Rogério César dos Santos
José Eduardo Castilho

UnB/Planaltina

 

Enunciando o problema

Neste artigo vamos encontrar o ponto do plano pelo qual passam mais caminhos em uma malha quadricular de percursos.

Considere o sistema de caminhos quadriculado na figura abaixo, no qual um móvel, partindo do ponto  A = (0, 0),  precisa chegar em  B = (3, 3),  e só pode se deslocar sobre aqueles segmentos verticais e horizontais que ligam dois pontos de coordenadas inteiras. Além disso, o móvel só pode se mover para a direita ou para cima.

Pelo fato de o ponto de chegada ser  (3, 3),  chamaremos esse reticulado de  3 por  3,  apesar de haver  4 × 4 = 16  pontos de coordenadas inteiras. A pergunta que vamos levantar no nosso estudo é: sem contar os pontos  (0, 0)  e  (3, 3),  dentre todos os demais pontos de coordenadas inteiras desse reticulado de caminhos, por qual ou por quais deles passa o maior número de caminhos que partem de  (0, 0)  e chegam em  (3, 3)?

 

Contando os caminhos

Cada caminho para ir de  (0, 0)  a  (m, n)  é composto por  m  deslocamentos horizontais unitários  n  deslocamentos verticais unitários  V.  O que distingue esses caminhos é a ordem em que os deslocamentos se sucedem. Escolher um caminho é equivalente a ordenar  m  letras  H  e  n  letras  V.  A contagem de caminhos pode, portanto, ser feita usando a expressão do número de permutações com repetição de  m + objetos, sendo  m  de um tipo e  n  de outro. Essa expressão é igual, também, a (isso pode ser concluído diretamente, observando que um caminho fica determinado ao se escolherem as m posições dos deslocamentos horizontais na sequência de  m + deslocamentos).

O número de caminhos de  (0, 0)  até  (N, N)  que passam por  (m, n)  é igual ao número de caminhos para ir de  (0, 0)  a  (m, n)  multiplicado pelo número de caminhos para ir de  (m, n)  a  (N, N),  que por sua vez é igual ao número de caminhos de  (0, 0)  até (Nm, Nn).  Note que, nessa última contagem, (m, n)   funciona como a origem 

                              

 

Portanto, o número de caminhos de  (0, 0)  até  (N, N)  passando por  (m, n)  é

c(m, n) =

No nosso exemplo 3 por 3, o número de caminhos que passam, por exemplo, pelo ponto (1, 2)  é

c(1, 2) = = 3.3 = 9

Podemos representar os valores de  c(m, npara todos os valores de  m  e  n  (0 m n,  0 n m)  por meio de uma matriz  4 × 4:

 

Primeira proposição: da simetria da matriz B

A primeira proposição que vamos demonstrar, que é sugerida pelo exemplo anterior, é:
c(n, m) = c(m, n) = c(Nn, Nm) = c(Nm, Nn).

 

Demonstração

A expressão é simétrica em relação a  n  e  m,  de forma que fica evidente que  c(m, n) = c(n, m).  Agora, de  (0, 0)  até  (Nn, Nm)  há caminhos. E de (Nn, Nm)  até  (N, N)  há caminhos. Logo,  c(Nn, Nm) = = c(n, m)  caminhos, e, de acordo com o primeiro passo dessa demonstração, também é igual a  c(Nm, Nn),  o que conclui a demonstração.

 

Segunda proposição: da diagonal da matriz

A segunda proposição, que se pode inferir a partir dos resultados da diagonal secundária da matriz do nosso exemplo, a saber  20,  12,  12,  20,  é: para 0 x < N/2, 
c(x + 1, x + 1) c(x, x). 

Ou seja, o número de caminhos diminui quando pegamos pontos mais afastados da origem, pelo menos até a metade da diagonal. No nosso caso, de  20  para  12.  Além disso, para  N/2 < x N,  vale c(x – 1, x – 1) c(xx).  Ou seja, o número de caminhos aumenta quando pegamos pontos cada vez mais próximos de  (N, N). No nosso caso, de  12  para  20.  Isso para qualquer  N  par ou ímpar positivo.

 

Demonstração

Por  P = (x, x),  onde  0 x < N/2,  passam

caminhos, indo de  (0, 0)  até (N, N).

Já por  Q = (x + 1, x + 1)  passam

caminhos. Vamos supor por contradição que  

Então

desenvolvendo e simplificando os fatoriais

onde essa última implicação seria válida para  N  par ou ímpar, pois  x  é inteiro. Logo, uma contradição.

Agora, para  N/2 < x N,  o leitor pode observar que   c(x – 1, x – 1) c(x, x)  apenas considerando a simetria existente entre os pontos da matriz, que já provamos na primeira proposição.

Observe ainda que, de acordo com os cálculos acima,  c(x + 1, x + 1) = c(x, x)  se e somente se x = ou seja,  N  deve ser ímpar.

Neste caso, c, os dois pontos centrais da diagonal secundária, como foi o caso do nosso exemplo anterior, no qual c(1, 1) = c(2, 2) = 12.

Observe, portanto, que essa segunda proposição está dizendo que, na diagonal, os pontos que possuem mais caminhos passando por eles são os pontos  (1, 1)  e, por simetria,  (N –1, N – 1),  onde excluímos, claro, os pontos  (0, 0)  e  (N, N),  que são de passagem obrigatória.

 

Terceira proposição: dos pontos abaixo e acima da diagonal

Vamos enfim provar nossa terceira e última proposição. Ela vai nos dizer que  c(x, x) c(x, x i)  para todo  x = 1, ..., N,  com  i = 0, ..., x.  Pela simetria, novamente, o leitor poderá se convencer facilmente  de que, por consequência,  c(x, x) c(x, x + i)  para todo  x = 1, ..., N,  com  i = 0, ..., Nx.  Isto é, em cada coluna da malha de percursos, o ponto pelo qual passa mais caminhos é o ponto que pertence à diagonal secundária, como pode ser observado na matriz  B  do nosso exemplo.

 

Demonstração

Faremos por indução sobre  iPara  i = 0,  é fácil ver que a igualdade se verifica. Para  N = 1,  também é fácil ver que c(0, 0)= c(1, 1) = 2  e  c(1, 0) = c(0, 1) = 1.

Suponhamos então, por hipótese de indução, que, para  i > 0,  temos  c(x, x) > c(x, x i).

Temos

c(x, x) > c(x, x - 1)  

Completando o processo de indução, vamos provar que  c(x, x) > c(x, x – (i + 1)):

c(x, x, – (i + 1)) = =

Basta agora provar a desigualdade : < 1:

2Nx – 2Ni – 2x2 + 2xi + ixi2 + xi
< 2NxNi –2x2 + ix + 2ix i2 + 2x
–Ni < x   i > –

E a última desigualdade é verdadeira, pois  x N,  e, no nosso caso,  i = 1, ..., x.
Então, está provada a nossa proposição.     

 

Enfim, o ponto procurado

Agora, juntando as conclusões das duas últimas proposições, concluímos que em qualquer quadriculado de caminhos N por N,

os pontos pelos quais passam mais caminhos são os pontos  (1, 1)  e  (N – 1, N – 1),  sem contar é claro os pontos  (0, 0)  e  (N, N):