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ÁLGEBRA E GEOMETRIA: NÚMEROS COMANDANDO PONTOS Maria Alice Gravina e
INTRODUÇÃO Os diferentes softwares que já temos à disposição para o ensino da matemática escolar permitem mudanças nas nossas rotinas de sala de aula. A maior mudança, muito além do simples uso do laboratório de informática da escola, é quanto às novas perspectivas para a sala de aula – têm-se novos objetivos nas aprendizagens de conteúdos, são novas formas de abordagem que permitem tratar de conceitos que usualmente não são abordados no currículo tradicional. Podemos propor aos alunos atividades que provocam, de forma muito natural, momentos de intenso raciocínio matemático, com consequente aprendizado de conteúdos. Mas para que isso aconteça é de fundamental importância um planejamento de atividades com objetivos de aprendizagem bem-definidos. Neste artigo trazemos ideias que podem servir como ponto de partida para um plano de ensino de figuras geométricas em sistemas de coordenadas cartesianas. Na escola, normalmente a integração da Geometria com a Álgebra acontece no estudo da geometria analítica – é quando retas e círculos são tratados por meio de equações, a saber, y = ax + b e a(x – x0)2 + (y – y0)2 = r2 – esse um conteúdo do ensino médio. Com o software livre GeoGebra é possível iniciar, ainda no ensino fundamental, o estudo de figuras em sistemas de coordenadas. Tal antecipação de ideias da geometria analítica pode propiciar aprendizagens mais interessantes e desafiadoras para os alunos – e esse é um dos grandes ganhos que se têm quando se faz um adequado uso de software nas aulas de Matemática. Na atividade que propomos a seguir, “Números comandando pontos”, de início os alunos aprendem como funciona um sistema de coordenadas cartesianas e depois aprendem como desenhar segmentos que são comandados por números. Entendidos os conteúdos de Matemática, os alunos têm as competências necessárias para fazer, de forma divertida, “desenhos surpresa” que integram Álgebra e Geometria. (Para manipular os “desenhos surpresa” vá, em http://www.ufrgs.br/espmat, no link Biblioteca Virtual no material Álgebra e Geometria: números que comandam pontos.)
Na figura 1 trazemos exemplos de “desenhos surpresa”: com a alteração do número a, o desenho da casa vai sendo produzido – o ponto verde traça o chão, os pontos laranja traçam as paredes e os pontos rosa traçam os segmentos que compõem o telhado. O desenho do barco também vai sendo composto conforme é manipulado o número a. Neste artigo, apenas por uma questão de organização, de início apresentamos os conteúdos de Matemática que o professor precisa discutir com os alunos e depois explicamos como fazer os desenhos no GeoGebra. É claro que essa não é a abordagem recomendada para sala de aula. É pertinente, e também mais interessante, desenvolver com os alunos os conteúdos em paralelo com as construções no GeoGebra. De fato, esse é um dos pontos a serem observados quando se faz uso de softwares: os recursos que neles estão devem ser utilizados em contextos de aprendizagem.
SISTEMAS DE COORDENADAS Na figura 2 temos duas retas perpendiculares e em cada uma delas estão marcados, de forma igualmente espaçada, pontos que são colocados em correspondência com os números ...–4, –3, –2, –1, 0, 1, 2, 3, 4 ... A reta horizontal é o eixo OX e a reta vertical é o eixo OY. Com essa correspondência entre os pontos das duas retas e os números reais, podemos associar pontos do plano a pares de números. Aos pontos coloridos verde, laranja, rosa e cinza, da figura 2, associamos os pares de números: V = (3, 2) L = (–2, 1)
Esses pares de números são chamados de coordenadas dos pontos. Para obter as coordenadas do ponto verde V, assim procedemos:traçamos retas perpendiculares aos eixos, passando pelo ponto V, e neles identificamos os números que correspondem aos pontos de intersecção com as retas – no eixo OX é o número 3 e no eixo OY é o número 2. Para o ponto L, temos: o ponto de intersecção da reta perpendicular ao eixo OX corresponde ao número –2 e o ponto de intersecção da reta perpendicular ao eixo OY corresponde ao número 1. Da mesma forma determinamos as coordenadas dos pontos R e C.
SEGMENTOS HORIZONTAIS E VERTICAIS
Na figura 3 temos segmentos horizontais e verticais. Cada um dos segmentos pode ser descrito por meio das coordenadas dos pontos que os compõem. Imagine que o segmento verde é desenhado pelo ponto verde V: conforme V se desloca, a sua primeira coordenada se mantém sempre igual a 3; já a segunda coordenada assume valores entre –3 e 3. Resumimos essa informação da seguinte forma: V = (3, a) com a um número real entre –3 e 3 Os pontos que desenham os segmentos laranja, rosa e cinza são: L = (a, 1) com a um número real variando entre –4 e 0; R = (a, –1.5) com a um número real variando entre –4 e –1; C = (1.5, a) com a um número real variando entre –2 e 4.
SEGMENTOS INCLINADOS Na figura 4 estão desenhados os segmentos verde, rosa e laranja, com diferentes inclinações. figura 4 - Segmentos com inclinação positiva Observando as informações que estão no sistema de coordenadas, temos que os pontos que desenham esses segmentos são: V = (a, a), R = (a, 2a) e L = (a, 1/2.a), sendo a um número real variando entre –2 e 2. Os exemplos anteriores mostram que para desenhar um segmento não vertical, com maior ou menor inclinação, basta tomar um ponto do tipo (a, ka), sendo k um número real convenientemente escolhido, e então fazer o número a variar*.
A reflexão dos segmentos verde, rosa e laranja em torno do eixo OX resulta nos segmentos com inclinação negativa que estão desenhados na figura 5. Os pontos que desenham esses segmentos são: V = (a, –a), R = (a, –2a) e L = (a, –1/2.a), sendo a número real variando entre –2 e 2.
DESLOCANDO PONTOS HORIZONTALMENTE E VERTICALMENTE Para trabalhar com figuras em coordenadas cartesianas é importante entender como se produzem, no plano, movimentos horizontal e vertical. Na figura 6 temos V = (x, y) e b e c indicam as medidas dos segmentos destacados. Na primeira figura, o ponto rosa R corresponde a um deslocamento horizontal, para a direita, do ponto verde V e assim R = (x + b, y); já o ponto laranja L corresponde a deslocamento horizontal, para a esquerda, do ponto verde V e assim L = (x – c, y). Na segunda figura, o ponto rosa é um deslocamento vertical, para cima, do ponto verde V e assim R = (x, y + b); o ponto laranja L é um deslocamento vertical, para baixo, do ponto verde V e assim L = (x, y – c).
DESLOCANDO SEGMENTOS Uma vez entendido o deslocamento de pontos, vamos movimentar segmentos. A figura 7 ilustra diferentes movimentos do segmento verde. O segmento rosa corresponde a deslocamento horizontal, de duas unidades para a esquerda, do segmento verde; o segmento laranja corresponde a deslocamento vertical, de uma unidade para cima, do segmento verde; o segmento cinza corresponde a deslocamentos sucessivos aplicados ao segmento verde – um horizontal para a esquerda e outro vertical para cima.
Os pontos que desenham esses segmentos são: V = (a, a), R = (a – 2, a), L = (a, a + 1) e C = (a – 2, a + 1), com a número real variando entre 0 e 3. Os exemplos acima mostram que, para deslocar o segmento verde desenhado por V = (a, a), basta tomar um ponto do tipo (a + n, a + m), sendo n e m números reais convenientemente escolhidos, e fazer o número a variar.
PRIMEIROS DESENHOS NO GEOGEBRA Com o que já sabemos, podemos realizar uma primeira atividade do tipo “Números comandando pontos”. No GeoGebra, a atividade fica particularmente interessante quando se faz uso do recurso “Seletor” – um número a variando em certo intervalo. Segmentos variados podem ser desenhados sob o comando do mesmo número a. É assim que foram desenhadas as composições da figura 8.
Vejamos como fazer a composição rosa no GeoGebra. Inicialmente é feita a construção do “Seletor”(figura 9):
Com o mesmo procedimento feito acima, criamos um novo ponto com coordenadas (a, 2) para desenhar o segundo lado horizontal do retângulo; para desenhar os lados verticais são criados os pontos (0, a/2) e (4, a/2), relembrando aqui que a variação de a foi escolhida entre 0 e 4. Para o quadrado rosa temos: os pontos (1, (a/2) + 2) e (3, (a/2) + 2) desenham os lados verticais; o ponto ((a/2) + 1, 4) desenha o lado horizontal superior. Para a composição verde, o Seletor tem variação entre 0 e 3. O lado superior do quadrado maior é um segmento de comprimento 6 unidades começando no ponto (–3, 3). Assim, o ponto que desenha esse segmento é (2a – 3, 3). De imediato obtemos o ponto que desenha o lado inferior do quadrado: (2a – 3, –3). Os segmentos laterais são desenhados pelos pontos (–3, 2a – 3) e (3, 2a – 3). Agora vamos nos concentrar nos segmentos inclinados do quadrado menor: inicialmente imaginamos no sistema de coordenadas o segmento s que seria desenhado pelo ponto (a, a) e aplicamos convenientes deslocamentos nesse segmento: o ponto (a, a – 3) desenha o lado que corresponde ao deslocamento de s de três unidades para baixo; o ponto (a – 3, a) desenha o segmento que corresponde ao deslocamento de s de três unidades para a esquerda. Agora imaginamos o segmento t que seria desenhado pelo ponto (a, –a) e obtemos, analogamente, via deslocamentos de t, os pontos que desenham os outros dois segmentos do quadrado menor: (a, –a + 3) e (a – 3, –a).
“DESENHOS SURPRESA” NO GEOGEBRA A característica do “desenho surpresa” é ter-se um desenho se formando via manipulação do Seletor. Ou seja, o desenho se compõe a partir da variação de um único número real a – e para que isso aconteça é preciso identificar as relações algébricas a serem informadas na definição das coordenadas dos diferentes pontos que realizarão o desenho. Na casa da figura 1, os segmentos que compõem o desenho são similares àqueles que estão na composição verde da seção anterior, e assim deixamos ao leitor o convite para fazer essa construção.
Para desenhar o barco foi construído um Seletor com o número real a variando entre 0 e 4 e, nesse desenho, o que se tem de novo, sob o ponto de vista das relações algébricas, é o desenho da “vela” rosa. O ponto R desenha o segmento superior da “vela” e o sistema de coordenadas informa que esse segmento tem inclinação negativa (–1/3). Como R é comandado pelo número a, precisamos ajustar a variação de sua primeira coordenada: enquanto a assume valores entre 0 e 4, a primeira coordenada de R assume valores entre 0 e 3. Assim, a primeira coordenada de R é (3/4)a. Sabendo que o segmento tem inclinação (–1/3) e que tem extremo no ponto (0, 6), a segunda coordenada é ((–1/3).(3/4)a + 6). Assim, R = ((3/4)a, (–1/3).(3/4)a + 6). O segmento rosa paralelo ao que é desenhado por R, iniciando no ponto (0, 3), vai ser desenhado por R2 = ((3/4)a, (–1/3).(3/4)a + 3). O segmento vertical da “vela” com comprimento 3 e com extremo no ponto (3, 2) é desenhado por R1 = (3, (3/4 )a + 2).
COMENTÁRIOS FINAIS O leitor deve ter observado que uma atividade do tipo “Números comandando pontos” pode ser implementada na escola, com diferentes níveis de exigência. Uma atividade elementar pode ser direcionada para a construção de quadrados e retângulos com lados paralelos aos eixos, até mesmo usando mais de um Seletor para uma mesma figura. Desenhar uma figura, mesmo que simples, usando um único Seletor já exige certa organização de raciocínio matemático. O desenho de figuras com segmentos inclinados (como a composição verde de quadrados que foi apresentada) exige mais dos raciocínios matemáticos que fazem a transposição de relações geométricas para relações algébricas. Os “desenhos surpresa” podem variar muito em complexidade. O mais importante é o fato de que tal atividade provoca o uso da álgebra no contexto da geometria. Para programar os desenhos no Geogebra, de forma a obter na tela a figura geométrica idealizada, é necessário que os alunos explorem matematicamente as relações algébricas que geram objetos geométricos. Explorações dessa natureza podem ser mais efetivas que exercícios com papel e lápis, uma vez que o software fornece uma resposta com a qual os alunos podem interagir concretamente. As relações algébricas que foram usadas para definir os pontos que desenham a “vela” do barco, em uma primeira vista d’olhos, podem parecer complicadas, mas elas foram deduzidas com o apoio de raciocínios geométricos e estão repletas de significado – elas refletem raciocínios geométricos envolvendo segmentos inclinados e deslocamentos desses segmentos. No GeoGebra, a construção de “desenhos surpresa” pode se tornar um desafio para os alunos e, assim, o engajamento na atividade vem da determinação em resolver um problema que se colocaram – não é mais o professor que está exigindo a resolução do problema. Portanto, é com entusiasmo que eles se colocam em processo de aprendizagem, no caso integrando conteúdos de Álgebra e Geometria.
* Observamos que a afirmação “os pontos da forma (a, ka) desenham um segmento” pode ser demonstrada via semelhança de triângulos.
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