Ana Paula Jahn
Vincenzo Bongiovanni


Uma figura pouco trabalhada no ensino fundamental é o quadrilátero “pipa” ou também chamado de “papagaio”. Ele permite explorar a propriedade da mediatriz e a simetria axial.

Várias são as definições desse quadrilátero. Uma delas, adotada neste texto, é:

Pipa é um quadrilátero que tem
dois pares de lados consecutivos congruentes.

Uma propriedade interessante desse quadrilátero é que as diagonais são perpendiculares entre si. De fato, os pontos A e C são equidistantes das extremidades do segmento DB. Logo, pertencem à mediatriz do segmento DB. Isso significa que a reta AC é perpendicular ao segmento DB e passa pelo seu ponto médio. Além disso, os ângulos ADC e ABC são congruentes já que os triângulos ADC e ABC são congruentes (LLL).

Uma atividade interessante que pode ser explorada com alunos do ensino fundamental é a seguinte:

Dado um trapézio isósceles, obter a natureza do quadrilátero determinado pelas bissetrizes de seus ângulos internos. Justifique a sua resposta.

A construção nos leva a um quadrilátero pipa. Para justificar tal fato, observa-se que os triângulos MDQ e NBP são congruentes (caso ALA). Logo, os catetos QD e PB são congruentes. Como A é equidistante de Q e P, pois o triângulo PAQ é isósceles, então AQ = AP. Então

AD = AQ QD = AP PB = AB.


Quadrilátero pipa a partir de um trapézio isósceles

Analogamente, da congruência dos triângulos MDQ e NBP resulta que DM e BN são congruentes. Como C é equidistante de M e N, pois o triângulo MCN é isósceles, resulta que CM = CN. Então CD = CM MD = CN BN = CB. Logo, o quadrilátero ABCD é uma pipa. Pode-se observar que a construção fornece uma pipa especial (dois ângulos opostos são sempre retos). Uma outra tarefa interessante é investigar quais construções, a partir de um trapézio isósceles, permitem obter todas as pipas.


Diferentes configurações
da relação trapézio
isósceles e pipa

Essa atividade modificada pode ser apresentada aos alunos sob forma de caixa-preta, ou seja, os dois quadriláteros (trapézio e pipa) são construídos por meio de um software de geometria dinâmica (Geogebra, Cabri, iGeom, ...) e apresentados aos alunos sem lhes revelar a estratégia de resolução – a construção das bissetrizes. O aluno deverá modificar os elementos que formam o trapézio e analisar os seus efeitos sobre a pipa. A tarefa do aluno consistirá em reconstruir a figura dada, ou seja, construir a pipa a partir do trapézio isósceles. Esse tipo de atividade pode motivar o aluno a fazer conjecturas e justificar propriedades. É uma abordagem experimental possível nesse tipo de ambiente dinâmico. De fato, graças às funcionalidades e ao aspecto dinâmico do ambiente, os alunos podem explorar a figura dada, buscando identificar propriedades e relações.

Na figura ao lado, vemos algumas das possíveis modificações do trapézio isósceles inicial e consequentemente da pipa que podem ser exploradas em geometria dinâmica.

Cabe observar que a mesma construção permite obter também a pipa não convexa (figura abaixo) RASC. Para isso basta considerar as outras intersecções das bissetrizes.

Essa atividade foi inspirada na caixa-preta que relaciona um paralelogramo e o quadrilátero obtido por meio das intersecções de suas bissetrizes internas (ver figura a seguir). Aliás, numa sequência de ensino visando explorar quadriláteros notáveis, essa atividade pode anteceder o trabalho com o quadrilátero pipa e constituir uma base interessante para a descoberta de propriedades e relações entre os quadriláteros num ambiente de geometria dinâmica, próprio para esse fim.

O quadrilátero MNPQ é retângulo, o que pode ser justificado analisando qualquer um dos triângulos obtidos com a intersecção de duas bissetrizes consecutivas e dois vértices. De fato, por exemplo, o triângulo APB é retângulo em P, pois sendo A e B suplementares, os ângulos PAB e PBA são complementares. Logo, no triângulo tem-se APB reto. Além disso, pode-se deformar o paralelogramo em um retângulo, obtendo-se, como quadrilátero, um quadrado. E essa deformação também é possível a partir do trapézio isósceles.


Bissetrizes de um paralelograma

A pipa também pode ser utilizada na pavimentação do plano. O matemático Roger Penrose foi um dos primeiros a utilizar pipas (convexas e côncavas) para fazer ladrilhos que pavimentam o plano. Para isso, utilizou uma pipa com três ângulos de 72o e um de 144o e uma pipa côncava com dois ângulos de 36o e um de 72o – chamadas respectivamente de Quadrilátero de Conway e Flecha de Conway (ver figura a seguir).

Em termos didático-pedagógicos, a experiência tem mostrado que a representação de tais quadriláteros, bem como a construção da pavimentação do plano em um ambiente de geometria dinâmica, constitui uma atividade bastante rica e motivadora para os alunos. Essa situação, em particular, pode ser explorada na continuação da sequência anterior que introduz o quadrilátero Pipa e permite explorar suas propriedades.


Pavimentação utilizando ladrilhos Penrose

Como se pode observar, a reunião das cinco pipas convexas como na figura abaixo fornece um decágono regular. Novas explorações podem ser propostas a partir dessa constatação e referentes à construção de pavimentações do plano.


Pipas formando um decágono regular

 

Bibliografia

Barbosa, R. M. Descobrindo padrões em mosaicos. São Paulo: Atual, 1993.
Veloso, E. Geometria: temas atuais. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional, p. 216-221, 1998.

Nota
Sugerimos também a leitura do artigo Ladrilhando o plano com quadriláteros, na RPM 51, de autoria de Sérgio Alves.