INSTRUMENTOS ARTICULADOS QUE DESENHAM CÔNICAS

Lúcia Resende Pereira
Valdir Bonfim
UFU/Uberlândia - MG


Nos séculos XV e XVI, a presença de sistemas articulados na Geometria intensificou-se e, com o passar dos anos, surgiu uma diversidade de mecanismos capazes de traçar as mais sofisticadas curvas.

Alguns instrumentos podem ser confeccionados pelos alunos em sala de aula, com a ajuda do professor, o que representa uma alternativa de aprendizagem significativa devido à possibilidade de visualização do traçado da curva, feito de forma dinâmica. Acreditamos que tais construções, utilizando-se madeira, parafusos e lápis, podem ser feitas numa aula de laboratório de uma escola, como uma atividade para acompanhar o estudo das cônicas na Geometria ou Geometria Analítica do ensino médio.

Neste artigo, apresentaremos alguns aparatos que desenham seções cônicas. A justificativa de concepção e funcionamento de cada um deles será baseada na caracterização geométrica ou analítica das cônicas.

 

PARABOLÓGRAFO: INSTRUMENTO ARTICULADO
PARA TRAÇAR PARÀBOLAS

Na foto e na figura a seguir, as retas r e s são paralelas. Os pontos C e C’ deslizam sobre r e s, respectivamente, de forma que o segmento CC’ seja sempre perpendicular a essas paralelas. O quadrilátero ABCD é um losango articulado com AB = BC = CD = DA. O vértice A do losango é fixo. O vértice C, oposto ao vértice A, desliza sobre r. Os outros dois vértices, B e D, determinam a reta d, que intersecta o segmento CC’ no ponto P.

À medida que C desliza sobre r, o ponto P descreve uma parábola com foco A e diretriz r. Conforme você verá a seguir, tal instrumento foi apropriadamente construído de tal forma que, ao se deslocar o mecanismo sobre uma reta (diretriz), o ponto P (em que se acopla o lápis) percorre um “caminho” que é uma parábola.

Para justificar esse processo, observe que os triângulos PAB e PCB são congruentes pelo caso de congruência LAL, já que os ângulos AP e CP são iguais. A congruência implica PA = PC. Assim, o ponto P é equidistante de um ponto fixo (A) e de uma reta fixa (r), ou seja, seu lugar geométrico é a parábola de foco A e diretriz r.

 

ELIPSÓGRAFO: INSTRUMENTO
ARTICULADO PARA TRAÇAR ELIPSES

Na foto e no desenho a seguir, PAQB é um losango articulado de lado l. O vértice P do losango é vinculado a um ponto fixo M, o qual é o centro de uma circunferência λ de raio PM = r, representada, na foto, pela “tramelinha”. Os pontos E e F, fixados nos lados do losango PA e PB, respectivamente, são escolhidos a uma mesma distância do ponto P e podem deslizar sobre o trilho horizontal que aparece na foto e que, na figura, é a reta g.

Vamos mostrar que, quando P percorre a circunferência λ, os pontos E e F movem-se forçados a deslizar sobre o trilho g, o vértice Q do losango (onde se acopla o lápis) descreve uma elipse, que possui um semieixo igual ao raio da circunferência λ e o outro semieixo com comprimento dependendo da escolha dos pontos E e F.

Para justificar que a curva desenhada é uma elipse, vamos usar coordenadas.

Sejam PA = PB = QB = QA = l e PE = PF = d.

Adotamos um referencial cartesiano com o eixo X sobre a reta g e o eixo Y perpendicular à reta g, passando pelo ponto M. Nesse sistema de coordenadas, sejam P = (a, b) e Q = (x, y).

Traçamos os segmentos PQ e AB, que se cortam no ponto R. Indicamos por S o ponto de interseção da reta g com o segmento PQ.

Da semelhança entre os triângulos PSF e PRB, temos:

, que implica PR = .

Vamos agora determinar a medida do segmento QS para obter a ordenada do ponto Q:

QS = RS + QR = PR PS + QR = PR PS + PR =
2PR PS = 2(lb/d) – b = (2lb bd)/d = b(2l d)/d.

Faremos = c, uma constante que depende das dimensões do instrumento e da posição dos pontos fixos E e F. Assim, QS = cb.

Como os pontos P e Q têm mesma abscissa, temos x = a. A ordenada, y, de Q no sistema escolhido é –QS = –cb.

A distância do ponto P = (a, b) ao ponto M = (0, h), centro da circunferência λ, é r, o seu raio. Portanto, a2 + (b h)2 = r2. Fazendo a substituição

a = x  e  b = , obtemos

x2 + = 1.

Podemos concluir daí que o ponto Q descreve uma elipse que possui um semieixo igual ao raio da circunferência e outro cujo comprimento depende das medidas do instrumento e da escolha dos pontos E e F.

 

HIPERBOLÓGRAFO: INSTRUMENTO
ARTICULADO PARA TRAÇAR HIPÉRBOLES

Na foto a seguir, ABCD é um losango articulado de lado a com os vértices A e C vinculados a um trilho vertical s.

O ponto M, tal que CM = AM = b, sendo b < a, pode se movimentar sobre o trilho inclinado r. Vamos mostrar que, quando o ponto M percorre a reta r, os pontos A e C deslizam sobre a reta s e os pontos B e D (acoplados com pontas de lápis) descrevem os dois arcos de uma hipérbole.

Seja O o ponto de interseção das retas r e s.

Fixado um referencial cartesiano com origem O e o eixo Y coincidente com a reta s, sejam M = (m, n) o ponto que percorre a reta r e D =( x, y) o ponto que percorrerá uma parte do ramo direito da hipérbole.

Na figura, CD = a, CM = b, PM = m e PD = x. Aplicando o teorema de Pitágoras aos triângulos CPM  e  CPD, obtemos CM2PM2 = CD2PD2. Daí, segue que b2m2 = a2x2, ou seja, m2 = x2 − (a2b2).

Fazendo a2b2 = c2, ficamos com m2 = x2c2.

A reta r tem equação da forma y = kx e, como o ponto M = (m, n) pertence a essa reta, temos n = km, ou, ainda, n2 = k2m2. Como os pontos M e D têm mesma ordenada, faremos as substituições: m2 = x2c2 e n = y.

Ficamos com y2 = k2 (x2c2) ou

=1,

que é a equação de uma hipérbole. Observe que, como B é simétrico de D em relação a O, quando D percorre o ramo direito da hipérbole, B percorre o ramo esquerdo. Ainda, uma das assíntotas dessa hipérbole é a reta y = x = kx, que é a reta r.

Acreditamos que a construção dos sistemas articulados engloba a percepção de movimentos, a manipulação e a experimentação, o que desperta o interesse dos alunos e aguça a curiosidade em compreender os conceitos envolvidos na construção, impedindo com isso o caráter superficial na abordagem das cônicas. Fica como sugestão ainda a utilização de softwares de geometria dinâmica para reforçar as ideias nos processos de construção, onde, porém, não existem limitações.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] Ávila, G. A hipérbole e os telescópios. RPM 34 − SBM, 1997.
[2] Boyer, C. B. História da Matemática. São Paulo: Edgard Blücher e EdUSP, 1974.
[3] Dante, L. R. Matemática. São Paulo: Editora Ática, 2008. Volume único.
[4] Sallum, E. M.; Raphael, D. M.; Garcia, S. R. L. Aparatos que desenham curvas. III
      Bienal da Sociedade Brasileira de Matemática, 2006.
[5] Valladares, R. J. C. Elipses, sorrisos e sussurros. RPM 36 − SBM, 1998.
[6] Wagner, E. Por que as antenas são parabólicas. RPM 33 − SBM, 1997.