José de Arimatéia Fernandes
UFCG


Introdução

A solução de uma equação quadrática de três termos parece ter excedido de longe as capacidades algébricas dos egípcios. Em 1930, descobriu-se que tais equações haviam sido estudadas pelos antigos babilônios, para resolver alguns problemas muito antigos. Por exemplo, num desses problemas pede-se o lado de um quadrado, em que a área menos o lado é igual a  14,30,  sendo a vírgula usada para separar posições sexagesimais. Os babilônios usavam o sistema sexagesimal de numeração, ou seja, base  60, combinada com base  10.  Assim,  14,30  significava para eles  14.60 + 30 = 870  e, consequentemente, a resolução do problema considerado é equivalente a determinar uma raiz positiva da equação quadrática  x2x = 870,  para o que eles davam as seguintes indicações:

Tome metade de 1,  que é  0;30,  onde se usa o ponto e vírgula para separar a parte inteira da fracionária. Assim,  0;30 significa  0 + 30⁄60 = 0,5.   Multiplique  0;30  por  0;30,  que é  0;15  (0;15  significa  0+ 15/60 =   0,25).  Junte o resultado a 14,30 para obter 14,30;15,  que significa, na base  10,  o número  870,25.  Esse número é o quadrado de  29,5,  que na notação dos babilônios  é  29;30.  Junte agora  0;30  a  29;30  e o resultado é  30.  De fato, na base  10  temos  29,5 + 0,5 = 30,  que é o lado do quadrado.

Assim,  x = 30  é a solução positiva da equação considerada, pois  302 – 30 = 900 – 30 = 870.

Note que as operações indicadas equivalem a tomar

x =

para uma raiz da equação  x2px = q.

Na verdade, cerca de 2000 anos antes da nossa era, os babilônios podiam resolver sistemas de equações da forma

o que equivale à resolução da equação quadrática

x2 ± q = px.

A orientação dos babilônios para resolver o sistema abaixo (com sinal + é análogo):

consistia no seguinte procedimento, já realizado no exemplo acima:

Tomar metade de  p

Quadrar o resultado:

Somar  q  ao resultado obtido: 

Tomar a raiz quadrada do resultado obtido: 

Somar o resultado obtido com a metade de  p:

O resultado obtido é um dos números desejados e o outro é a diferença de  p  para ele:

xp = x – (xy) = y.

Note que um dos números procurados é:

o que está de acordo com a fórmula que ainda hoje utilizamos para encontrar a raiz positiva (os babilônios não conheciam números negativos) da equação x2pxq = 0.

 

O teorema de Pitágoras

Existem provas concretas de que os babilônios antigos conheciam o teorema de Pitágoras. Muitos tabletes de barro datados do período de 1800 a 1600 a.C. foram encontrados, decifrados e hoje se encontram em diversos museus. Um deles, chamado Plimpton 322 (ver figura na seção História e histórias no início da revista), está na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, e o fragmento que foi preservado mostra uma tabela de quinze linhas e três colunas de números.  Os pesquisadores descobriram que essa tabela continha ternos pitagóricos, ou seja, lados de um triângulo retângulo. Como o que restou é apenas um pedaço de um tablete, que deveria fazer parte de um conjunto de tabletes, não se sabe como esses números foram encontrados. Mas uma pista de que os babilônios conheciam alguma forma de encontrar esses números está em um tablete guardado hoje no Museu Britânico.


Tablete (YBC 7289)

Nesse tablete está escrito o seguinte (ver observação sobre a numeração cuneiforme mais à frente):

4  é o comprimento,  5  é a diagonal. Qual é a altura?  4  vezes  4  dá  16;  5  vezes  5  dá 25.  Tirando  16  de  25,  o resto é  9.  Quanto devo tomar para ter  9?  3  vezes  3  dá  9.  3  é a altura.

Isso mostra, sem dúvida, que os babilônios tinham conhecimento da relação entre os lados de um triângulo retângulo. Não há nenhuma demonstração, naturalmente, pois isso ainda estava longe de ser uma preocupação na época. Somente com os gregos é que se iniciaria a Matemática demonstrativa. Os babilônios conheciam “receitas” que davam certo e com elas resolviam inúmeros problemas.

Um outro tablete (YBC 7289) que merece atenção está no museu da Universidade de Yale, nos Estados Unidos. É o único que contém figuras: um quadrado e suas diagonais. Nesse fragmento de tablete que se pode ver acima, o lado do quadrado é igual a 30 na base decimal e o comprimento da diagonal aparece como 42;25,35,  em que se usa a vírgula para separar posições sexagesimais. Logo, o comprimento da diagonal é, na nossa notação decimal,

42 + (25/60) + (35/602).  Isso está de acordo com o teorema de Pitágoras, pois:

42 + = 42,4263889

  x 30

42,4264068.

Portanto, na figura do tablete acima onde aparece  1;24,51,10,  temos na nossa notação decimal

1 + = 1,4142155   = 1,414213...

uma bela aproximação para .

Para melhor compreensão do exposto, vamos dar uma ideia sobre o sistema de numeração cuneiforme usado pelos babilônios em placas de barro posteriormente cozidas.

O sistema de numeração dos babilônios era posicional de base sessenta, usando apenas dois tipos de cunhagem (dois símbolos) para a escrita de qualquer número: o símbolo para a unidade e o símbolo para a dezena. Observe na figura 1 a representação dos números de 1 até 59, e na figura 2, dos números 117, 221, 743 e 3816.

Esse sistema de numeração posicional ressentiu-se, até depois do ano 300 a.C., da falta de um símbolo para o zero que representasse as potências ausentes de 60. Então introduziu-se um símbolo que consistia em duas cunhas pequenas inclinadas; esse símbolo só era usado para indicar uma potência ausente de 60 em posições intermediárias, nunca em posição final. Assim, era um zero parcial. Veja a figura 3.


figura 1

  
figura 2                                                                     

figura 3