I – Uma solução interessante

Ricardo César
IFC – Jaguaribe

Gostaria de compartilhar com os leitores da RPM uma experiência que me marcou muito. Em outubro de 2007, quando eu voltava da capital cearense, trazia na bagagem um belíssimo problema de geometria; esse problema havia caído na terceira fase da OBM, nível 2. Vejamos seu enunciado:

Seja  ABC  um triângulo retângulo isósceles.  K  e  M  são pontos sobre hipotenusa  AB,  com  K  entre  A  e  M,  tais que o ângulo KCM = 45°. Prove que   AK2 + MB2 = KM2.

Logo que cheguei de viagem, propus o problema a algumas pessoas que conhecia e o levei aos meus alunos. A solução que lhes apresento agora foi encontrada por uma jovem estudante, muito talentosa, chamada Hévila Santos; tive o prazer de ser seu professor nos anos de 2005 a 2007.

Solução (com requinte algébrico!): Inicialmente, lembremos que, da álgebra, temos

(x + y + z)2 = x2 + y2 + z2 + 2xy + 2xz + 2yz. (*)

Chamando  AKKM  e  MB  de, respectivamente, xy  e  z, queremos provar a igualdade x2 + z2 = y2.

Observando os ângulos assinalados na figura a seguir, vemos que triângulos  ACM  e  BCK  são semelhantes por terem ângulos respectivamente iguais (mas não conguentes, embora tenham um lado de mesma medida).

Assim,  como  AB = BC = l,  temos

ou  l2 = (x + y)(y + z).  (**)

Por outro lado, aplicando o teorema de Pitágoras no triângulo  ABC  e usando (**), temos:

(x + y + z)2 = l2 + l2 = 2 l2 = 2(x + y)(y + z).

Desenvolvendo a expressão acima, com o uso de (*) temos  x2 + z2 = y2.

Há outras soluções, inclusive uma fortemente influenciada pela estética do que queremos provar (observe que   x2 + z2 = y2   lembra um triângulo retângulo!). Sempre que resolvo esse problema, me ocorre: como podemos aprender com nossos alunos! Valeu, Hévila!

 

II – Um polinômio especial

Rosa Maria Andrade Esquef
Camilla Senise

ALPHA – Colégio e vestibulares – Campos, RJ

 

Atuando como coordenadora de Matemática no Colégio, sou procurada por alunos do ensino médio que solicitam ajuda em questões mais elaboradas.Num desses atendimentos, a aluna do 3  ano, Camilla Senise, me relatou: “resolvendo questões sobre polinômios e equações algébricas, observei um determinado tipo de polinômio que apresenta para raiz um valor que pode ser determinado diretamente da leitura dos coeficientes”. Mostrou-me uma folha de caderno com alguns polinômios e suas raízes:

P(x) = x5 + 7x4 + x3 + 7x2 + x + 7;

raiz de  P(x) = 0:  x = – 7;

polinômio resultante da divisão de P(x)  por  x + 7:

Q(x) = x4 + x2 + 1.

P(x) = x7 – 3x6 + x5 – 3x4 + x3 – 3x2x – 3;

raiz de  P(x) = 0:  x = 3;

polinômio resultante da divisão de  P(x)  por  x – 3:

Q(x) = x6 + x4 + x2 + 1.

“Rosa, observei que os polinômios são de grau ímpar e têm coeficientes com sinais alternados (posso, para achar as raízes, sempre considerar o coeficiente do termo de maior grau igual a  1); uma raiz real é sempre o termo independente (coeficiente do termo de grau zero) com sinal trocado. Não consegui encontrar outras raízes para os polinômios. A regra para a raiz real é sempre válida? Quais são as outras raízes?”

Respondi: “Vamos pensar juntas. Vou lhe emprestar livros sobre o assunto e você tenta descobrir as respostas. Nos veremos na próxima semana”.

Na semana seguinte, Camila me surpreendeu com o muito que tinha estudado sobre as equações algébricas, embora não tivesse encontrado respostas para as suas indagações. Então, mostrei a ela a prova de que os polinômios considerados só tem uma raiz real, sendo as outras imaginárias de módulo 1.

Inspirando-se no exemplo

x5 + 7x4 + x3 + 7x2 + x + 7 =

x4(x + 7) + x2(x + 7) + x + 7 = (x + 7)( x4  + x2 + 1),

e generalizando, temos:

xn+ bxn –1+ xn –2+ bxn – 3  + ... + x3+ bx2+ x + b =

xn –1(x + b) + xn – 3 (x + b) + ... + x2(x + b) + x + b =  (x + b)(xn –1 + xn – 3 + ... + x2 + 1),

sendo  n  um natural ímpar e  real não nulo.

Verifica-se que a única raiz real de

(x + b)(xn –1 + xn – 3 + ... + x2 + 1) = 0  é  x = – b,  pois, sendo  n  ímpar,  temos que

xn –1 + xn –2 + ... + x2 + 1   é uma soma de potências pares de  x,  não resultando  zero para nenhum valor real de  x.

Por outro lado, considerando que, para qualquer  natural e  y  real, temos

y p + 1 – 1 = (y – 1)(1 + y + y2 + y3 + ... + yp),  então, se  y ≠ 1,  podemos escrever

  = 1 + y + y2 + ... + y p; portanto,  para  y ≠ 1,  temos

1 + y + y2 + y3 + ... + y p= 0   y p + 1 – 1 = 0.

Se  y = x2,  então

1 + x2 + x4 + x6 + ... + x2p = 0   x2(p + 1) – 1 = 0,  para  x2 ≠ 1.  Logo,  as raízes complexas de

1 + x2 + x4 + x6 + ... + x2p = 0  são as  2raízes complexas, de ordem  2p + 2,  da unidade que são diferentes de  1  e de  –1.      

No exemplo

x7 – 3x6 + x5 – 3x4x3 – 3x2x – 3 = 0,  fazemos:

x6(x – 3) + x4(x – 3) + x2(x – 3) + (x – 3) = 0

(x – 3)(x6 + x4 + x2 + 1) = 0,

obtendo a raiz real  x = 3.  As raízes complexas de

x6 + x4 + x2 + 1 = 0  são as  6  raízes complexas de ordem  8  da unidade, diferentes de 1 e de –1,

ou seja, x = cos + isen, k = 1, 2, 3, 5, 6, 7.