NÚMEROS: RACIONAS E IRRACIONAIS

Ivan Niven

Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) e Mathematical Association of America (MAA)

AUTOR DA RESENHA: José Luiz Pastore Mello

O estudo dos números na Matemática escolar costuma ser dedicado predominantemente às quatro operações básicas, além da potenciação e da radiciação. Nesse caso, o que interessa é que o aluno saiba operar com os números, e suas diferentes formas de representação, em contextos da aritmética, da álgebra e da geometria. Conduzido dessa maneira, o estudo dos números tem sua importância no processo de aprendizagem da Matemática, porém, é importante que se diga: este é apenas um dos recortes possíveis sobre o assunto.

O livro do professor canadense Ivan Niven, que a SBM acaba de reeditar, investiga os números racionais e irracionais de um ponto de vista diferente daquele que predomina na Matemática da escola básica.  Em vez de dedicar-se aos algoritmos e operações com números, o livro “investiga o DNA” dos números e, diga-se de passagem, com muita didática e brilhantismo. Não é à toa que a obra, editada originalmente em 1961, pela Mathematical Association of America (MAA), é das mais cobiçadas nas lojas de livros usados devido à ausência de edições recentes em inglês.

Em seu livro Niven vai, passo a passo, construindo o conjunto dos números reais de um ponto de vista mais aprofundado do que aquele encontrado nos livros didáticos de Matemática, e nem por isso se distancia da possibilidade de explorar o tema no ambiente da Matemática escolar. São frequentes as demonstrações que se iniciam com números, sem o uso de letras, como forma de ilustrar melhor a gestação de uma ideia. O professor Niven consegue atrair o leitor para a discussão escolhendo muito bem as perguntas que irão colocá-lo diante da necessidade de refinar ou ampliar uma ideia. Por exemplo, no capítulo inicial sobre números naturais e inteiros, ele apresenta a quantidade de números primos em intervalos fixos de mil números naturais consecutivos:

números de

quantidade de primos

1 a 1000

168

1000 a 2000

135

2000 a 3000

127

3000 a 4000

120

4000 a 5000

119

Essa quantificação, que evidencia uma diminuição na quantidade de números primos, pode sugerir aos olhares ingênuos que o conjunto dos números primos é finito, o que não é o caso, como está demonstrado por argumentos dedutivos desde Euclides. Em outra situação, agora no capítulo sobre números reais e tratando de um tema da geometria, o autor faz a demonstração completa do teorema de Tales. Vale lembrar que a demonstração desse teorema contida na grande maioria dos livros didáticos brasileiros é incompleta por deixar de considerar os segmentos incomensuráveis ou, dizendo de outra forma, nossos livros costumam fazer demonstrações que garantem a validade do teorema de Tales apenas para o caso em que os segmentos em questão têm medidas racionais.

Em relação às demonstrações da irracionalidade de alguns números algébricos, merece destaque a apresentação do uso do teorema das raízes racionais de equações polinomiais como ferramenta a esse serviço, o que pode ser novidade para alguns leitores.

Na segunda metade do livro, Niven abre a “caixa-preta” do conjunto dos números irracionais, classificando-os em algébricos, como é o caso de , 1 + e  cos 20o, ou transcendentes, como é o caso de p, e, log 2 e . O autor apresenta alguns resultados que servem de ponto de partida para interessantes demonstrações com números irracionais. É nesse momento do livro que Niven apresenta ao leitor os problemas clássicos da duplicação do cubo, da trissecção de um ângulo com régua e compasso e da quadratura do círculo. Curiosamente, o leitor perceberá que as resoluções dos três problemas, que em sua origem são de natureza geométrica, situam-se na confluência do estudo de dois outros campos da matemática, o dos números e o da álgebra.

Os dois últimos capítulos do livro são dedicados àqueles que apreciaram a viagem e estão interessados em voos mais ambiciosos. No capítulo 6, o autor discute aproximações de números irracionais por racionais, bem como os limites dessas aproximações. A discussão exigirá do leitor certa familiaridade com demonstrações envolvendo desigualdades. No capítulo 7, é apresentada a demonstração de Liouville da existência de números transcendentes, o que tomará por base a discussão de desigualdades feita no capítulo anterior, noções de valor absoluto e um teorema sobre polinômios.

O livro conta ainda com três apêndices, um deles com a demonstração da existência de infinitos números primos, outro com a demonstração do teorema fundamental da aritmética e um terceiro com a prova de Cantor da existência de números transcendentes, que arrola argumentos diferentes daqueles utilizados na demonstração de Liouville.

Não bastasse a qualidade do texto e a elegância do caminho escolhido pelo autor em sua jornada, o livro conta com a cuidadosa tradução e revisão da professora Renate Watanabe, membro do comitê editorial da RPM.

 

UM CONVITE À MATEMÁTICA

Daniel Cordeiro de Morais Filho

Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) - Coleção do Professor de Matemática

AUTOR DA RESENHA: Eduardo Wagner

O livro Um convite à Matemática na sua primeira edição, tinha o curioso subtítulo: Fundamentos lógicos com técnicas de demonstração, notas históricas e curiosidades. Nesta segunda edição, publicada pela SBM, o subtítulo não mais aparece, mas seu espírito está presente. Escrito pelo também autor de vários artigos da RPM, professor Daniel Cordeiro, da Universidade Federal de Campina Grande, PB, o livro tem um estilo cativante e bem diferente do que  estamos acostumados a ver em geral.

O livro começa falando das notações matemáticas e já prende a atenção do leitor pelas diversas coisas curiosas que vai relatando. Por exemplo, parece que na expansão decimal de  π  pode-se encontrar qualquer número inteiro previamente escolhido com qualquer quantidade de algarismos. O autor testou a sequência da sua data de nascimento, 09081963, e achou exatamente essa sequência após examinar quase 59 milhões de dígitos da expansão decimal de  π. Será que o leitor encontrará a sua?

Em seguida, o livro vai introduzindo a lógica, passo a passo, um pouco em cada um dos pequenos capítulos. O tema que, para grande parte dos alunos e professores, poderia parecer não muito atrativo, torna-se aqui extremamente interessante, pois está recheado de muita Matemática, história da Matemática e fatos e exemplos curiosos.

Entre os diversos subitens dos 25 capítulos do livro, encontramos: o que é um teorema?, o que é uma definição matemática?, o que são modelos axiomáticos?, conjecturas e contraexemplos, o que é uma demonstração?, redução ao absurdo, demonstrações construtivas, existência e unicidade, conjecturas, problemas famosos, e muito, muito mais.

Há outra diferença deste livro em relação a outros livros de Matemática. Em geral, o autor de um livro de Matemática escreve descrevendo fatos, afirmando proposições, enunciando teoremas, demonstrando coisas, questionando, respondendo ou não, propondo e resolvendo exercícios, etc. Neste livro há tudo isso, mas aqui o autor escreve falando diretamente ao leitor. Por exemplo, na página 202 destaco algumas frases que, apesar de soltas, ilustram bem o estilo do autor:

“Na parte da demonstração, você risca, rabisca, acerta, erra, volta, retorna, usa a hipótese, fica analisando a tese, etc.”

“O ato de escrever melhora o pensamento, fortalece as convicções nos argumentos, apura o raciocínio e deve se tornar uma prática. Comece já”.

O tom bem-humorado é constante em todo o livro. Quase no final, o título do capítulo 23 é: Sofismas, o cuidado com os autoenganos e com os enganadores. Dentro dele há lindas demonstrações e ótimos sofismas. Entre as lindas demonstrações, destaco a do teorema:

“Existem dois irracionais  a  e  b  tais que
  ab  é racional.”

Imagine, leitor, que a demonstração dessa afirmação de aparência complicadíssima não tem mais do que três linhas (ver também RPM 26, pág. 15). Espantoso.

Este é um livro que vale a pena ler.

 

Respostas dos probleminhas

1    32
2    (6,2,2); (5, 3, 2); (4, 4, 2);(4, 3, 3)
3    13