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ESTRADA DIVIDE TERRENO Maria Elisa E. L. Galvão
Em 1670 Sawaguchi Kazuyuki escreveu o Kokon Sampo-ki – Métodos antigos e novos em Matemática, um trabalho com sete livros, os três primeiros sobre a matemática usual de seu tempo, os seguintes sobre problemas propostos por seus antecessores. Na resolução de vários dos problemas aparecem somente as equações a eles relacionadas, sem a solução completa, pois algumas delas eram equações polinomiais cujos graus eram maiores do que dois ou três. Um dos problemas considerados por Sawaguchi em seu livro foi proposto no Dokai-sho, de Nozawa Teicho ( 1664): Um pedaço de terra retangular de dimensões 300 m e 132 m será igualmente dividido por uma estrada (cinza) entre quatro pessoas: três partes quadradas de mesma dimensão e uma parte retangular. Encontrar as dimensões das partes. O método algébrico utilizado na solução foi chamado de método do “elemento celestial” e apareceu, pela primeira vez, no tratado “Kangenki” de Sato Sieko (1666). Sato mostrou que o problema admitia duas soluções, o que levou Kawaguchi a considerar as possibilidades de mais de uma solução para problemas simples em Matemática, o que não era esperado na época.
Para encontrar as soluções, vamos chamar de x o lado do quadrado. Usando o comprimento do retângulo, podemos afirmar que a largura da estrada será . A região retangular superior terá, portanto, dimensões 300 e 132 – x – , respectivamente, para o comprimento e a largura. Como as áreas são iguais, teremos que 150(x – 36) = x2. As soluções dessa equação são x = 90 ou x = 60. Para x = 90, a largura da estrada será 15 e a região retangular superior terá largura 27, como na figura 1. Se x = 60, a estrada terá largura também igual a 60 e o terreno retangular terá dimensões 300 m e 12 m. Essa solução está ilustrada na figura 2.
UM SANGAKU DIFÍCIL Licio H. Bezerra – UFSC No Japão, durante mais de duzentos anos a partir da segunda metade do século XVII, matemáticos profissionais e amadores elaboravam problemas geométricos em tábuas de madeira. Essas criações ficaram conhecidas como sangaku, que significa, literalmente, Matemática na tábua. Os sangaku eram simultaneamente obras de arte, oferendas religiosas e um registro do que poderíamos chamar de matemática popular. Milhares de sangaku foram criados e pendurados em templos budistas e santuários xintoístas no Japão. A coleção inteira de problemas contidos nessas tábuas é conhecida hoje em dia no Japão como Geometria do Templo ou Matemática Sagrada. Não se sabe ao certo quantos foram produzidos, mas os que existem atualmente são em torno de novecentos. No século XX, o matemático japonês Hidetoshi Fukagawa e Tony Rothman resolveram coletar e apresentar alguns desses problemas para o Ocidente, publicando-os em um livro [1]. Nele, os problemas são classificados como fáceis e difíceis. A maioria dos problemas é resolvida no livro. Porém, há um problema que foi deixado totalmente em aberto no livro, o problema 18, o último do capítulo de problemas difíceis. Esse problema foi colocado em 1850 no templo Ushikawa Inari na cidade de Toyohashi: Seja ABC um triângulo retângulo tal que o ângulo reto esteja em B. Considere o círculo nele inscrito de raio r. Seja A’B’C’ um triângulo retângulo tal que B, C’, C, B’ estejam em uma mesma linha, o cateto A’B’ seja tangente ao círculo dado, assim como a hipotenusa A’C’. Agora, considere os quatro círculos inscritos nos novos triângulos formados, de raios r1, r2, r3 e r4, conforme aparece na figura abaixo. Mostre que r1.r3 = r2.r4. A seguir apresentamos uma resolução desse problema, em que utilizamos semelhança de triângulos, propriedades de uma circunferência inscrita em um triângulo e trigonometria.
Resolução Considere as construções que aparecem na figura a seguir. Note que os ângulos A’MP e NMA são congruentes, pois são opostos pelo vértice, assim como os ângulos CPB’ e A’PM. Temos também que os segmentos A’B’ e AB são paralelos e o segmento AC é transversal a essas paralelas. Com isso, podemos dizer que os ângulos CPB’ e NAM são congruentes, pois são correspondentes. Assim, podemos concluir que os triângulos A’MP e NMA são semelhantes. Agora, vamos calcular o perímetro desses triângulos. O perímetro do triângulo A’MP é igual a A’M + MT ’ + T ’P + A’P. Mas temos MT ’ = MT, pois são segmentos de tangentes ao círculo de raio r que partem do mesmo ponto. Analogamente, temos T ’P = P’P. Logo, o perímetro é, na verdade, igual a A’T + A’P’. Como A’P’ e A’T são tangentes ao círculo de raio r que partem do mesmo ponto, os comprimentos deles são iguais. Ou seja, o perímetro é 2.A’T. Analogamente, temos que o perímetro do triângulo NMA é 2.AT ’. Sabemos que a razão entre os raios dos círculos inscritos em triângulos semelhantes é igual à razão de semelhança entre os triângulos. Assim, obtemos a seguinte relação: Agora, considere o triângulo A’OC’. De acordo com a figura acima, α + β = π/4, pois os segmentos A’O e C’O são bissetrizes dos ângulos B’A’C’ e B’C’A’, respectivamente. Utilizando a tangente da soma de arcos, temos: tg(α + β) = tg(π/4) = 1= . (A’T)(C’T) – r2 = r(A’T + C’T) = r(A’C’) Analogamente, no triângulo COA temos que (AT ’)(CT ’) = r(r + AC) (2) Relacionando (1) e (2), podemos dizer que (3) Voltando a utilizar a razão entre os raios dos círculos e os perímetros dos triângulos, temos:
Analogamente, temos: Ou seja, . A expressão (3) nos permite dizer que
REFERÊNCIA [2] Fukagawa, H. e Rothman, T. Sacred Mathematics. New Jersey: Princeton University Press, 2008.
Nota da RPM Ao leitor interessado na história dos sangakus, sugerimos a leitura do artigo Sangaku – A Geometria sagrada de autoria de Cláudio Arconcher, na RPM 49, 2002. Nesse artigo, além de um relato histórico, são apresentados seis outros sangakus e a solução de um deles caracterizado como um sangaku para a sala de aula.
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