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Sergio Alves Um dos mais belos resultados da geometria euclidiana plana estabelece que as bissetrizes dos ângulos internos de qualquer triângulo ABC são concorrentes num ponto I localizado no seu interior e que é equidistante das retas que contêm os lados do triângulo. Tal ponto I é o centro de uma circunferência tangente aos três lados do triângulo, chamada circunferência inscrita no triângulo ABC, e o ponto notável I é denominado incentro do triângulo ABC. Como circunferências são particulares elipses, é natural perguntarmos se existem outras elipses inscritas no triângulo ABC. O argumento aqui desenvolvido confirmará a existência de uma infinidade dessas elipses. Mais precisamente, para cada ponto F pertencente ao interior do triângulo, mostraremos que existe uma elipse inscrita nesse triângulo, tendo F como um de seus focos. Iniciamos com alguns fatos básicos a respeito dessa cônica. Num fixado plano euclidiano E, consideremos dois pontos F e F’ e seja a um número real positivo de modo que 2a > FF’. A elipse de focos F e F’ e semieixo maior a é o conjunto e formado pelos pontos P E tais que PF + PF’ = 2a. Dados, no plano euclidiano E, uma elipse e e e uma reta t, diremos que t é uma reta tangente a e se t e contém exatamente um ponto, chamado ponto de tangência. Quando t e = {P}, dizemos também que t é uma reta tangente a e em P. A figura abaixo ilustra como traçar essa tangente. Dado P e, considere o ponto Qpertencente à semirreta F’P tal que F’Q = 2a. A mediatriz do segmento FQ é a reta tangente a e em P. Com efeito, como P está entre F’ e Q, segue que PQ = F’Q – PF’ = 2a – PF’ = PF de modo que P t, onde t é a mediatriz do segmento FQ. Além disso, dado A t, A distinto de P, temos AF + AF’ = AQ + AF’ > F’Q = 2a. Portanto, A e e concluímos que t e = {P}. Observe que o ponto Q nada mais é do que o ponto em que a semirreta F’P intersecta uma das circunferências diretrizes da elipse e, aquela de centro F’ e raio 2a. Além disso, a construção efetuada revela imediatamente a validade de uma conhecida propriedade refletora da elipse: os ângulos que os raios focais PF e PF’ formam com a reta tangente a e em P são congruentes. Na RPM 36, páginas 24 a 28, são apresentadas diversas aplicações dessa propriedade. Retornando ao nosso problema, seja ABC um triângulo arbitrário e F um ponto qualquer no seu interior. Vamos determinar uma elipse e tendo F como um de seus focos de modo que as retas AB, BC e CA sejam tangentes a e. Motivados pelo traçado acima exposto, considere os simétricos Q, R e S do ponto F em relação às retas AB, BC e CA, respectivamente. Sendo F’ o circuncentro do triângulo QRS, ou seja, o centro da circunferência que contém Q, R e S, os raios F’Q, F’R e F’S intersectam as retas AB, BC e CA nos pontos P1, P2 e P3, respectivamente. A elipse e de focos F e F’ e que passa por P1 (ou, equivalentemente, de focos F e F’ e semieixo maior a = F'Q) é tal que as retas AB, BC e CA são tangentes a e em P1, P2 e P3, respectivamente. Note que o ponto F’, assim como F, também pertence ao interior do triângulo ABC. Na realidade, F e F’ são conjugados isogonais com relação ao triângulo ABC. Isso significa que as semirretas AF e AF’ são simétricas em relação à reta que contém a bissetriz do ângulo de vértice A do triângulo ABC e propriedades análogas valem para os pares de semirretas BF, BF’ e CF, CF’. Vejamos uma prova. Sendo x = m(BAF) = m(BAQ) e y = m(CAF) = m(CAS), temos m(QAS) = 2(x + y). Por outro lado, AQS é um triângulo isósceles, pois AQ = AF = AS e, como F’ pertence à mediatriz do segmento QS, segue que m(SAF’) = x + y. Mas m(SAC) = y, donde m(CAF’) = x = m(BAF). Logo, AF e AF’ são semirretas simétricas em relação à reta que contém a bissetriz do ângulo de vértice A do triângulo ABC. Duas escolhas especiais para o ponto F merecem destaque. A primeira é o ponto F sendo escolhido como o incentro I do triângulo ABC. Como I é equidistante das retas que contêm os lados do triângulo, o circuncentro do triângulo QRS é o próprio ponto I e, portanto, F’ = I = F. Nesse caso, a elipse e coincide com a circunferência inscrita no triângulo ABC. A segunda escolha relevante é quando tomamos F como sendo o ortocentro H de um triângulo acutângulo ABC. Como os simétricos de H em relação às retas AB, BC e CA pertencem à circunferência circunscrita ao triângulo ABC (uma prova dessa bela propriedade do ortocentro pode ser vista, por exemplo, na página 26 da RPM 55), o circuncentro do triângulo QRS coincide com o circuncentro do triângulo ABC. Neste caso, a elipse inscrita e tem como focos dois pontos notáveis do triângulo: o ortocentro e o circuncentro do triângulo ABC. Uma importante propriedade das elipses inscritas num dado triângulo pode ser provada a partir de outro fato básico. Seja e uma elipse de focos F e F’ e semieixo maior a. Sendo O o centro da elipse, isto é, o ponto médio do segmento FF’, considere a circunferência G de centro O e raio a ( G é chamada circunferência principal da elipse e). O resultado a seguir caracteriza essa curva por meio de uma elegante propriedade geométrica. Lema. Um ponto G pertence à circunferência principal de uma elipse e se, e somente se, G é a projeção ortogonal de um dos focos de e sobre uma reta tangente a e. A prova segue do traçado apresentado anteriormente para a reta tangente. Se G é a projeção ortogonal do foco F sobre a reta tangente a e em P e, então OG é uma linha média do triângulo F’FQ. Logo, OG = F'Q = a e G G. Reciprocamente, se G G, considere o ponto Q tal que G é o ponto médio do segmento FQ. Então, OG é uma linha média do triângulo F’FQ de modo que F’Q = 2OG = 2a. Logo, o lado F’Q intersecta a mediatriz do segmento FQ num ponto P pertencente à elipse e e G é a projeção ortogonal do foco F sobre a reta tangente a e em P. Aplicando-se esse Lema a uma elipse e inscrita no triângulo ABC, obtém-se a validade do seguinte resultado não trivial. Sejam G1, G2, G3 as projeções ortogonais do foco F sobre as retas AB, BC, CA, respectivamente, e G1’, G2’, G3’ as projeções ortogonais do foco F’ sobre as retas AB, BC, CA, respectivamente. Então, os seis pontos G1, G2, G3, G1’, G2’ e G3’ pertencem a uma mesma circunferência – a circunferência principal da elipse e inscrita no triângulo ABC. Finalizamos este trabalho com outra aplicação surpreendente da caracterização geométrica da circunferência principal descrita no Lema acima. Se um ângulo reto do plano euclidiano E varia de modo que seu vértice descreve uma fixada circunferência Γ e um de seus lados passa por um ponto fixo F pertencente ao interior de Γ, então o outro lado desenvolve uma elipse tendo F como um de seus focos e Γ como sua circunferência principal (Observe, na figura acima, à esquerda, o ângulo reto FGP.). É comum dizer, neste caso, que a elipse está definida como a envoltória da família de suas tangentes.
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