FUNÇÕES EM EIXOS PARALELOS

Victor Giraldo

INTRODUÇÃO

Quando pensamos em representações gráficas para funções, nos vem logo à mente um sistema cartesiano de eixos ortogonais, em que marcamos todos os pontos  (x, y)  cujas coordenadas respeitam a lei de formação da função. Essa forma de representação gráfica é largamente usada na escola, por permitir estudar o comportamento de uma função de maneira global. As tecnologias computacionais permitem representar gráficos cartesianos de funções de forma dinâmica, acrescentando um novo ingrediente à abordagem tradicional. Essas tecnologias possibilitam ainda introduzir novas formas de representação na sala de aula, que destacam outros aspectos dos conceitos matemáticos. Por exemplo, você já pensou em representar funções em eixos paralelos?

Como sabemos, uma função real de variável real  f: D    é uma relação que faz corresponder números reais (variável independente) a outros números reais (variáveis dependentes). Para representar uma função em um sistema de eixos, são necessários dois eixos – um para o domínio (em que é representada a variável independente) e outro para o contradomínio (em que é representada a variável dependente). Nesse contexto, chamamos de eixo uma reta em que o conjunto é representado por meio de uma correspondência um a um entre os pontos da reta e os números reais. Para isso, devem ser fixados dois pontos na reta:  O,  a origem, que é associada ao número real  0;  e  U,  associado ao número real  1.  Assim, o segmento  OU  passa a ser a unidade de medida e se estabelece também uma orientação, ou seja, um sentido de crescimento na reta. A bijeção entre os pontos  da  reta  e  os  números  reais  fica  então bem-definida.

No sistema de eixos cartesianos, usualmente, a variável independente é representada no eixo horizontal, a variável dependente no eixo vertical, e a correspondência entre elas é evidenciada pelo ponto  (x, f(x)). Assim, para representar as duas variáveis, tudo de que se precisa são dois eixos. Mas será que é possível desenhar esses eixos em outras posições relativas, em vez de perpendiculares? Será que é possível representar funções em eixos paralelos, por exemplo? A questão, neste caso, é como indicar graficamente a correspondência entre as variáveis, de forma que a variação da função possa ser globalmente percebida (figura 1).


figura 1: Funções em eixos paralelos

 

Representações dinâmicas em eixos paralelos

Em eixos paralelos representados de forma estática, não é muito fácil perceber a variação de uma função. Porém, as tecnologias computacionais oferecem uma alternativa dinâmica para esse tipo de representação. Representações de funções em eixos paralelos em ambientes de geometria dinâmica são às vezes chamadas de dynagraphs (veja, por exemplo, Healy & Sinclair, 2007). Para obter essas representações no Geogebra, faça a construção descrita nos passos a seguir (veja também Giraldo, Caetano, & Mattos, 2013).

1.
Marque os pontos  Ox = (0, 0),  Ux = (1, 0), Oy = (0, 2)  e  Uy = (1, 2).  A maneira mais fácil de fazê-lo é digitar diretamente no campo Entrada. Selecione a opção Fixar Objeto nas Propriedades de cada um desses pontos.
2. Trace as retas  ox,  passando por  Ox  e  Ux;  e  oy, passando por  Oy  e  Uy.
3. Marque um ponto livre  X  na reta.

Os pontos  Ox  e  Ux  representarão as origens e os segmentos  OxUx  e  OyUy  as unidades dos eixos   ox  e  oy,  respectivamente. Note que, na construção descrita aqui, as origens e as unidades dos eixos  ox  e  oy  são posicionadas umas sobre as outras, e a distância entre os dois eixos  é igual 2. O posicionamento das origens e unidades dessa forma facilita a visualização. A distância entre os eixos é arbitrária e você poderá escolhê-la como quiser. Agora, você poderá usar essa tela como base (figura 2) para representar o comportamento de funções reais.


figura 2: Eixos paralelos no Geogebra

 

Exemplo 1

Para representar o comportamento da função f:  R R,   f(x) = x2.

1. No campo Entrada, defina 
s = RazãoAfim[Ox, Ux, X].  (Usamos a letra s, em lugar de  x,  porque, no Geogebrax  é um “símbolo reservado”, isto é, tem um significado específico.)
2. No campo Entrada, defina o ponto  Y = (s2, 2).  Basta escrever  Y=(s2, 2).
3. Construa um segmento ligando os pontos  X  e  Y.

Por meio do comando RazãoAfim, o número   s  é definido como a razão orientada (isto é, munida de sinal) entre os comprimentos dos segmentos  Ox OxUx.  Portanto,  s  corresponde à coordenada do ponto  X  em relação ao eixo  ox.  Agora, você poderá arrastar livremente o ponto  X  e observar o comportamento de sua imagem, representada pelo ponto  Y.   O segmento  XY  serve para tornar visualmente mais explícito o comportamento da função (figura 3).


figura 3: Funções em eixos paralelos dinâmicos

Procure relacionar as propriedades familiares da função quadrática (figura 4) e o comportamento que você observa na representação dinâmica em eixos paralelos. Por exemplo:

O ponto  Y  fica sempre na semirreta que corresponde à parte não negativa do eixo   oy,  e o ponto  Y  descreve o mesmo movimento quando  X  é arrastado do lado direito e do lado esquerdo da origem. No sistema de eixos cartesianos, esse comportamento corresponde à simetria do gráfico de  y = x2  em relação ao eixo das ordenadas.

Quanto o ponto  X  está no interior do segmento   OxUx,  o ponto  Y  fica “mais à esquerda” do que   X.  Isso ocorre porque, se  x ]0, 1[,  então x2 < x.

Essas propriedades da função quadrática são em geral familiares para os alunos no começo do ensino médio, mas a experiência com o software pode proporcionar uma nova perspectiva para a sua compreensão.

De forma mais geral, representações dinâmicas em eixos paralelos oferecem diversas possibilidades interessantes para a sala de aula do ensino médio. Essas formas de representação permitem observar, de uma perspectiva diferente da usual, a variação de funções reais e algumas de suas propriedades importantes, tais como: regiões, crescimento e decrescimento, descontinuidades, assíntotas horizontais e verticais.

É possível também representar quantas funções quisermos em um mesmo sistema de eixos paralelos (figura 5). A dinâmica do movimento quando arrastamos o ponto  X  permite comparar o comportamento das funções. Por exemplo, se são representadas duas funções reais  f  e  g,  é possível visualizar, por meio das posições relativas dos segmentos que ligam  X  a  Y,  os valores de  x  para os quais se tem  f (x) < g(x),  g(x) < f (x),  e as soluções da equação  (quando as extremidades superiores se encontram).


figura 5: Comparando funções em eixos
paralelos dinâmicos

Podemos ainda usar as representações dinâmicas em eixos paralelos para analisar o comportamento de funções menos familiares.

 

Exemplo 2

Considere a função  f : R* R,  f(x) = . Ao se aproximar o ponto  X  de  Ox,  vê-se o ponto  Y  se aproximando muito de  Oy,  sem tocar a origem (figura 6). Ao se aproximar o ponto  X  de  Ox,  e depois atravessar para o lado negativo do eixo, vê-se o ponto  Y  afastando-se de  Oy  para a direita, e depois “reaparecendo” do outro lado do eixo  oy  (figura 7). Esses comportamentos correspondem, respectivamente, aos limites finitos de  f  no infinito, e aos limites infinitos de  f  em zero.

Se representarmos funções com várias assíntotas, tais como  f(x) = tan x  em eixos paralelos dinâmicos, observaremos o comportamento de “se afastar para um lado e reaparecer do outro” diversas vezes.

figura 6: O comportamento de f(x) = quando
x + e quando x - , em eixos paralelos dinâmicos

 

figura 7: O comportamento de f(x) = quando
x 0  (pela direita e pela esquerda), em eixos paralelos dinâmicos

 

Exemplo 3

Considere a função  f : ,  que a cada número real associa a parte inteira de  x,  isto é, maior número inteiro menor ou igual a  x.  No Geogebra, essa função é representada pelo comando floor. Ao representar a função parte inteira em eixos paralelos dinâmicos, vemos um movimento “quebrado” do segmento  XY,  que está associado às descontinuidades da função (figura 8, composta pelos cinco quadros a seguir).


figura 8: O comportamento da função parte inteira
em eixos paralelos dinâmicos

Nos exemplos apresentados até aqui, explorou-se o comportamento de funções conhecidas, dadas previamente. Outra atividade interessante para a sala de aula consiste em propor o contrário: dar representações dinâmicas em eixos paralelos e pedir que os alunos adivinhem que funções são representadas, a partir da exploração da dinâmica da representação. Atividades desse tipo – que podem ser apresentadas na forma de jogo para a turma – estimulam uma atitude investigativa por parte dos alunos, levando ao enriquecimento do conhecimento matemático. Um jogo com objetivos semelhantes, Como b depende de a?, está disponível no site Conteúdos Digitais para o Ensino e Aprendizagem de Matemática e Estatística. (http://www.uff.br/cdme/).

 

Breves considerações finais

Um ganho pedagógico em apresentar novas formas de representação está em convidar os alunos a investigarem características e propriedades dos objetos matemáticos de pontos de vista diferentes daqueles com os quais estão acostumados. Assim, pode-se estabelecer para os estudantes oportunidades de revisitar, sob uma nova ótica, objetos matemáticos familiares e de conhecer novos conceitos. As ideias e conclusões que surgem a partir de explorações desse tipo, desde que cuidadosamente orientadas pelo professor, contribuem para um aprofundamento significativo da aprendizagem. As tecnologias computacionais oferecem recursos que possibilitam ampliar a gama de propriedades estudadas e o próprio universo de exemplos apresentados em sala de aula.

 

Veja algumas sugestões de atividades com representações dinâmicas em eixos paralelos no site da RPM: http://www.rpm.org.br

 

 

REFERÊNCIAS RECOMENDADAS

Giraldo, V.; Caetano, P.; Mattos, F. Recursos computacionais no ensino de Matemática. Rio de
      Janeiro: SBM/Coleção PROFMAT, 2013 (no prelo).
Healy, L.; Sinclair, N. If this is our mathematics, what are our stories?. International Journal of
      Computers for Mathematics Learning, no 12, p. 3–21, 2007.
Conteúdos Digitais para o Ensino e Aprendizagem de Matemática e Estatística. Site da Internet
      http://www.uff.br/cdme/ (visitado em 13/03/2013).

 

Nota: Veja no site (www.rpm.org.br) da RPM a animação do Geogebra relativa a este artigo.