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No segundo semestre de 1982, a RPM publica seu primeiro número e nele encontramos a primeira resenha de livro feita pela Revista. Será que algum leitor de memória pródiga lembraria qual foi o livro resenhado? Infelizmente o livro resenhado naquela época, Matemática Aplicada, de Fernando Trota, Luiz Márcio Imenes e José Jakubovic, teve sua edição descontinuada, o que representou uma significativa perda para o mercado editorial brasileiro de livros didáticos, dada a qualidade da obra. Na ocasião, a resenha desse livro foi feita por Nilza Eigenheer Bertoni, professora da Universidade de Brasília com importantes contribuições nos anos 80 para investigações no campo da educação matemática. A resenha citava, dentre as qualidades do livro, sua preocupação com a contextualização histórica dos temas abordados nos capítulos.

De lá para cá, a RPM resenhou inúmeras obras de qualidade. A lista inclui livros de história da matemática, como a obra de Howard Eves; de ensino de matemática, como Aprendendo e ensinando Geometria, de Lindquist e Shulte; de livros de referência, como O que é Matemática?, de Courant e Robbins; além de livros de problemas, dentre os quais inúmeras preciosidades da extinta editora soviética MIR, hoje em dia disponíveis apenas em sebos.

Ao completar sua edição de número 80, a RPM renova com o leitor seu interesse na divulgação de obras que tragam contribuições para a formação e aprimoramento do professor de Matemática por meio da resenha de dois livros recentes de História da Matemática.


HISTÓRIA DA MATEMÁTICA:
UMA VISÃO CRÍTICA, DESFAZENDO MITOS E LENDAS

Tatiana Roque
Editora Zahar, 2012
autor da resenha: José Luiz Pastore Mello

Ao contrário do que se possa imaginar, a História da Matemática não é uma área estática de estudos em que, uma vez estabelecidas as evidências, o fato histórico torna irrefutável certa conclusão a respeito do desenvolvimento da Matemática. Ao contrário disso, os pesquisadores da História da Matemática constantemente revisitam seus temas de investigação à luz de novas evidências e descobertas. O livro de Tatiana Roque, professora do Instituto de Matemática da UFRJ, é uma referência em língua portuguesa a respeito das recentes pesquisas na área de história da matemática. Certamente o livro surpreenderá o leitor ao colocar em xeque algumas concepções estabelecidas na história tradicional da Matemática, como, por exemplo, a de que a Matemática grega era essencialmente abstrata e, como tal, superior a de outros povos da antiguidade. Tatiana mostra evidências de pesquisa que apontam para a existência de uma matemática grega, anterior à escola pitagórica, de natureza mais concreta e menos abstrata. A própria escola pitagórica, cujo pensamento abstrato é comumente ilustrado nos livros de História da Matemática por meio da discussão dos segmentos comensuráveis e incomensuráveis associados aos números irracionais, ainda lida e convive com uma visão de número muito mais vinculada ao mundo físico do que abstrato. É interessante observar, por meio da discussão proposta no livro, que a História da Matemática é menos linear do que imaginamos, e que diferentes práticas matemáticas coexistiram desde sempre, dando soluções diversas para problemas diferentes. Didaticamente, cada capítulo tem início com o que a autora chama de Relato Tradicional, que é o espaço onde ela apresenta um determinado ponto de vista difundido pela história da Matemática tradicional que, de alguma forma, será relativizado no capítulo.


A MATEMÁTICA ATRAVÉS DOS TEMPOS:
UM GUIA PRÁTICO PARA PROFESSORES E ENTUSIASTAS

Willian P. Berlingoff
Fernando Q. Gouvêa
Editora Blucher, 2008
autor da resenha:José Luiz Pastore Mello

Quem lê um livro de História da Matemática pode estar interessado apenas em conhecer as origens, a evolução e os desdobramentos do pensamento matemático de uma ideia ao longo do tempo, ou, além disso, pode ter interesse em buscar referências para ensinar Matemática por meio de sua história. O livro de Gouvêa e Berlingoff é uma contribuição muito original àqueles cuja preocupação também esteja voltada para o ensino da Matemática. A organização do livro é feita por meio da exposição de 25 temas, problematizados pela História da Matemática, sendo sua principal virtude a de colocá-los em linha de diálogo com a atividade escolar do “fazer Matemática”. Ao final da exposição de cada tema há uma lista de perguntas e sugestões de projetos que podem ser trabalhados com alunos em sala de aula. Apenas para ilustrar a forma como o livro se organiza, o capítulo 16 (tema 16), que trata dos aspectos históricos do desenvolvimento da geometria de coordenadas, termina com a proposta de exercícios em que o leitor deverá traçar o gráfico de x² + 1 usando os métodos de Fermat e de Descartes, e com uma proposta de projeto em que o leitor terá que montar um sistema de coordenadas em que o eixo y forma um ângulo de 60° com o eixo x, além de ter que investigar suas propriedades, vantagens e desvantagens em relação ao sistema de coordenadas retangulares. O livro em questão, que conta com um autor brasileiro (Fernando Gouvêa), foi o vencedor do Beckenbach Book Prize de 2007, prêmio concedido pela Mathematical Association of America, para livro de proposta inovadora e diferenciada.