Chico Nery
Colégio FAAP – Ribeirão Preto e
Colégio San Conrado – Campinas



Há muitos anos leciono quase que exclusivamente para alunos de ensino médio que estão prestes a entrar numa faculdade. Incomoda-me cada vez mais a quase total ignorância deles em relação às propriedades dos números naturais: paridade, primalidade, divisibilidade, mmc, mdc, etc. Penso que esse assunto, apesar de fazer parte do conteúdo tradicional da Matemática do ensino fundamental, deveria ser reincorporado ao conteúdo da Matemática do ensino médio.

Um aluno com idade entre 15 e 18 anos já está suficientemente maduro para entender várias das propriedades dos números naturais, inclusive suas demonstrações e aplicações na resolução de interessantes problemas. Acredito até que a aritmética dos números naturais seja uma das partes da Matemática mais sedutoras no sentido de atrair o estudante para o universo dos números, ou seja, para o estudo da Matemática.

Vamos então ao assunto propriamente dito.

1.

Sendo 21 = 3 × 7, podemos afirmar que 21 é múltiplo de 3 e 7, e tanto o 3 como o 7 são divisores de 21.

Quando montamos a “tabuada” de algum número natural, estamos obtendo os seus múltiplos, por exemplo:

3 × 1 = 3, 3 × 2 = 6, 3 × 3 = 9,
3 × 4 = 12, 3 × 5 = 15, ...

a tabuada do 3 gera os seus infinitos múltiplos1:

M(3) = {3, 6, 9, 12, 15, ...}

2.

Consideremos um número natural, por exemplo o 42, e todas as maneiras de escrevê-lo como um produto de dois números naturais: 42 = 1 × 42 = 2 × 21 = 3 × 14 = 6 × 7

Reunindo esses fatores que “produzem” o 42, obtemos o conjunto dos divisores dele:

D(42) = {1, 2, 3, 6, 7, 14, 21, 42}

Quando um número p é primo, ele possui apenas dois divisores: D(p) = {1, p}.

Exceto o zero, todo número natural n tem um conjunto finito de divisores, onde o menor elemento é o 1 e o maior é o próprio n.

3.

À primeira vista pode parecer que a quantidade de divisores (naturais) de um número natural n seja “par”, já que para obter os divisores dele vamos formando “duplas” de produto n, mas isso não é verdade por causa dos “quadrados perfeitos”. Observemos, por exemplo, o 16:

16 = 1 × 16 = 2 × 8 = 4 × 4

Numa das “duplas”, os dois fatores coincidem. D(16) = {1, 2, 4, 8, 16} (5 divisores).

Portanto, para os “quadrados perfeitos” a quantidade de divisores é ímpar.

4.

A quantidade de divisores de um número natural é facilmente determinável, bastando para isso escrevê-lo na forma canônica, isto é, decompô-lo em fatores primos.

Tomemos como exemplo o número 72:

72 = 23.32

Para que um número natural seja divisor de 72, ele, decomposto, deve ser da forma 2α.3β, com α podendo ser 0, 1, 2 ou 3, e β podendo ser 0, 1 ou 2. Se α pode assumir 4 valores e β pode assumir 3 valores, o par de expoentes (α, β) pode produzir, aplicando o Princípio Multiplicativo, 4.3 = 12 possibilidades e, portanto, o número 72 possui 12 divisores, que são:

20.30, 20.31, 20.32, 21.30, 21.31, 21.32, 22.30,
22.31, 22.32, 23.30, 23.31, 23.32

ou seja, D(72) = {1, 3, 9, 2, 6, 18, 4, 12, 36, 8, 24, 72}.

Analogamente, se um certo número natural n, decomposto em fatores primos, for tal que:

n =

os divisores de n serão da forma n = com α podendo assumir os α + 1 valores de 0 a α e β podendo assumir os β + 1 valores de 0 a β e, portanto, esse número n terá (α + 1).(β + 1) divisores.

Notemos que a quantidade de divisores de um número natural não depende dos fatores primos que o compõem, e sim dos expoentes desses fatores.

Esse raciocínio é nitidamente generalizável, ou seja, se um número natural n for tal que

a quantidade de divisores de n será igual a

Q(n) = (α1 + 1).2 + 1). ... .(αn + 1).

5.

Para o produto dos divisores de um número natural também podemos estabelecer uma “fórmula”. Tomemos o número 42 como exemplo. As duplas de fatores naturais que produzem o 42 são

1.42, 2.21, 3.14 e 6.7.

Notemos que o produto dos divisores do 42 é:
P(42) = 1.42 . 2.21 . 3.14 . 6.7 = 42.42.42.42
P(42) = 424.

Nesse resultado, o expoente 4 é exatamente a metade da quantidade de divisores do 42, sugerindo que a “fórmula” para o cálculo do produto dos divisores de um número natural n seja

P(n) = n

Essa ideia é claramente generalizável para qualquer n natural que não seja um quadrado perfeito.

Caso n seja um quadrado perfeito, vejamos o que ocorre, tomando como exemplo o número 36, cuja quantidade de divisores é 9.

36 = 1.36 = 2.18 = 3.12 = 4.9 = 6.6, então

P(36) = 1.36 . 2.18 . 3.12 . 4.9 . 6 = 36 . 36 . 36 . 36 . 6

P(36) = 364.361/2 = 369/2, ou seja, P(36) = n

Continua valendo a “fórmula”

P(n) = n

6.

A soma dos divisores de um número natural também poder ser expressa por uma “fórmula”. Tomemos como exemplo o número 200 em sua forma canônica: 200 = 23.52.

Os seus divisores são:

20.50, 20.51, 20.52, 21.50, 21.51,
21.52, 22.50, 22.51, 22.52, 23.50, 23.51, 23.52

cuja soma S(200) é:

S(200) = 20.50 + 20.51 + 20.52 + 21.50 + 21.51 + 21.52 +
22.50 + 22.51 + 22.52 + 23.50 + 23.51 + 23.52
= 20(50 + 51 + 52) + 21(50 + 51 + 52) +
22(50 + 51 + 52) + 23(50 + 51 + 52)
= (20 + 21 + 22 + 23)(50 + 51 + 52).

As duas somas 20 + 21 + 22 + 23 e 50 + 51 + 52 são somas de duas progressões geométricas, uma de razão 2 e a outra de razão 5, e ambas com o primeiro termo igual a 1.

Lembrando que a fórmula da soma dos n primeiros termos de uma PG é dada por Sn = , podemos concluir que:

S(200 ) = .

Para o aluno se convencer da generalidade dessa ideia, eu ainda usaria como exemplo o cálculo da soma dos divisores de mais um número, do 1800: 1800 = 23.32.52, mostrando, de trás para frente, que o produto

(20 + 21 + 22 + 23)(30 + 31 + 32)(50 + 51 + 52),

ao ser distribuído, gera exatamente a soma dos 36 divisores de 1800, e daí podemos escrever

S(1800 ) = .

Se nesse momento do curso o aluno entender e aceitar que, para um número natural n =, o produto

gera a soma de todos os divisores de n e, que, portanto:

S(n) =

já me dou por satisfeito, afinal ele ainda não é um estudante universitário num curso de Teoria dos Números, mas apenas um estudante de ensino médio e que talvez nem siga uma carreira no campo das exatas.

Com o conteúdo exposto até aqui, acredito mesmo que as sementes do assunto em questão – “Aritmética dos números naturais” – foram bem plantadas, pois o aluno aprendeu a escrever um número natural na forma canônica, a achar seus divisores, quantos são eles, qual é o produto e qual é a soma deles.

Já é um bom conhecimento da “aritmética dos números naturais” e, de posse disso, podemos resolver uma quantidade enorme de exercícios, no sentido de desenvolver o raciocínio do aluno e o seu gosto pela Matemática.

 

Exercícios

1. Quantos divisores positivos possui o número 5400? Quantos deles são ímpares?
2.
O número 720 possui vários divisores positivos.
a) Quantos são eles?
b) Qual é o produto deles?
c) Qual é a soma deles?
d) Se esses divisores forem colocados em ordem decrescente, qual deles ocupará a 25 posição?
e) Qual é a soma dos inversos deles?
3. Qual é o menor número natural que possui 12 divisores positivos?

 

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1 Nada impede que consideremos o zero como um número natural e, como 3 × 0 = 0, o zero é também múltiplo de 3,     como é, na verdade, múltiplo de todos os números naturais.