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      Em nosso artigo anterior (RPM 7) mostramos como Eudoxo, na antiguidade, 
      descobriu um modo muito engenhoso para resolver a primeira crise de 
      fundamentos a ocorrer na História da Matemática. No presente artigo 
      faremos alguns comentários de natureza pedagógica sobre um tópico do 
      programa da 6ª série do primeiro grau – razões e proporções – cuja 
      apresentação não se modernizou, pois ainda guarda resquícios da maneira 
      antiga de se entender o que é uma razão e de se exprimir a igualdade de 
      duas razões. Tanto assim que ainda se usam as palavras “antecedente” e 
      “conseqüente” em lugar de “numerador” e “denominador” respectivamente; e 
      às vezes ainda se escreve A : B = C : D ou  
      A : B 
      :: C : D e se fala “A está para B assim como C está para D”. Quando 
      aprendi essas coisas pela primeira vez fiquei bastante confuso, pois não 
      entendia o porquê da nova terminologia e da nova maneira de se exprimir o 
      que me parecia ser uma simples igualdade de frações. Só muito mais tarde é 
      que pude compreender que a estranha apresentação tinha origem no rigor 
      grego de não admitir os números irracionais e na engenhosa teoria que 
      Eudoxo inventara para contornar a crise dos incomensuráveis (veja nossos 
      artigos anteriores: RPM 5, pág. 6 
      e RPM 7, pág. 5).  
 
 
      As idéias de Eudoxo permitiram vencer a barreira dos incomensuráveis sem a 
      necessidade dos números irracionais. Como dissemos na RPM 7, a partir de 
      então a Geometria ganha proeminência na Matemática Grega e assim permanece 
      até muito recentemente. Não obstante isto, já partir do século XIII a 
      “matemática dos números” começa a ser estudada e admirada na Europa 
      Ocidental, principalmente devido ao Líber Abaci que Leonardo de 
      Pisa publicou em 1202 (RPM 6, pág. 12). Desde então nossos ancestrais vêm 
      aprendendo a lidar com os algarismos arábicos, com as regras de cálculo 
      com frações, com radicais e decimais, com equações algébricas, etc. É 
      importante notar que esse desenvolvimento da Aritmética e da Álgebra 
      ocorreu sob forte influência da tradição grega, ainda visível nos textos 
      elementares usados nas escolas e que por compilações sucessivas perpetuam 
      costumes antigos. Isto também explica, em grande parte, a falta de unidade 
      que muitas vezes se nota entre diferentes assuntos tratados nos 
      livros-textos. Os tópicos “razões e proporções” e “regra de três” são um 
      exemplo típico do que vimos dizendo, como há de ficar claro até o final 
      deste artigo.  
      A importância, para os fundamentos da Matemática, da teoria das proporções 
      de Eudoxo, havia de durar  até 
      o século passado, quando seria substituída – e com vantagem – pelas 
      teorias dos números reais então criadas por vários matemáticos, dentre 
      eles Dedekind (veja nosso artigo anterior na RPM 7). Estas teorias 
      legitimaram os números irracionais, que já vinham sendo usados, 
      como dissemos, desde o século XIII. Como se vê, a Aritmética e a Álgebra 
      vinham se desenvolvendo há séculos, porém sem bases seguras, de forma que 
      a Geometria continuava sendo o modelo do rigor mais acabado. Não é outra a 
      razão por que a teoria das proporções permaneceu firme no ensino, ao lado 
      da Aritmética e da Álgebra, ou mesmo permaneceu firme no ensino, estes 
      domínios. Mas com a fundamentação dos números reais, no século passado, em 
      bases sólidas e mais confiáveis do que as da antiga Geometria, a teoria 
      das proporções de Eudoxo passa a te apenas valor histórico.  
 
 
      Observemos que já admitimos os números irracionais desde o primeiro grau, 
      quando ensinamos operações com radicais e lidamos com o número 
       
      Definição 1. 
      Diz-se que duas variáveis (ou grandezas) x e y são proporcionais – mais 
      especificamente, diretamente proporcionais – se estiverem assim 
      relacionadas: y = kx ou y / x = k, onde k é uma constante positiva, 
      chamada constante de proporcionalidade.  
      Definição 2. 
      Diz-se que as variáveis x e y são inversamente proporcionais se y = k / x 
      ou xy = k, onde k é uma constante positiva (constante de 
      proporcionalidade).  
      Por exemplo, se p é o perímetro de um quadrado de lado l, 
      então
      p = 4l, de sorte que o perímetro e o lado são diretamente 
      proporcionais. Imaginemos, como segundo exemplo, um retângulo de lados 
      variáveis e área constante. Se x e y são os lados e a área 
      é, digamos, 12m2, então xy = 12 ou y = 12/x, 
      o que mostra serem x e y inversamente proporcionais.  
      Quando
      y = kx costuma-se também dizer que y é diretamente 
      proporcional a x. Neste caso, é claro que podemos escrever x 
      = cy, onde c é a constante 1/k, e dizer que x 
      é
      diretamente proporcional a y. Uma observação análoga vale no 
      caso em que x e y são inversamente proporcionais: y é
      inversamente proporcional a x e x é inversamente
      proporcional a y.  
      Às vezes temos mais de duas variáveis envolvidas num determinado problema 
      ou situação que estamos considerando. Exemplo disto ocorre no caso de uma 
      certa quantidade de gás num recipiente fechado, um cilindro, por exemplo. 
      Então, por uma lei física conhecida como “lei de Boyle e Mariotte”, a 
      pressão P do gás, seu volume V e temperatura T 
      (medida em graus Kelvin = 273 + graus centígrados) satisfazem a seguinte 
      relação:
       
       
      onde
      k é constante. Esta é a chamada equação dos gases perfeitos. 
      Ora, se mantivermos constante a pressão do gás, deixando que variem a 
      temperatura e o volume, é claro que estas duas variáveis T e V
      serão diretamente proporcionais, pois teremos T = cV, 
      onde c é a constante P/k. Analogamente, mantendo constante a 
      temperatura, P e V resultam ser variáveis inversamente 
      proporcionais, pois PV = K onde K é a constante kT. 
      Aliás, a equação dos gases perfeitos pode ser escrita na forma  
      V = Kt/P.  
      Isto mostra claramente que, com a pressão constante, V é 
      diretamente proporcional a T; enquanto que, mantendo-se a temperatura 
      constante, V resulta ser inversamente proporcional a P. 
      Os exemplos e as várias considerações feitas acima sugerem a definição que 
      daremos a seguir, mais geral que as duas anteriores e que abrange estas 
      duas.  
      Definição 3. Se várias 
      variáveis, digamos, x, y, z, w, r, s estão relacionadas por uma equação do 
      tipo  
       onde k é constante, então dizemos que z é diretamente proporcional a x, a y e a w; e inversamente proporcional a r e a s. 
      Como já dissemos, esta definição contém as duas anteriores. De fato, 
      quando dizemos, por exemplo, que z é diretamente proporcional a 
      x, estamos imaginando todas as demais variáveis mantidas fixas; logo, 
      z = cx, onde c é uma constante, e isto nos conduz à situação 
      considerada na Def. 1. Analogamente, quando dizemos que z é 
      inversamente proporcional a r, por exemplo, imaginamos fixadas as 
      demais variáveis, de sorte que z = C/r, onde C é constante; 
      e isto corresponde à situação considerada na Def. 2.  
      Vamos agora à parte prática, considerando os mesmos problemas tratados no 
      artigo do Professores Imenes e Jakubovic na RPM 2 – pág. 2.  
        
      Problema 1. 
      Uma pessoa, datilografando 60 toques por minuto e trabalhando 6 horas por 
      dia, realiza certo trabalho em 10 dias. Quantos dias x levará outra pessoa 
      para fazer o mesmo trabalho se ela datilografa 50 toques por minuto e 
      trabalha 4 horas por dia?  Temos aqui duas pessoas, A e B e três variáveis: toques por minuto T, horas de trabalho por dia H e dias de trabalho D. Esquematicamente, 
 
      Seja
      k o número de toques necessários para realizar o trabalho. Uma 
      pessoa que faz T toque por minuto fará 60T toques por hora 
      e, trabalhando H horas por dia, durante D dias, fará 60THD 
      toques ao todo. Portanto,  
      60
      TDH = k.                                                    
      (1)  
      Esta equação nos diz, segundo a Def. 3, que qualquer das grandezas H, 
      T
      e D é inversamente proporcional às outras duas. Substituindo em 
      (1) as duas seqüências de valores dados no problema, obtemos 
        
      donde segue-se que  
        
      Ora, esta é uma equação muito simples, cuja solução é x = 18 dias.
       
        
      Problema 2. 
      Se 10 máquinas, funcionando 6 horas por dia, durante 60 dias, produzem  
      90 000 peças, em quantos dias x, 12 dessas mesmas máquinas, funcionando 8 
      horas por dia, produzirão 192 000 peças?  
      Temos aqui quatro variáveis:  
       
       
       
       
      Seja
      k o número de peças que cada máquina produz por hora.  
      Temos:
       
       
      Esta equação nos diz que a variável P é diretamente proporcional a M,
      H e D. Substituindo nesta equação as duas seqüências de 
      valores dados no problema, obtemos  
       
      Novamente temos aqui uma equação simples, cuja solução é  
       
      Os dois problemas anteriores são o suficiente para ilustrar a simplicidade 
      da regra de três no contexto algébrico. Afinal, eles versam sobre a 
      chamada regra de três composta, considerada mais complexa que a regra de 
      três simples, direta e inversa. Essa simplicidade se deve à utilização do 
      simbolismo e do cálculo algébrico; mas acima de tudo, ela se deve à 
      maneira de se exprimir a dependência entre as variáveis envolvidas no 
      problema, como em (1) e (2). Este é o ponto mais importante de nossas 
      observações. Uma vez conhecida a equação de dependência entre as várias 
      variáveis, a solução do problema se reduz a um cálculo algébrico 
      relativamente simples.  
 
 
      Tem sido prática corrente ensinar o aluno a descobrir a equação de 
      dependência entre as variáveis envolvidas no problema a resolver com o 
      auxílio da seguinte regra:  fixadas as variáveis envolvidas no problema, exceto duas delas, estas são diretamente proporcionais se aumentam ou diminuem simultaneamente, e inversamente proporcionais se uma aumenta enquanto a outra diminui. Esta regra não tem justificativa lógica e nem sempre produz resultados corretos. É verdade que duas variáveis diretamente proporcionais aumentam ou diminuem simultaneamente, mas duas variáveis podem aumentar ou diminuir simultaneamente sem que sejam diretamente proporcionais; e uma observação inteiramente análoga vale no caso de variáveis inversamente proporcionais. O problema seguinte é um exemplo concreto do que estamos dizendo. 
        
      Problema 3. Um 
      trabalhador gasta 5 horas para limpar um terreno circular de 7 metros de 
      raio. Quanto tempo gastaria se o terreno tivesse 14 metros de raio?  
      As variáveis aqui envolvidas são o raio r do terreno e o tempo t 
      que o trabalhador gasta para limpá-lo. Uma simples aplicação da regra 
      acima nos levaria a dizer que r e t são diretamente 
      proporcionais. Em conseqüência, o trabalhador gastaria o dobro do tempo 
      (10 horas) para limpar o terreno de 14 metros de raio.  
      Mas isto é falso! O certo é que t é proporcional à área do 
      terreno, portanto proporcional a r2, isto é, t = Cr2, 
      onde C é uma constante. Então, sendo t0 o tempo 
      gasto para limpar o terreno maior, teremos: 
      5 = C X 72                    
      e                     
       t0 = C X 
      142; 
      logo,
       
       Isto mostra que o trabalhador gastará com o terreno maior 4 vezes o tempo que gasta com o terreno menor, e não duas vezes. Devemos observar que a regra acima só é correta quando já sabemos, de antemão, que as variáveis do problema são, duas a duas, direta ou inversamente proporcionais, quando as outras são mantidas fixas. Portanto, ao propor esses problemas a seus alunos, o professor deve esclarecer que as variáveis consideradas são desse tipo e, evidentemente, deve restringir suas considerações a problemas que envolvem somente variáveis desse tipo. Ou então – e melhor ainda – deve o professor esclarecer suficientemente seus alunos para que eles saibam encontrar as corretas relações de proporcionalidade (como no problema anterior) se elas já não são dadas por uma lei conhecida; e deve evitar a utilização de regras imprecisas. Vamos ilustrar isto com um problema tirado de um livro de uso corrente no primeiro grau. 
      Problema 4. Um 
      automóvel com velocidade média de 60 km/h gasta 5 horas para percorrer a 
      distância entre duas cidades. Qual será o tempo gasto para percorrer a 
      mesma distância com velocidade média de 100 km/h?  
      Geralmente, um problema como este costuma ser resolvida com o auxílio da 
      regra acima para descobrir se as variáveis velocidade e tempo são direta 
      ou inversamente proporcionais. Isto é um lamentável erro pedagógico que 
      não estimula o aluno a bem pensar. O problema oferece excelente 
      oportunidade para explicar a equação horária do movimento uniforme que 
      resulta da definição de velocidade média v como o quociente do 
      espaço s
      percorrido pelo tempo t gasto em percorre-lo, isto é,  
      v = s/t               
      ou       
                 
      s = vt.                                    
      (3) 
      Como
      s é constante no problema considerado (distância entre as duas 
      cidades), vemos que v e t são inversamente proporcionais. 
      Substituindo os dados em (3), obtemos  
       
 
 
      Outra observação que devemos fazer aqui refere-se à chamada “propriedade 
      fundamental das proporções”, segundo a qual o produto dos meios é igual 
      ao produto dos extremos. Seu ensino não deve deixar no aluno a 
      impressão de ser uma propriedade exclusiva de “razões e proporções”, 
      quando na verdade é uma propriedade das igualdades, que deve ser tratada 
      no estudo das equações. Aliás, o aluno deve começar a aprender essa 
      propriedade desde o estudo das frações ordinárias, quando lhe é ensinado o 
      significado da igualdade de frações (veja as definições 1 e 2 em nosso 
      último artigo na RPM 7).  
      Mas o momento mais propício para se ensinar que  
 
      onde
      a, b, c e d são números reais, não necessariamente inteiros 
      (b e d não nulos), é no estudo das equações, à luz da definição do 
      quociente e das propriedades dos números reais. De fato, temos  
       
      Pelas propriedades associativa e comutativa, isto equivale a  
       
      que, por sua vez, é equivalente a 
       
        
      Como o quociente de a por b é o número a/b que 
      multiplicado por b produz a, temos  
       
      Igualmente,
       
       
      de forma que (5) é o mesmo que ad = cb ou ainda, ad = bc. 
      Isto completa a demonstração de (4).  Esta demonstração é um exemplo típico de utilização das propriedades associativa e comutativa da multiplicação e da definição de quociente. Embora relevante para o professor – razão pela qual a reproduzimos aqui – dificilmente será apreciada por alunos do primeiro grau, que poderão chegar ao mesmo resultado pulando etapas, assim: 
       
      A mesma observação que fazemos com relação à propriedade (4) é valida para 
      as outras propriedades das proporções, como 
       
        
 
 
      Na teoria de Eudoxo uma razão não é o quociente de dois números e uma 
      proporção não é uma igualdade de duas razoes. Foi por isso que surgiram as 
      palavras “antecedentes” e “conseqüente”, a notação 
      A : B :: C : D e a maneira de dizer “A está para B assim como C está para D”. 
      Tudo isso está superando há pelo menos um século. Numa autêntica 
      modernização do ensino não há por que ensinar essas coisas, enfatizar 
      “razões e proporções” como teoria autônoma, ou falar em “terceira 
      proporcional” e “quarta  
      proporcional”. O essencial  
      sobre razões, proporções e regra de três pode muito 
      bem ser ensinado no estudo dos números reais, das igualdades e 
      equações,  como ilustramos nas 
      seções anteriores. Pode-se então definir razão e proporção e estabelecer 
      propriedades importantes como (4) e (6). A ênfase deve ser 
      na proporcionalidade segundo as Defs. 1, 2 e 3, e em problemas de 
      interesse atual, em vez dos mesmos problemas que se perpetuam nos textos 
      com tratamento bastante arcaico. O tema é importante 
      e requer considerações adicionais, e a ele voltaremos futuramente. 
 
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