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PAINEL I: APRENDENDO COM OS ALUNOS Gilberto Garbi
Sempre que conto a meus alunos a célebre história do menino Gauss calculando a soma 1 + 2 + 3 + ......+ 100 = 5.050 por meio de um belo raciocínio, em vez de partir para o trabalho braçal, como fizeram seus colegas, costumo lembrá-los de que a Matemática é muito rica em alternativas e que convém meditar sobre uma questão antes de escolher o caminho para resolvê-la: alguns podem ser extremamente mais simples do que outros. Esse conselho, entretanto, é muito mais fácil de dar do que de seguir... Recentemente, um leitor escreveu-me pedindo ajuda para resolver uma questão proposta em uma Olimpíada de Matemática (OBMEP 2011 – 1 fase do nível N3): Eu o resolvi da seguinte maneira: Sejam VA, VB e VC as velocidades dos corredores e d o comprimento da pista. Então, quando A cruzou a linha de chegada, o tempo transcorrido havia sido ; nesse ínterim, B e C haviam corrido, respectivamente, . . Como o produto dessas três relações é 1, caí em uma equação do segundo grau apenas em d e deduzi que d = 96 m. “Para não privar o leitor do prazer da descoberta” (Descartes) desse pequeno truque, escrevi a ele dando-lhe algumas pistas, sem contudo dar-lhe a solução completa, e pedi-lhe que não desistisse até resolvê-la. No dia seguinte, ele me enviou sua solução: – Quando A cruzou a linha de chegada, B e C haviam percorrido (d – 36) e (d – 46) metros. Essas distâncias são proporcionais a suas velocidades. – Depois que A cruzou a linha de chegada, B percorreu os 36 m que faltavam e, no mesmo intervalo de tempo, C percorreu 46 – 16 = 30 m. Essas distâncias são, também, proporcionais às velocidades de B e C. Logo, , de onde d = 96. Só me restou dar-lhe efusivos parabéns e escrever este pequeno texto.
PAINEL II: MAIS UM NÚMERO MÁGICO Eudes Antonio da Costa O interesse em aprender pode ser despertado no aluno por meio de jogos (enigmas, truques, mágicas, etc.) que harmonizam conhecimento e prática dos conceitos passados em sala de aula. Neste texto apresentaremos um problema, O número mágico 1089, que pode ser encontrado em [1]:
Exemplo: consideremos o número 843. 843 – 348 = 495 Desvendando a mágica Primeiramente, lembramos que, no sistema de numeração posicional decimal, escrevemos um número natural como adição de parcelas de potências de 10 multiplicadas por números de um algarismo. Por exemplo, 15.495 pode ser escrito como 15.495 = 1×104 + 5×103 + 4×102 + 9×101 + 5×100. Sejam agora a, b e c os algarismos dois a dois distintos do número escolhido. Considerando a > c, para fazer a subtração abc – cba devemos escrever: a×102 + b×101 + c×100 – (c×102 + b×101 + a×100). Por termos c < a, necessitamos reescrever deslocando uma dezena de b×10 para a unidade c, assim: abc – cba = [a×102 + (b – 1)×10 + (c + 10)] – Agora, deslocamos uma centena de a×102 para (b – 1)×10 por ser menor do que b×10. Assim, abc – cba = [(a – 1)×102 + (b – 1)×10 + 102) + O próximo passo é pegar o número xyz e adicionar o “contrário” zyx: xyz + zyx = [(a – c –1) ×102 + 9×10 + (c – a +10)] + Assim, não importando qual o número escolhido, formado com 3 algarismos distintos, os cálculos indicados sempre resultam 1089, que é considerado mágico por essa razão. Deixamos como desafio ao leitor procurar outros números mágicos que resolvam o mesmo problema para números com 4 ou mais algarismos.
Referência
PAINEL III: RESOLVENDO PROBLEMAS COM O TEOREMA DE PTOLOMEU Ricardo Cesar da Silva Gomes Embora o teorema de Ptolomeu já tenha sido abordado em edições anteriores da revista, julgamos interessante retomá-lo neste texto apresentando aplicações variadas. Relembrando o enunciado do teorema:
Para que o leitor possa ver a incrível beleza que há no teorema de Ptolomeu, exibiremos alguns problemas que podem ser resolvidos com o auxílio do teorema, apresentando a solução de três deles e deixando a solução dos outros para o leitor.
Problema 1 Use o teorema de Ptolomeu para mostrar que se d e l representam, respectivamente, as medidas da diagonal e do lado de um pentágono regular, então . Solução: Sejam A, B, C, D e E os vértices consecutivos do pentágono. Como todo polígono regular é inscritível, podemos usar o teorema no quadrilátero ABDE, obtendo Sendo AE = AB = DE = l e AD = BE = BD = d, temos Resolvendo essa equação do 2 grau (em d, por exemplo), chega-se à expressão .
Problema 2 Seja P um ponto sobre o menor arco AC da circunferência circunscrita a um triângulo equilátero ABC. Prove que PB = PA + PC.
Problema 3 Se P pertence ao menor arco AB da circunferência circunscrita a a) um pentágono regular ABCDE, então b) um hexágono regular ABCDEF, então
Problema 4 Seja ABCD um losango inscritível de lado 1 e P um ponto sobre o menor arco CD da circunferência circunscrita. Prove que PD2 + PC . PA = 1. Solução: O único losango inscritível é o quadrado; logo, AC é um diâmetro da circunferência e AC = . Usando o teorema de Ptolomeu no quadrilátero ACPD, temos: . PD + 1 . PC = PA . DC = PA . 1 = PA ou . PD = PA− PC ou, ainda, 2PD2 + 2PA . PC = PA2 + PC2. Por outro lado, o triângulo APC é retângulo; então, pelo teorema de Pitágoras, PA2 + PC2 = AC2 = ()2 = 2, o que garante PD2 + PA . PC = 1.
Problema 5 Use o teorema de Ptolomeu para demonstrar o teorema de Pitágoras.
Problema 6 (Olimpíada de maio) Sobre o lado AB de um quadrado ABCD é desenhado exteriormente o triângulo retângulo ABF, de hipotenusa AB. Sabe-se que AF = 6 e BF = 8. Chamando de E o centro do quadrado, calcule o comprimento de EF. Solução: No triângulo AFB temos AB2 = 36 + 64, e então AB = 10 e AE = EB = = 5. Sabemos que as diagonais do quadrado são perpendiculares; logo, o quadrilátero AEBF é inscritível (por quê?). Portanto, pelo teorema de Ptolomeu, temos: AB . EF =10 . EF = 6(5)+ 8(5) = 70, ou EF =7.
Problema 7 Prove que, se ABCDEFG é um heptágono regular convexo, então:
PAINEL IV: PROSTAFÉRESE: MOTIVAÇÃO E CONCEITO Marcelo Reis da Silva Um problema clássico em Astronomia, Cartografia e Navegações surge da necessidade de se estimar a menor distância que alguém percorreria ao se deslocar de um ponto a outro sobre a superfície de uma esfera. Essa distância é conhecida como distância esférica e pode ser obtida considerando-se a circunferência máxima da esfera que passa pelos pontos de partida e chegada da jornada. Na figura, os pontos A e B possuem respectivamente latitudes φ1 e φ2 e diferem de λ em relação à longitude. A fórmula que relaciona essas grandezas com a medida d do ângulo que subentende o arco AB é obtida aplicando-se conceitos de trigonometria esférica e é dada por: cos d = sen(φ1)sen(φ2) + cos(φ1)cos(φ2)cos(λ) Analisando a expressão cos d = sen(φ1)sen(φ2) + cos(φ1)cos(φ2)cos(λ), percebemos que os cálculos de distâncias esféricas, sem calculadoras ou computadores, dependem de um árduo trabalho. No início do século XVII, para agilizar o processo, apareceu o método da prostaférese, termo derivado das palavras gregas prosthesis (soma) e aphaeresis (subtração, remoção). O próprio nome diz que o processo permite efetuar cálculos a partir da substituição de produtos por somas e subtrações. Fórmulas da prostaférese 2.sen( )cos = senα + senβ 2.cos( )sen = senα – senβ 2.cos( )cos = cosα + cosβ 2.sen( )sen = cosα – cosβ Por exemplo, no caso φ1 = 70o, φ2 = 80o, e λ = 50o, teríamos Usando as fórmulas, podemos substituir 2.sen(70o)sen(80o) = cos(–10o) – cos(150o) = Então, sen(70o)sen(80o) 0,9254165. Analogamente, usando a prostaférese para o produto 2.cos(70o)cos(80o), obtemos Considerando o raio da Terra igual a 6.378 km, a distância esférica entre A e B, tais que φ1 = 70o, φ2 = 80o e λ = 50o, é aproximadamente 1.725 km.
Demonstração geométrica das fórmulas da prostaférese O objetivo principal deste painel é apresentar uma demonstração geométrica, diferente das demonstrações algébricas usuais, das fórmulas mencionadas. Vamos começar pela soma cos α + cos β. Tomamos dois triângulos retângulos ABC e CDE, com hipotenusas medindo 1, o primeiro com um dos ângulos agudos de medida α e o segundo com um dos ângulos agudos de medida β. Alinhando os catetos AC e CD, correspondentes a cos α e cos β, respectivamente, obtemos a figura abaixo na qual a medida do segmento AD é cos α + cos β.
Na figura 1, o triângulo CEB é isósceles; portanto, ρ = . Como CF = α, temos θ = α − = . No triângulo CEH, temos EH = cosρ = cos( ), ou seja, BE = 2.cos( ). Mas e então cosα + cosβ = 2.cos cos. Além disso, EF = senα − senβ = BE senθ = 2.cos sen. ou seja, senα − senβ = 2.cos sen. Para a identidade envolvendo sen α + sen β, vamos “juntar” os catetos AC e CD da figura 1, adjacentes aos ângulos α e β, de forma que os vértices opostos a esses catetos estejam em semiplanos distintos em relação à reta que os suporta, obtendo a figura 2. Dessa forma, com o prolongamento de um dos catetos opostos, ED, obtém-se o segmento ET cujo comprimento é igual a sen α + sen β.
Temos sen α + senβ = 2.sen cos. A fórmula para cos α – cos β vem do fato de que cos α – cos β = AD = BT = BE.senδ = 2.sen( )sen, cos α – cos β = 2.sen sen, O emprego do método da prostaférese associado às demonstrações apresentadas, baseadas em conceitos básicos da geometria dos triângulos retângulos, conjuga de maneira ímpar aspectos algébricos e geométricos de Matemática elementar que podem ser apreciados até mesmo por alunos em fase de transição do ensino fundamental para o ensino médio. Por último, o cálculo de distâncias esféricas, principal motivação para o surgimento da prostaférese, constitui excelente oportunidade de integração curricular entre a Matemática e a Geografia.
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