PAINEL I: ÁLGEBRA E MAGIA

Rubens Vilhena Fonseca
UEPA/PUC-SP

 

Uma das coisas divertidas que podem ser feitas com Matemática é criar a ilusão que ela nos dá poderes especiais e com isso impressionar pessoas, já que a maioria delas gosta muito de surpresas matemáticas. Os tais poderes nada mais são do que certo domínio sobre a Álgebra, como veremos nos exemplos a seguir.


Pense numa resposta e a Álgebra cria o problema

Nosso primeiro truque será para impressionar seus colegas com o místico número 13. Veja:

Pense em um número. [17]
Adicione 11. [28]
Multiplique por 6. [168]
Subtraia 3. [165]
Divida por 3. [55]
Subtraia do resultado obtido o número que é 6 unidades menor do que o número pensado. [55 – 11 = 44]
Subtraia do resultado obtido o número que é uma unidade maior do que o número pensado. [44 – 18 = 26]
Divida por 2. [13]

Para quem tem medo do número 13, esse é um truque assustador, mas a explicação não é nada complicada. Denotando o número pensado por n, vamos escrever as ordens dadas em linguagem algébrica:

n;   n + 11;   6n + 66;   6n + 63;   2n + 21;   2n + 21 – (n – 6) = n + 27;
n + 27 – (n + 1) = 26; 13

Mágicas numéricas não podem deixar de fora o elegante número 1.

Peça para alguém pensar em um número inteiro positivo.
Diga para somar 3 ao número pensado.
Multiplicar o resultado por 2.
Subtrair 4 do valor anterior.
O que restou dividir por 2.
[17]
[20]
[40]
[36]
[18]
E, por fim, o resultado obtido deve ser diminuído do número que
foi pensado no início.
[18 –17 = 1]

Se os passos forem seguidos corretamente, a resposta será sempre 1, independentemente do inteiro positivo escolhido. Segue abaixo a explicação algébrica, denotando o número pensado por n:

n;   n + 3;   2n + 6;   2n + 2;   n + 1;   n + 1 – n = 1

Aqui temos que revelar nossos segredos, mas, como se pode ver, é apenas a boa e velha Álgebra em ação.

 

Centavos no bolso, idades e aniversários

Peça ao seu amigo para contar a quantia menor do que 1 real que ele tenha no bolso. Diga-lhe que você pode adivinhar quanto ele tem em centavos, determinando, além disso, a idade dele, contanto que ele lhe mostre a resposta final depois de fazer algumas contas às suas ordens.

Vamos supor que seu amigo tenha 16 anos de idade e 30 centavos no bolso. Solicite a ele que faça os seguintes cálculos

Multiplicar a própria idade por 4. [4 × 16 = 64]
Adicionar 10. [64 + 10 = 74]
Multiplicar o resultado obtido por 25. [25 × 74 = 1850]
Subtrair 365 do resultado. [1850 – 365 = 1485]
Adicionar o trocado menor que um real que ele tem no bolso. [1485 + 30 = 1515]
Adicionar 115. [1515 + 115 = 1630]

Quando seu amigo disser a resposta, imediatamente você lhe dirá a sua idade juntamente com a quantidade de centavos que ele possui. Os dois primeiros algarismos na resposta é o numero 16, a idade, e os dois últimos correspondem ao trocado, 30 centavos.

Explicando com linguagem algébrica, indicando a idade por I e o trocado em centavos por T:

I;   4I;   4I + 10;   25(4I + 10) = 100I + 250;   100I + 250 – 365;   100I – 115;

100I – 115 + T;   100I – 115 + T + 115 = 100I + T

Portanto, 100I ocupa a casa das centenas simples e unidades de milhar na resposta final, enquanto T aparece na casa das unidades e dezenas simples.

Depois de adivinhar a idade do seu amigo, você pode aproveitar para comer um bolo na casa dele descobrindo o dia e o mês do aniversário dele.

Vamos supor que ele faça aniversário no dia 25 de abril (25/04), então peça ao seu amigo para efetuar os seguintes cálculos:

Multiplicar o numero do mês do aniversário por 5. [5 × 4 = 20]
Adicionar 7. [20 + 7 = 27]
Multiplicar por 4. [4 × 27 = 108]
Adicionar 13. [108 + 13 = 121]
Multiplicar por 5. [5 × 121 = 605]
Adicionar o dia de seu aniversário. [605 + 25 = 630]

Quando seu amigo lhe der a resposta, você deve subtrair 205 e obterá 425. O 4 representará o mês de abril e o 25 o dia do mês.

Deixamos para o leitor a verificação algébrica deste caso.

 

 

PAINEL II: ARREDONDAMENTOS PERIGOSOS

Rogério César dos Santos
UnB - Planaltina

O problema hipotético a seguir mostra os perigos do arredondamento no cálculo de frações com denominador próximo de zero.

Considere infinitos quadrados, postos lado a lado, tais que as medidas dos seus lados estão em progressão geométrica de razão x, com 0 < x < 1, sendo também x a medida do lado do primeiro quadrado.

Como 1 > x, temos x > x2 > x3 > ..., de forma que os quadrados possuem as medidas dos lados decrescentes, como ilustrado na figura acima.

Sobre a soma das áreas desses infinitos quadrados para x = 0,99408, podemos afirmar que ela é

a) menor do que 1.
b) maior ou igual a 1 e menor do que 30.
c) maior ou igual a 30 e menor do que 60.
d) maior ou igual a 60.

Bem, as áreas também estão em PG de primeiro termo e razão iguais a x2 com x2 < 1; logo, a soma de seus infinitos termos é dada por .

Calculemos essa soma para x = 0,99408. Para facilitar os cálculos, vamos arredondar para x = 0,99, de modo que a soma será

49,25. Portanto, item c). Será?

Observe, porém, que, se não arredondássemos o valor de x, teríamos: 83,71. Logo, item d). Mas, que diferença!

Certos arredondamentos são mesmo perigosos. Mas, como saber se o arredondamento é perigoso assim? Analisando o gráfico da função, podemos tirar algumas conclusões.

Vamos construir o gráfico da função

f(x) =

no software gratuito WINPLOT: Observe que a reta x = 1 é uma assíntota ao gráfico da função f. Ou seja, quando x se aproxima de 1 pela esquerda, como foi o nosso caso, f tende a mais infinito, como mostra o gráfico. Por exemplo, tomando x = 0,99 e depois x = 0,99408, verificamos que a função aumenta drasticamente de valor.

O gráfico também informa que, se, por exemplo, tivermos x = 0,023379 e fizermos uma aproximação para x = 0,02, o valor obtido será bem próximo do valor real, sem aproximações.

 

 

PAINEL III: BALANÇA E A BASE 3

Leonardo Barichello1

A analogia entre uma balança de braços e uma igualdade numérica é tão boa que problemas utilizando esse contexto são bastante comuns em livros didáticos, provas olímpicas e textos de divulgação. Por exemplo, o texto Com a ajuda da balança, de Celina Augusto, publicado na RPM 3, explora como essa analogia pode ser utilizada para introduzir equações no ensino fundamental II.

Uma questão sobre o assunto (utilizada na prova ([1]) de seleção para o mestrado profissional em Matemática oferecido pela SBM, conhecido como Profmat) nos chamou a atenção, por utilizar potências de 3 como pesos. Eis o enunciado e as alternativas da questão:

Seu João precisa pesar uma pera em uma balança de dois pratos. Ele possui 5 pesos distintos, de 1 g, 3 g, 9 g, 27 g e 81 g. Seu João, equilibrando a pera com os pesos, descobriu que a pera pesa 61 g. Quais pesos estavam no mesmo prato que a pera?

A) 1, 9 e 27        B) 3 e 27        C) 9 e 27        D) 1 e 9        E) 3 e 9

Para resolver essa questão específica, devemos colocar os 5 pesos disponíveis e a pera nos pratos da balança até que ela se equilibre, ou seja, até que a soma dos pesos em cada lado seja igual. Isso ocorre quando colocamos de um lado a pera, o peso de 27 gramas e o de 3 gramas (totalizando 91 gramas) e do outro lado os pesos com 1, 9 e 81 gramas (totalizando 91 gramas), já que 61 + 27 + 3 = 8 1 + 9 + 1. (*)

Portanto, a alternativa correta é a B).

A pergunta que surgiu ao ler a questão foi: para quais valores será possível equilibrar uma pera (supondo que seu peso em gramas seja um número inteiro), utilizando os mesmos pesos?

O fato de os pesos serem todos potências de 3 nos levou a pensar na representação de números naturais na base 3, e esse foi o caminho escolhido para tentar resolver o problema.

 

A base 3

Dados dois números naturais a e b, b > 1, é possível encontrar números naturais
c0, c1, c2, … , cn, menores do que b, tais que

a = c0 + c1b1 + c2 b2 + … + cn bn.

Esse resultado garante a possibilidade de escrever qualquer número natural a, em qualquer base b, sendo b > 1. A demonstração pode ser encontrada, por exemplo, em [2].

Retomando o problema, note que um número escrito na base 3 usa apenas os dígitos 0, 1 e 2. Mas como isso poderia se relacionar com o problema que queremos resolver? Para responder a essa pergunta, vamos tomar como ponto de partida a representação de 61 na base 3:

6110 = 20213 = 2 × 33 + 0 × 32 + 2 × 31 + 1 × 30

Como 2 = 3 – 1, podemos “eliminar” os 2 da representação:

61 = (3 – 1) × 33 + 0 × 32 + (3 – 1) × 31 + 1 × 30

= 1 × 34 – 1 × 33 + 1 × 32 – 1 × 31 + 1 × 30.

Agora, trazendo para o lado esquerdo da equação todos os termos negativos e efetuando parte das operações indicadas, obtemos:

61 + 27 + 3 = 81 + 9 + 1,

que é a igualdade (*), mostrada no começo do texto para representar a solução do problema inicial.

 

Conclusão

Observemos que o procedimento apresentado pode ser repetido para qualquer número natural escrito na base 3 e, portanto, nos permite concluir que qualquer que fosse o peso (inteiro) da pera seria possível equilibrá-la na balança usando pesos que são potências de 3. É claro que, se a pera for muito pesada, será necessário utilizar potências de 3 maiores para equilibrar a balança. De fato, o maior peso que pode ser pesado com os pesos dados é p = 1 + 3 + 9 + 27 + 81 = 121.

Para terminar, mencionamos alguns outros problemas que poderiam ser propostos: É possível realizar as mesmas pesagens com um número menor de pesos? É possível realizar as mesmas pesagens com outros 5 pesos? O que ocorre se os pesos só forem colocados em um dos pratos?

 

 

Referências

[1] http://www.profmat-sbm.org.br/docs/Exame_de_Acesso_2012_Objetivas.pdf (acessado em 12/07/2012). Exame de acesso à pós-graduação stricto sensu para aprimoramento da formação profi ssional de professores da educação básica.
[2] Hefez, A. Elementos de aritmética. SBM, 2006.

1 Agradecimento à Rita Santos Guimarães pela ajuda na resolução da questão e pela revisão do texto.

 

 

PAINEL IV: PROBLEMA E RESPOSTA "DO CÃO"

Luiz Roberto Rosa da Silva
COTUCA - Colégio Técnico de Campinas

 


RPM: O problema apresentado a seguir já foi alvo do interesse da RPM tempos atrás. Inicialmente ele apareceu na seção Cartas do Leitor da RPM 17 e lá são apresentadas várias diferentes soluções, usando fatoração ou substituição de variáveis, da equação

x4 + 2x3 + x2 – 2x –1 = 0,

que é satisfeita pela medida x do segmento indicado na figura do enunciado do problema. Depois, na RPM 18, na mesma seção, o antigo membro do Comitê Editorial da RPM, Augusto Cesar Morgado, apresenta uma solução do mesmo problema sem cair na equação acima, usando semelhança de triângulos e funções trigonométricas.

A resposta obtida nessas soluções é x = .

Recentemente, o autor acima mandou para a RPM o mesmo problema com solução que recai na mesma equação, mas resolvendo-a de modo diferente dos apresentados anteriormente. Sendo assim, a RPM resolveu publicar essa nova solução.

 

O problema

O lado AD, de medida 1, do quadrado ABCD é prolongado, formando o segmento AE de modo que B, F e E sejam colineares. Se FE mede 1, obter a medida x do segmento DE.

 

A solução

Pela semelhança dos triângulos EFD e EBA, temos . Em EBA, pelo teorema de Pitágoras:

+ x2 = 1 ou + = 1.

Fazendo = y, obtemos + = 1. Completando o quadrado:

A última igualdade leva a (2y + 1)2 = (y2 + y + 2)(y2 + y) ou

4(y2 + y) + 1 = (y2 + y + 2)(y2 + y). Fazendo y2 + y = w, temos w2 – 2w –1 = 0.

Como y > 0, temos w > 0; logo, w = +1.

Então, y2 + y −( +1) = 0 ou y = .

Portanto, x =

E, agora, ?