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Prezado leitor A partir de agora, a seção Computador na sala de aula passará a ser uma coluna regular, presente em toda edição da RPM. Embora o uso de computadores no ensino de Matemática tenha se difundido consideravelmente nas últimas décadas, muitas possibilidades interessantes de aplicações de recursos computacionais em sala de aula ainda são menos exploradas do que poderiam. Assim, cada edição desta seção trará uma proposta de atividade (ou sequência de atividades) com apoio de tecnologias computacionais, planejada visando à aplicação direta em sala de aula do ensino fundamental ou do ensino médio. Em cada proposta apresentada, procuraremos discutir não só as potencialidades, como as limitações do uso do computador, com destaque para o papel efetivamente desempenhado pela máquina para a aprendizagem dos conceitos matemáticos objetivados – de forma que o computador não se converta em um mero adereço na abordagem. Propostas de artigos para a seção Computador na sala de aula devem ser encaminhadas para
Integrando Geometria e Funções: Introdução Nos últimos anos, os chamados ambientes de geometria dinâmica têm se popularizado muito no ensino de Matemática. Em linhas gerais, esses ambientes são softwares munidos de ferramentas que permitem reproduzir na tela do computador as construções geométricas com instrumentos euclidianos (régua não graduada e compasso). A grande vantagem apontada em relação às construções geométricas com papel e lápis está justamente no aspecto dinâmico do ambiente: uma vez concluída uma construção no computador, é possível alterar um de seus elementos (em geral, por meio do arrastar do mouse) e observar as alterações consequentes nos demais elementos. Assim, uma figura construída em geometria dinâmica representa, de forma mais efetiva, uma classe de objetos geométricos definida por propriedades e relações comuns - que se preservam quando esses objetos são arrastados na tela. Como muitos autores têm apontado, esse aspecto permite ao aluno investigar um grande número de exemplos e explorar conjecturas, constituindo uma preparação para o exercício de argumentação matemática. Além disso, a maior parte dos ambientes de geometria dinâmica oferece outros recursos, tais como calculadora com operações aritméticas elementares e ferramentas de geometria analítica. Dentre esses ambientes, o Geogebra tem a proposta de integrar ferramentas geométricas e algébricas (daí o nome do software). Assim, é possível, em um mesmo ambiente, realizar construções dinâmicas em geometria sintética e traçar, em um sistema de eixos cartesianos, gráficos das principais funções reais elementares estudadas no ensino médio. Para traçar gráficos de funções no Geogebra, basta digitar a fórmula da função desejada no campo Entrada, situado na parte inferior da interface do software. Entretanto, a tarefa de traçar gráficos de funções simplesmente pode ser realizada em softwares bem mais elementares. O interessante aqui é incorporar os recursos específicos dos ambientes de geometria dinâmica na análise do comportamento de funções. Há muitas formas de se fazer isso no Geogebra, que procuraremos explorar neste artigo e em edições futuras desta seção.
Funções e Geometria: novas formas de olhar Até aqui, destacamos a possibilidade, viabilizada por ambientes computacionais, de acrescentar um ingrediente dinâmico às representações algébricas e gráficas usualmente empregadas na sala de aula do ensino médio. Entretanto, as potencialidades de aplicação de ambientes de geometria dinâmica no ensino de funções vão mais além: é possível integrar à abordagem tradicional novas formas de relacionar as representações gráficas e algébricas usuais, e ainda outras formas de representação, diferentes das usuais. Nesse sentido, nos exemplos a seguir1, propomos a exploração dinâmica da variação de funções que exprimem grandezas geométricas, antes mesmo de traçar seus gráficos, e o traçado de gráficos diretamente a partir das construções geométricas, sem a mediação de expressões algébricas ou tabelas.
Exemplo 1 Considere um retângulo ABCD de lados AB = CD = 4 e BC = DA = 3. Marque um ponto livre X AB e um ponto Y CD, tal que XY seja perpendicular a AB. Como varia a área do retângulo AXYD em função do lado AX? Para explorar esse exemplo no Geogebra, construa, em primeiro lugar, o retângulo ABCD e os pontos X e Y nas condições dadas2. Tenha o cuidado de fazer a construção de forma que essas condições sejam garantidas! Agora, você poderá usar os recursos do software para exibir o comprimento de AX e a área de AXYD (figura 1):
figura 1 e figura 2: Observando a variação da área no Geogebra Com essa construção, você poderá arrastar o ponto X ao longo de AB e observar as variações do comprimento AX e da área de AXYD. Como veremos a seguir, podemos construir no ambiente computacional o gráfico da função real que ao comprimento de AX associa a área de AXYD. Antes disso, porém, é interessante analisar com os alunos o comportamento da variação dessa função, sem deduzir a fórmula ou traçar o gráfico. A geometria do problema nos garante que acréscimos iguais no comprimento l de AX acarretam acréscimos iguais na área S de AXYD (figura 2). Isso significa que a função que a cada l associa o valor de S correspondente é afim. Mais precisamente, quando se multiplica l por uma constante, S é multiplicada pela mesma constante, o que implica que a função é linear. Podemos então observar a variação da função área graficamente, construindo o gráfico dessa função no Geogebra como lugar geométrico. Para isso, você poderá seguir o roteiro (figura 3): 1. Selecione a opção Exibir Eixos no menu. É claro que podemos estudar a variação da área do retângulo em função do lado por meio da simbologia algébrica. De fato, tomemos dois pontos X1 e X2 sobre AB, os pontos correspondentes Y1 e Y2 sobre CD, e consideremos l1 = AX1 e l2 = AX2 (figura 2). Então, se S1 e S2 são, respectivamente, as áreas dos retângulos AX1Y1D e AX2Y2D, temos que a variação da área ΔS = S2 - S1 é igual à área do retângulo X1X2Y1Y2 dada por = 3(AX2 - AX1 ) = 3(l2 - l1) = 3ΔL. Isto é, ΔS = Δ3L. É claro que podemos, sem dificuldade, deduzir a fórmula da função S: S: ]0, 4[ → S(l) = 3l. Entretanto, o objetivo da atividade estruturada dessa forma é justamente aproveitar as ferramentas específicas do recurso computacional para abordar representações de funções em uma ordem diferente daquela com a qual os alunos estão acostumados. Em primeiro lugar, procura-se investigar a variação da função sem a mediação de representações algébricas e gráficas, explorando apenas a construção geométrica dinâmica. Depois dessa exploração inicial, é construído o gráfico da função, ainda sem a dedução da fórmula. Apenas depois disso, é deduzida a fórmula.
O exemplo do retângulo é relativamente simples e leva a uma função linear, cuja fórmula não é de difícil dedução. Dependendo do nível da turma, podemos aproveitar o roteiro proposto para o exemplo 1, adaptando o grau de complexidade. Observe os exemplos 2 e 3 a seguir.
Exemplo 2 Considere um triângulo retângulo ABC de lados AB = 4 e BC = 3. Marque um ponto livre X AB e um ponto Z AC tal que XZ seja perpendicular a AB. Como varia a área do triângulo retângulo AXZ, em função do lado AX ?
Podemos estudar a variação da área S1 do triângulo AXZ em função do comprimento l de AX, como fizemos no caso do exemplo 1. De fato, se tomarmos dois pontos X1 e X2 sobre AB, os pontos correspondentes Z1 e Z2 sobre AC, teremos que a variação de S1 é dada pela área do trapézio X1X2 Z1Z2. Portanto, não é verdade nesse caso que acréscimos iguais em l correspondem a acréscimos iguais em S1, isto é, não se trata de uma função afim. Percebemos ainda que, para uma variação Δl fixa, quanto maior for o valor de l, maior será a variação da área ΔS1. Antes de deduzir a fórmula dessa função, traçamos seu gráfico como lugar geométrico (figura 5).
Exemplo 3 Considere a mesma construção do exemplo 2. Como varia a área do trapézio XBCZ em função do lado XB?
Consideremos S2 a área do trapézio XBCZ e k o comprimento do lado XB. Nesse caso notamos que, para uma variação Δk fixa, quanto maior for o valor de k, menor será a variação da área ΔS2. É claro que tanto S1 quanto S2 aumentam quando os valores de suas variáveis aumentam, isto é, ambas são funções crescentes. Além disso, como ΔS1 (para cada Δl fixo) cresce com l e ΔS2 (para cada Δk fixo) decresce com k, temos que S1 é crescente com concavidade voltada para cima e S2 é crescente com concavidade para baixo. Deduzindo as fórmulas de S1 e S2, vemos que ambas são funções quadráticas: S1, S2:]0, 4[ → , S1(l) = l2 e S2(k) = k(6 - k) = 3k - k2. Das fórmulas anteriores, vemos que, para um mesmo valor de l = k = AX = XB, temos: S1(l) + S2(l) = S(l). É interessante interpretar geometricamente a relação acima, com ajuda do software (figura 8).
Considerações finais A estrutura proposta para as atividades dos exemplos acima visa incentivar uma percepção intuitiva da variação das funções reais, antes de analisá-las por meio de representações algébricas e gráficas. Tais representações são muito poderosas para a resolução de problemas modelados por funções reais e, por isso, são as mais largamente empregadas em sala de aula. Entretanto, justamente devido a esse grande poder de resolução, as representações algébricas e gráficas são muitas vezes abordadas de forma mecanizada e com pouca reflexão, o que pode inibir o desenvolvimento da ideia intuitiva de variação. Além disso, ao traçarmos diretamente a partir das construções geométricas, temos uma oportunidade de enfatizar com os alunos o próprio conceito de gráfico de função: o gráfico de f : D → é o lugar geométrico dos pontos (x, y) 2 tais que y = f(x). Isto é, um ponto (x, y) 2 pertence ao gráfico de f se, e somente se, x e y satisfazem y = f (x), com x D. Os ambientes de geometria dinâmica podem fornecer um apoio importante para esses objetivos.
1 Esses exemplos foram adaptados de [1]. Para maiores detalhes, veja também [2]. 2 Neste artigo, não nos aprofundaremos nas instruções para as construções geométricas elementares no Geogebra. O leitor não terá dificuldades em encontrar tutoriais disponíveis gratuitamente na Internet.
Referências
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