0) = é um múltiplo de 7. Portanto, se o primeiro termo for um múltiplo de 7, o segundo também será, e vice-versa. A propriedade, então, estava justificada. A respeito dessa interessante experiência, podemos fazer ainda algumas observações:
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