MULHERES PIONEIRAS NA MATEMÁTICA NO BRASIL

Mariana Feiteiro Cavalari

INTRODUÇÃO

A participação feminina (ou a ausência dela) na história da Matemática tem atraído, há algum tempo, a atenção de muitos matemáticos, educadores matemáticos e professores dessa disciplina.

Dessa forma, foram muito difundidas as biografias de algumas mulheres que, desde a antiguidade até o início do século XX, enfrentaram variados obstáculos para poder se dedicar ao estudo da Matemática. Dentre essas, destacamos Hipátia de Alexandria (370?-415?), Emilie de Breteuil (Marquesa du Châtelet) (1706-1749), Maria Gaetana Agnesi (1718-1799), Caroline Herschal (1750-1848), Sophie Germain (1776-1831), Mary Faifax Somerville (1780-1872), Augusta Ada Lovelace (1815-1852), Sophia Kurvin-Krukosvsky Kovalevskya (1850-1891), Charlotte Angas Scott (1858-1931) e Emmy Noether (1882-1935). Na RPM 30 e RPM 33 foram publicados dois artigos – As mulheres na Matemática e ... E elas finalmente chegaram, de autoria de Daniel C. Moraes Filho, apresentando dados biográficos de algumas dessas mulheres.

São pouco conhecidas, entretanto, as biografias de mulheres que se dedicaram à Matemática no decorrer do século XX, em especial a partir da sua segunda metade. Destacamos que nesse século houve um aumento expressivo da presença feminina entre os matemáticos em diferentes países.

No Brasil, as mulheres começaram a aparecer no cenário matemático no final dos anos 1940. Este texto tem o intuito de apresentar algumas informações biográficas de quatro mulheres – Maria Laura Mouzinho Leite Lopes, Marília Chaves Peixoto, Elza Furtado Gomide e Ayda Ignez Arruda – que foram pioneiras na pesquisa em Matemática em instituições de ensino superior no Rio de Janeiro, em São Paulo e no Paraná.

 

MARIA LAURA
MOUZINHO LEITE
LOPES (1917 -)

Filha de Oscar Mouzinho e Laura Moura Mouzinho, Maria Laura nasceu em 18 de janeiro de 1917, em Timbaúba dos Mocós, Pernambuco.

Cursou o primário no Grupo Escolar João Barbado em Recife e o secundário no Instituto Lafayette, na cidade do Rio de Janeiro, e no Colégio Sion, em Petrópolis.

Concluiu o bacharelado em Matemática em 1941 e no ano seguinte a licenciatura na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (FNFi), precursora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Destacamos que Maria Laura tinha ingressado no curso de Matemática da Escola de Ciências do Distrito Federal – UDF, posteriormente transferido para a recém-criada FNFi.

Em 1942, iniciou sua carreira docente como professora assistente da cadeira de Geometria do Departamento de Matemática da FNFi. No decorrer desse ano, dividiu as funções e os rendimentos com a professora Moema Lavínia Mariani de Sá Carvalho. Concomitantemente com essa atividade, na década de 1940, a professora Maria Laura lecionou Geometria Analítica na Escola Técnica do Exército.

Tornou-se doutora em Ciências (Matemática) pela FNFi em 1949, após defender a tese de livre-docência em Geometria, intitulada Espaços projetivos – Reticulados de seus subespaços.

Nesse período, o decreto no 8.659/1911 concedia o título de doutor ao acadêmico aprovado em um concurso de livre-docência. A tese da professora Maria Laura foi realizada sob a supervisão do professor Antônio Aniceto Monteiro (1907-1980) e foi a segunda tese defendida por uma mulher no Brasil.

Em 1953, foi admitida como professora catedrática de Geometria da FNFi e, posteriormente, devido à Reforma Universitária (Lei 5540/68), tornou-se professora titular do Instituto de Matemática da UFRJ.

No final da década de 1960, a professora Maria Laura e seu marido, o físico José Leite Lopes (1918-2006), foram compulsoriamente aposentados nessa Universidade, pelo Ato Institucional número cinco (AI-5). Por essa razão, deixaram o Brasil e instalaram-se em Estrasburgo na França. Nesse país, a professora Maria Laura realizou estudos sobre o Ensino de Matemática – área de pesquisa que posteriormente passou a ser denominada Educação Matemática – e atuou como professora visitante do Instituto de Pesquisa em Ensino de Matemática na Universidade Louis Pasteur de Estrasburgo.

Ao retornar ao Brasil, foi contratada como professora titular da Universidade Santa Úrsula e, em 1980, recebeu anistia e pôde voltar a trabalhar no Departamento de Matemática da UFRJ. Iniciou nessa universidade um projeto em Educação Matemática denominado “Fundão”, do qual foi coordenadora.

Em 1996, foi agraciada com o título de professora emérita da UFRJ e, no ano seguinte, aposentou-se nessa Universidade ao completar 70 anos. Foi, então, contratada como professora titular aposentada e como pesquisadora titular da Fundação Universitária José Bonifácio – FUJB/UFRJ. Atuou no Curso de Mestrado em Educação Matemática da Universidade Santa Úrsula.

Na década de 1950, foi uma das primeiras mulheres eleitas como membro associado da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Foi uma das fundadoras do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e, ainda, é membro fundador da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), da qual é presidente de honra. A professora Maria Laura realizou estudos nas áreas de Geometria e Ensino de Matemática.

Em reconhecimento ao seu trabalho, em 2010 recebeu o título de comendadora da Ordem Nacional do Mérito Científico.

Destacamos que a professora Maria Laura teve relevante atuação na consolidação da Educação Matemática como área de pesquisa no Brasil.


MARÍLIA CHAVES
PEIXOTO (1921-1961)

Marília de Magalhães Chaves, também conhecida como Marília Chaves Peixoto, concluiu, em 1943, o curso de Engenharia na Escola Nacional de Engenharia da Universidade do Brasil. No decorrer de sua graduação, assistiu, como ouvinte, juntamente com Leopoldo Nachbin (1922-1993) e Maurício Matos Peixoto (1921- ), às aulas do curso de Matemática dessa instituição.

Iniciou a docência como monitora na Escola Nacional de Engenharia e, posteriormente, nessa instituição, lecionou Cálculo e Mecânica. Foi também docente em cursos proferidos no CBPF.

Em 1948, a professora Marília tornou-se livre-docente em Cálculo Diferencial e Integral pela Escola Nacional de Engenharia com a tese intitulada On inequalities y’’’ G (x, y, y’, y”). Em decorrência do decreto n°. 8.659/1911, ela obteve o título de doutora em Ciências (Matemáticas). A professora Marília Peixoto foi a primeira brasileira a obter esse título por uma instituição brasileira.

Realizou investigações na área de Equações Diferenciais e elaborou um livro sobre Cálculo Vetorial, que foi publicado pela Escola de Engenharia da UFRJ. Publicou, em parceria com o professor Maurício Peixoto, algumas pesquisas matemáticas, dentre as quais destacamos o artigo Structural stability in the plane with enlarged boundary condition, divulgado em 1959 nos Anais da ABC. Esse foi uma das referências utilizadas pelo professor Maurício M. Peixoto na formulação do Teorema de Peixoto.

Em 1951, Marília Peixoto tornou-se membro associado da seção de Ciências Matemáticas da ABC, transformando-se na primeira brasileira eleita para essa academia. Apesar disso, a documentação sobre sua participação na ABC, e sobre sua biografia é praticamente inexistente. Marília Chaves Peixoto faleceu ainda jovem, em 1961. Ela é, entretanto, frequentemente citada como uma pioneira na realização de pesquisas matemáticas em território nacional.

 

ELZA FURTADO
GOMIDE (1925- )

Elza Furtado Gomide, filha de Cândido Gonçalves Gomide e Sophia Furtado Gomide, nasceu em São Paulo em 20 de agosto de 1925. Sua educação básica foi realizada na capital paulista.

Concluiu o bacharelado em Física, em 1944, e no ano seguinte o bacharelado em Matemática, ambos os cursos na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL da USP).

Iniciou a carreira docente em 1945, nessa faculdade, como primeira assistente do professor Omar Catunda na cadeira de Análise Matemática. A professora Elza foi a primeira docente do Departamento de Matemática da USP de São Paulo.

Obteve o doutorado em Ciências (Matemática), pela FFCL da USP, em 1950, com a defesa do trabalho intitulado Sobre a hipótese de Artin-Weil, realizado sob a orientação do professor Jean Frédéric Auguste Delsarte (1903-1968), matemático do grupo Bourbaki que, nesse período, lecionava na FFCL. No início dos anos 1960, realizou estudos de pós-doutorado na área de Geometria e Topologia no Instituto Henri Poincarè, em Paris, sob a supervisão de Charles Ehresmann (1905-1979).

Em meados da década de 1960 foi contratada como professora regente da cátedra de Cálculo Infinitesimal da FFCL da USP. No final dessa década, em decorrência da reforma universitária, foi transferida para o Departamento de Matemática do recém-criado Instituto de Matemática e Estatística (IME – USP).

Atuou na USP por cinco décadas e, ao completar 70 anos, foi aposentada compulsoriamente. A partir de então permaneceu em atividade, atuando como professora voluntária até o ano 2000.

Nessa Universidade, foi duas vezes eleita chefe do Departamento de Matemática do IME – USP e teve fundamental participação na criação de uma matriz curricular própria para o curso de licenciatura em Matemática. Participou fortemente da criação e organização de cursos de Especialização e de Nivelamento para professores e alunos de Matemática. Foi docente de várias disciplinas desses cursos.

Traduziu diversas obras, sobretudo na área de Cálculo e Análise, que foram amplamente utilizadas na formação de matemáticos no Brasil. Também traduziu, na década de 1970, uma importante obra da área de História da Matemática.

A professora Elza realizou pesquisas nas áreas de Análise, Topologia e Geometria e, ainda, se dedicou a estudos nas áreas de Educação Matemática e História da Matemática.

Trabalhou como professora visitante em diversas instituições nacionais. É uma das fundadoras do Centro de Aperfeiçoamento do Ensino de Matemática João Pascarelli – CAEM, pertencente ao IME – USP.

É sócia fundadora da Sociedade de Matemática de São Paulo, da qual foi vice-presidente, e da Sociedade Brasileira de Matemática. Foi sócia da Sociedade de Matemática da França. Participou ativamente dos primeiros Colóquios Brasileiros de Matemática e da fundação do CBPF.

Destacamos a relevância da atuação da professora Elza na Matemática na USP e no cenário nacional.


AYDA IGNEZ
ARRUDA (1936-1983)

Ayda Arruda nasceu em 27 de junho de 1936, em Lages – SC, filha de Lourenço W. Arruda e Isabel Pereira do Amarante. Cursou, em sua cidade natal, o ginásio no Colégio Diocesano e o curso normal na Escola Normal Vidal Ramos.

Concluiu, em 1958, o bacharelado em Matemática e, no ano seguinte, a licenciatura em Matemática na Faculdade de Filosofia da Universidade Católica do Paraná. Em 1966 defendeu a tese de livre-docência, da cadeira de Análise Matemática e Superior, intitulada Considerações sobre os Sistemas Formais NFn, realizada sob a orientação do professor Newton Carneiro A. da Costa (1929- ). Obteve, então, o título de doutora em Matemática, em decorrência do decreto n°. 8.659/1911.

Iniciou sua carreira docente em 1960, na Universidade Federal do Paraná, como monitora e, posteriormente, foi contratada como regente da cadeira de Análise Matemática e Superior.

Nesse mesmo ano assumiu a função de instrutora da cadeira de Análise Matemática e Superior da Universidade Católica do Paraná, na qual permaneceu até 1964, quando passou a regente dessa cadeira. Atuou como responsável por essa cátedra por quatro anos e, em 1968, foi contratada como professora titular, na área de Lógica e Fundamentos da Matemática, do recém-criado Instituto de Matemática Estatística e Computação Científica (IMECC) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

Na UNICAMP, a professora Ayda foi chefe do Departamento de Matemática e diretora do IMECC. Em 1981, obteve, por meio de concurso, o título de professor adjunto. Embora Ayda fosse professora titular por contratação, ela pretendia tornar-se professora titular por meio de concurso. Faleceu, no período do auge de sua carreira, no dia 13 de outubro de 1983, na cidade de Campinas.

Trabalhou como professora visitante em diversas universidades no Brasil, Chile, Polônia e França. Foi a primeira colaboradora do professor Newton da Costa e, em parceria com ele, publicou diversos artigos. Suas pesquisas acadêmicas se concentraram nas áreas de Lógicas Paraconsistentes, Lógicas Relevantes e Teoria de Conjuntos.

Foi membro do Comitê de Lógica da América Latina e do Conselho da Associação de Lógica Simbólica. Ayda também foi assessora alternativa da Divisão de Lógica, Metodologia e Filosofia da Ciência da União Internacional de História e Filosofia da Ciência e organizadora da terceira edição do Simpósio Latino-Americano de Lógica Matemática – III SLALM.

Desempenhou um importante papel no desenvolvimento da Lógica no Brasil. Teve relevante atuação no Grupo de Lógica da UNICAMP, foi membro fundador do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência (CLE) e da Sociedade Brasileira de Lógica (SBL), da qual foi presidente. Foi ainda uma das responsáveis pela realização e organização das primeiras edições dos Encontros Brasileiros de Lógica.

Em homenagem à professora Ayda, em 1985 foi organizado o VII Simpósio Latino-Americano de Lógica Matemática, dedicado à sua memória. Apontamos, por fim, que a sala de congregação do IMECC recebeu o seu nome.

CONSIDERAÇÕES

Neste texto apresentamos breves informações biográficas de quatro mulheres pioneiras na pesquisa em Matemática em diferentes estados brasileiros. Destacamos, entretanto, que existem outras acadêmicas que, já na década de 1950, tiveram importante participação no desenvolvimento da Matemática no Brasil e que não puderam ser abordadas neste trabalho.

Para finalizar, enfatizamos a importância da divulgação de biografias de acadêmicas pioneiras na pesquisa em Matemática no Brasil, para que seja mais conhecida a História da Matemática em território nacional.

Mariana Feiteiro Cavalari é doutora em Educação Matemática pela UNESP – Rio Claro e realiza investigações na área de História da Matemática. É docente do Departamento de Matemática e Computação da Universidade Federal de Itajubá – UNIFEI

 

 

 

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1 Academia Brasileira de Ciências. Biografia de
Maria Laura Mouzinho Leite Lopes. Disponível em:
<http://www.abc.org.br/resultado.php3?codigo=mlmll>.
Acesso: junho de 2012.


2 SILVA, C. M. da. Politécnicos ou matemáticos?
História, Ciências, Saúde – Manguinhos.
Rio de Janeiro, v. 13, no. 4, p. 891-908, out.- dez. 2006.


3 CAVALARI, M. F. As contribuições de
Chaim Samuel Hönig para o
desenvolvimento da Matemática Brasileira, 2012,
(tese em Educação Matemática. Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” – UNESP – Rio Claro).


4 ABRAHÃO, E. M., BARBOSA, E. S., DANIELI NETO, M.
Biografia de Ayda Arruda, 1998. Disponível em
<http://www.cle.unicamp.br/arquivoshistoricos/?destino=Ayd a/ayda_biografia.html>.
Acesso: jun. 2012.