Carlos A. Gomes
UFRN

Introdução

Todos sabemos que, se  x  for um número real (ou um ângulo), sen x  (ou cos x )não pode ser maior do que 1. Mas e se  x  for um número complexo?

Na  RPM 77  há o artigo  Por que eix = cos x + i sen x?,  do professor José Paulo Carneiro, em que é exibida uma explicação para a bela igualdade. Motivado por esse artigo, vou mostrar como se utiliza a fórmula de Euler,  eix = cos x + i senx, para estender as funções seno e cosseno para o ambiente dos números complexos e vou então mostrar que algumas equações tais como  sen x = 2,  que não possuem soluções no campo dos números reais, passam a ter (várias) soluções no campo dos números complexos.

 

Função exponencial complexa

No referido artigo da RPM 77, é mencionado que é possível definir a função   f(z) = ez  para todo  z  complexo. Não é nada fácil, mas é possível provar, a partir da definição, usando conceitos de Cálculo Diferencial, que essa função satisfaz as leis usuais dos expoentes. Por exemplo, é verdade que  ez + w= ez . ew,  para todo z e w complexo.  Como todo número complexo z sempre pode ser representado na sua forma algébrica  z = x + yi,  com  x  e  y  números reais,  então, utilizando a fórmula de Euler, segue   ex + iy = ex. eiy= ex(cos y + i sen y),  o que pode ser considerada uma outra maneira de definir a função exponencial complexa.

Note que no caso particular de  z  ser um número real (y = 0), segue 

ez = ex(cos 0 + i sen 0) = ex(1 + i.0) = ex . 1 = ex         

o que mostra que, quando o expoente é real, a exponencial complexa coincide com a exponencial real.

Mas as funções exponencial real e complexa também possuem grandes diferenças. Uma das mais surpreendentes é que a função exponencial complexa é periódica de período  2pi,  pois

ez + 2pi = e(x  +yi) + 2pi
= ex + (y + 2p)i
= ex(cos(y + 2p) + isen(y + 2p))
= ex(cos y + isen y)
= ez

o que nos mostra que  2pi  é o período da função exponencial complexa.

Outra propriedade importante da função exponencial complexa é

ez = ex(cos y + isen y) = ex(cos y + isen y)= ex . 1 = ex,

ou seja, o módulo de  ez  é igual a  e  elevado à parte real de  z.

 

Funções seno e cosseno complexas

Quando  x  é real, novamente pela fórmula de Euler, temos:

eix= cos x + i sen x

e–ix = cos (– x )+ i sen (– x ) =  cos x –  i sen x .

Adicionando e depois subtraindo as duas igualdades acima, obtemos:

cos x = e sen x = .

Motivados por essas igualdades, definimos as funções cosseno e seno complexas, para cada z = x + yi  com  x  e  y  reais,  como sendo

cos z = e sen z = .

Perceba que, se  z  for um número real, as funções cosseno e seno complexas transformam-se nas funções cosseno e seno reais, visto que, se  z = x,  com x  real, segue

cos z = = = cos x

e sen z = = = sen x.

o que mostra que, quando z for real, as funções cosseno e seno complexas coincidem com as funções cosseno e seno reais. Além disso, pode-se mostrar sem grandes dificuldades que as funções cosseno e seno complexas gozam de algumas propriedades análogas às das funções cosseno e seno reais, como, por exemplo,

            cos(– z) = cos z;  sen(– z) = – sen z;

            cos2z + sen2 z = 1;

            cos (z1 ± z2) = cos z1cos z2  sen z1sen z2;

            sen (z1 ± z2) = sen z1cos z2 ± sen z2 cos z1;

            sen(2z) = 2 sen z cos z  e

            cos(2z) = cos2z – sen2z

Vamos mostrar a segunda dessas igualdades:

cos 2z + sen 2z = +

= 1.

 Uma outra forte analogia entre as funções cosseno e seno complexas e as funções cosseno e seno reais é que ambas são periódicas de período  2p,  o que pode ser justificado pelas igualdades:

cos(z + 2p) = = = cos z e

sen(z + 2p) = = = sen z,

visto que

ei(z + 2p) = eiz + 2pi= eiz
e
e i(z + 2p) = e – iz– 2pi = eiz,

pois, como já vimos, a função exponencial complexa possui período  2pi.

Apesar dessas analogias, as funções cosseno e seno complexas também possuem grandes diferenças em relação às funções cosseno e seno reais. Uma das mais marcantes é que as funções cosseno e seno complexas são ilimitadas, ao contrário das funções cosseno e seno reais que cumprem as condições:

– 1 cos x 1  e  – 1 sen x 1

para todo x real.

Por exemplo:

cos i = 1,5431.

E aí está um cosseno maior do que 1!

Mais um exemplo: sabemos que a equação sen z = 5  não possui solução real. No entanto, no campo complexo:

senz = 5   = 5 eizeiz = 10i

eiz – 10i = 0 e2iz – 10ieiz – 1 = 0

(eiz)2 – 10ieiz – 1 =0,

que é uma equação quadrática em eiz. Resolvendo essa equação, obtemos:

eiz = =

5i 2i = (5 2 )i.

Assim, escrevendo  z = x + iy,  sendo  e   y reais:

eiz = ei(x+iy) = e-y+ix =

e-y(cos x + isen x) =

Na equação

ey (cosx +i x) = (5+ 2)i,

como (5 + 2)i é um número imaginário puro e 5 + 2 > 0 , segue

ey = 5 + 2 e x = + 2kπ, k Z.

Portanto,

y = ln(5 + 2) e x = + 2, k Z.

Conclusão:

z = ( + 2) − iln(5 + 2), k  Z.

Procedendo de modo análogo para a equação

ey (cosx +i senx) = (5 − 2)i,

segue que as outras soluções são:

z = ( + 2) − iln(5 − 2), k Z.

Isso nos mostra que, no campo dos números complexos, a equação sen z = 5 possui infinitas soluções.

 

Bibliografia

[1] Posamentier, Alfred. The Art of Problem Solving.    Corwin Press.
[2] Maor, Eli. Trigonometric Deligths. Princeton University Press.
[3] Zill, Dennis G. Curso introdutório de Análise Complexa com Aplicações. LTC.