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Duas Notícias Espetaculares Compilação e Tradução: Renate Watanabe Primos gêmeos No dia 17 de abril deste ano, 2013, a conceituadíssima revista de pesquisa americana Annals of Mathematics recebeu um artigo escrito por um matemático desconhecido pelos especialistas do seu ramo. No artigo, Yitang Zhang, 50 anos aproximadamente, professor da Universidade de New Hampshire, alegava ter dado um passo gigantesco para a resolução de um dos mais antigos problemas da Matemática, a conjetura dos primos gêmeos, isto é, existe uma infinidade de números primos p e q tais que p – q = 2. Editores de revistas conceituadas estão acostumados a receber alegações grandiosas de autores obscuros, mas esse artigo era diferente. Escrito com clareza cristalina e mostrando total domínio dos desenvolvimentos recentes do problema, tratava-se evidentemente de um trabalho sério. Os editores aceleraram a tramitação do artigo. Três semanas depois – um piscar de olhos em comparação com o tempo usual de tramitação de um artigo na revista –, Zhang recebeu o parecer do referee do artigo: “os principais resultados são de primeira linha; o autor demonstrou um teorema marcante sobre a distribuição dos números primos”. Rumores se espalharam na comunidade matemática dizendo que um grande avanço havia sido feito por um pesquisador que aparentemente ninguém conhecia – alguém cujo talento passou tão despercebido que, após terminar seu doutorado em 1991, não conseguiu obter um emprego na área acadêmica. Trabalhou anos como contador e, também, na rede Subway de sanduíches. “Basicamente ninguém o conhece – disse um especialista em Teoria dos Números da Universidade de Montreal –; agora, subitamente, ele demonstrou um dos grandes resultados na história da Teoria dos Números”. Nas palavras de outro especialista que lera o artigo: “A impressão que se tem é boa, nada está obviamente errado”. Matemáticos da Universidade de Harvard rapidamente fizeram arranjos para que Zhang apresentasse seu trabalho na universidade. A apresentação ocorreu no dia 13 de maio, perante um auditório lotado. À medida que detalhes de seu trabalho emergiam, ficou claro que Zhang conseguiu seus resultados, não por um caminho totalmente novo, mas aplicando com grande perseverança métodos já existentes. Números primos têm fascinado matemáticos desde o tempo de Euclides, que provou há mais de 2000 anos a existência de uma infinidade deles. Números primos estão fundamentalmente associados à multiplicação, por isso entender suas propriedades em relação à adição pode ser complicado. Alguns dos problemas mais antigos de Matemática, ainda em aberto, envolvem questões básicas a respeito de primos e adição. A conjetura dos primos gêmeos é um exemplo e a famosa conjetura de Goldbach – “todo número par, maior do que 2, é a soma de dois números primos”– é outro exemplo. (Por uma incrível coincidência, uma versão mais fraca dessa última conjetura apareceu resolvida on line, enquanto Zhang dava sua palestra em Harvard. Mais detalhes estão na parte final deste artigo.) Dentre os dez primeiros números naturais, 40% são primos (2, 3, 5, e 7), mas, à medida que os números crescem, os primos vão ficando mais raros. Já entre os números de 10 dígitos apenas cerca de 4% são primos. Mesmo assim, primos gêmeos continuam aparecendo, como, por exemplo, 3 e 5, 5 e 7, 11 e 13, 17 e 19, 29 e 31 ou 41 e 43. Também são primos gêmeos 2.003.663.613 × 2195.000 – 1 e 2.003.663.613 × 2195.000 + 1 e o maior par até hoje descoberto 3.756.801.695.685 × 2666.669 – 1 e 3.756.801.695.685 × 2666.669 + 1. Chamando de pk o k-ésimo número primo positivo, considere a sequência (dk), com dk = pk + 1 – pk, isto é, a diferença entre dois primos consecutivos. A tabela a seguir mostra os onze primeiros termos dessa sequência infinita.
A conjetura dos primos gêmeos equivale a dizer que o número 2 vai aparecer uma infinidade de vezes na terceira linha da tabela, isto é, que a sequência (dk) assume o valor 2 uma infinidade de vezes. Isso também pode ser dito como: “a sequência (dk) possui uma subsequência constante, com valor constante igual a 2”. É um fato conhecido por muitos leitores da RPM que, dado qualquer número natural N, existem N números naturais compostos (isto é, não primos) sucessivos, como, por exemplo, (N + 1)! + 2;
divisíveis, respectivamente, por 2, 3, 4, ... , N + 1. Isso mostra que a distância entre dois primos consecutivos pode ficar tão grande quanto se queira, pois basta considerar pk o maior primo menor do que (N + 1)! + 2 e pk + 1 o menor primo maior do que (N + 1)! + N, para ver que a diferença dk = pk + 1 – pk é maior do que N, sendo N tão grande quanto se quiser. Isso também mostra que a sequência (dk) possui pelo menos uma subsequência tendendo a infinito. Naturalmente surge a pergunta: será que a sequência (dk) (como um todo, não somente uma subsequência) tende a infinito, isto é, será que essa diferença fica tão grande quanto se queira, para todo k suficientemente grande? Foi essa pergunta que Zhang respondeu negativamente! Seu artigo mostra que existe um número n, menor do que 70 milhões, tal que existem infinitos pares de primos consecutivos cuja diferença é n. Em outras palavras, Zhang mostrou que a sequência (dk) tem uma subsequência constante, com valor constante n, valor que, por enquanto, ainda não foi determinado, mas que é certamente menor do que 70 milhões. Não importa quão longe se vá no deserto dos verdadeiramente gigantescos números primos – não importa quão raros eles vão ficando –, sempre se acabará encontrando um par de números primos consecutivos cuja diferença é menor do que 70 milhões. A base do resultado obtido por Zhang está em trabalhos anteriores que tentavam provar, sem sucesso, a existência de infinitos pares de primos a uma distância finita um do outro. Mas, embora Zhang tenha conseguido provar que existem infinitos pares de primos cuja diferença é menor do que 70 milhões, ainda não há consenso sobre a possibilidade de eventualmente se usar o método criado por ele para reduzir essa diferença para 2 e assim resolver de vez o problema dos primos gêmeos.
Zhang, um imigrante chinês, fez seu doutoramento na Purdue University, nos Estados Unidos, e sempre se interessou pela Teoria dos Números, embora sua tese de doutoramento versasse sobre um tema de outra área. Durante os difíceis anos nos quais não obteve um emprego na academia, ele continuou acompanhando os desenvolvimentos em Teoria dos Números. Diz ele: “Há muitas chances na sua carreira. O importante é continuar pensando”. Sem se comunicar com os especialistas da área, Zhang começou a pensar no problema dos pares de primos a distâncias finitas. Após três anos, porém, não havia feito nenhum progresso. “Eu estava tão cansado”, conta ele. Para descansar um pouco, no verão passado, Zhang visitou um amigo em Colorado. Lá, no dia 3 de julho, durante uma meia hora de relaxamento antes de ir para um concerto, a solução subitamente lhe apareceu na mente. “Eu percebi imediatamente que iria dar certo”, disse. Precisou ainda alguns meses para desenvolver todos os detalhes, e o artigo final “é um modelo de clareza”, nas palavras de um matemático. “No artigo, ele apresentou todos os detalhes de modo que ninguém pode duvidar do que está escrito”, disse outro. Zhang diz ficar ocasionalmente confuso com a repentina fama. Ele se considera tímido, embora não tenha mostrado timidez na sua palestra em Harvard. Disse: “Quando faço uma palestra ou quando estou concentrado na Matemática, esqueço minha timidez”. Disse também que não guarda ressentimento pela obscuridade de sua carreira até o presente. “Tenho uma mente muito tranquila. Não faço muita questão de dinheiro ou honras. Gosto de ficar muito quieto, trabalhando sozinho.” Zhang já está trabalhando no seu próximo projeto, que ele recusa descrever. “Espero que venha a ser um bom resultado”, disse.
Um adendo Depois do avanço espetacular conseguido por Zhang, num esforço coletivo frenético, outros matemáticos conseguiram rapidamennte aperfeiçoar o método e reduzir, quase imediatamente, a cota obtida por Zhang de 70 milhões, chegando ao valor 5.414, no fim de julho, época em que esta revista foi fechada. Acompanhe a evolução dos resultados em http://michaelnielsen.org/polymath1/index. pois, quando você estiver lendo esta revista, o valor da cota já estará, provavelmente, menor.
Conjetura (fraca) de Goldbach Por uma incrível coincidência, neste ano, no mesmo dia 13 de maio, Zhang apresentava seu trabalho sobre números primos gêmeos na Universidade de Harvard e Harald Andrés Helfgott, um matemático peruano de 36 anos, formado nos Estados Unidos, postava no Arxiv (o servidor de pré-publicações mais utilizado pelos matemáticos) um manuscrito de 133 páginas, contendo o que ele acredita ser uma demonstração da conjetura fraca de Goldbach, um problema que estava aberto há 271 anos. Em 1742, Christian Goldbach, numa carta para Leonard Euler, formulou a conjetura de que todo inteiro maior do que 2 pode ser escrito como soma de três primos. Atualmente, a conjetura está desdobrada em duas partes, a forte e a fraca. A conjetura forte de Goldbach afirma que todo número inteiro par, maior que 2, pode ser escrito como soma de dois primos, e a conjetura fraca de Goldbach afirma que todo número inteiro ímpar, maior do que 5, pode ser escrito como soma de três primos. Se a conjetura (forte) de Goldbach tivesse sido provada, a conjetura (fraca) seria um mero corolário da forte. Pois, dado um número inteiro ímpar 2n + 1, n > 2, podemos subtrair dele o número primo 3, obtendo o número par 2n – 2. Este, se a conjetura forte estivesse provada, seria igual à soma de dois números primos, p1 e p2. Então, de 2n – 2 = p1 + p2, somando 3 a ambos os membros, obteríamos 2n + 1 = p1 + p2 + 3, isto é, o número ímpar seria soma de três primos. Mesmo que a conjetura fraca tenha sido, de fato, provada por Helfgott, ela, infelizmente, não implicará necessariamente a conjetura forte. Sabendo que 2n + 1 = p1 + p2 + p3, p1, p2 e p3 primos, pode-se escrever 2n + 1 – p3 = p1 + p2, isto é, o número par do primeiro membro é a soma de dois primos. Mas não há garantia de que todo número inteiro par pode ser escrito dessa maneira. Uma consequência válida da conjetura fraca é que todo número inteiro par é soma de quatro primos (a demonstração, em uma linha, fica por conta do leitor). Em 1930, já se sabia que a conjetura fraca de Goldbach era válida para todos os números ímpares maiores do que um determinado número C, só (!) faltando provar que ela também valia para números ímpares menores do que C. Assim, se alguém conseguisse testar a validade da conjetura para números ímpares menores do que o gigantesco número C, a validade da conjetura estaria estabelecida. Na ocasião, o número C era da ordem de 106.846.168. Em 2002, o valor de C já havia caído para 101.346, mas ainda era grande demais para testar a conjetura, mesmo usando computadores. Helfgott começou a trabalhar no problema em 2006 e conseguiu baixar o valor de C para 1030, podendo então testar a conjetura usando complicados recursos computacionais. Se o trabalho de Helfgott estiver certo, a demonstração da conjetura fraca de Goldbach será mais um exemplo de um teorema famoso demonstrado com a ajuda do computador.
Fazer avanços num problema estudado pelos matemáticos mais brilhantes do século passado não é tarefa fácil. “Entrei em muitos becos sem saída e uma vez tive que jogar fora um manuscrito de 50 páginas”, conta Helfgott. “Uma das coisas aborrecidas a respeito do problema é não ser um tipo de questão que se possa desenvolver na cabeça enquanto se assiste a um filme ou a um concerto. Mesmo assim, tive algumas boas ideias no chuveiro.” O trabalho de Helfgott ainda não foi detalhadamente examinado por seus colegas de área, mas especialistas em Teoria dos Números se dizem otimistas quanto à validade da demonstração apresentada. Harald Helfgott completou seu doutoramento na Universidade de Princeton, em 2003. Desde então ocupou cargos nas Universidades de Princeton, Yale, Montreal, Bristol e trabalha atualmente na École Normale Supérieure, em Paris. Tem dezenas de trabalhos publicados e é detentor de quatro prêmios acadêmicos. Consta na sua biografia que ministrou cursos intensivos em diversos países, inclusive no Brasil (no verão de 2007 ministrou, no IMPA, o minicurso de duas semanas “Probabilidades e Teoria dos Números”). Uma conexão mais indireta entre Harald Helfgott e o Brasil é que seu pai, Michel Helfgott, passou o ano de 1972 cursando disciplinas de pós-graduação no Instituto de Matemática e Estatística da USP, como bolsista da OEA. Retornou em seguida a Lima, Peru, onde se tornou professor da Universidade de São Marcos. Ocupou essa posição até julho de 1992, quando emigrou para os Estados Unidos. Hoje é professor associado do Departamento de Matemática da East Tennessee State University. Harald Hefgott tinha apenas 14 anos quando se mudou com a família para os Estados Unidos, mas mantém seus vínculos com a terra natal: declarou recentemente em seu blog que aceita comentários em quéchua, língua que ele precisa muito praticar.
Principais fontes [1] Unheralded Mathematician Bridges the Prime Gap, Erica Klarreich, May 19, 2013,
Muitos outros sites foram consultados. Eles são acessíveis, via Google, digitando as palavras "zhang primos gêmeos" e "helfgott conjetura goldbach".
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