Valdair Bonfim
Lúcia Resende Pereira

Universidade Federal de Uberlândia

 

A curiosidade de um aluno

Certo dia o Marcelo, ainda na condição de aluno que cursava disciplinas dos primeiros períodos do curso de Matemática, visitou-nos em nossa sala expondo uma curiosidade a respeito de polinômios. Precisamente, um polinômio de grau 1 com coeficientes não-nulos, digamos ax + b, tem – b/a como raiz. Se permutarmos os coeficientes obteremos o polinômio bx + a, cuja raiz é – a/b . Logo, o produto dessas duas raízes é 1.

Na curiosidade peculiar de quem gosta de Matemática, o Marcelo investigou, antes de nos consultar, se a propriedade era verdadeira para polinômios de grau 2. Ou seja, partindo do polinômio ax2 + bx + c com coeficientes não nulos, e fazendo todas as possíveis permutações de seus coeficientes, obtemos os seis polinômios:

ax2 + bx + c bx2 + ax + c cx2 + ax + b
ax2 + cx + b bx2 + cx + a cx2 + bx + a

Seria verdade que o produto de todas as raízes desses seis polinômios é igual a 1?

Excelente atitude do Marcelo, pois as perguntas movem as pessoas às descobertas. Opinando inicialmente de que a resposta seria não, Marcelo arriscou um polinômio com a quase convicção de que sua primeira tentativa geraria um exemplo onde o produto das raízes seria diferente de 1. Ops! Na sua primeira tentativa o produto deu 1. Na segunda e terceira tentativas, idem. A pergunta do Marcelo transformou-se, então, numa conjectura a ser demonstrada, já que a veracidade em três polinômios específicos não serviria como prova. Uma possibilidade que Marcelo cogitou foi calcular explicitamente as raízes de cada um dos seis polinômios obtidos e efetuar o produto delas para chegar a 1. Obviamente, Marcelo não levou isso a termo, pois seria extremamente tedioso fazê-lo, além de deselegante. Outro defeito desse procedimento é que ele não funcionaria para polinômios de grau maior do que 4, pois já é sabido de longa data que, exceto em casos particulares, as equações polinomiais de grau maior que 4 não são resolúveis em forma de radicais, isto é, não existe uma fórmula que forneça as raízes através de um número finito de operações de soma, subtração, multiplicação, divisão e extração de raízes aplicadas a seus coeficientes. O leitor interessado neste assunto pode consultar [1].

 

Uma relação de Girard, nesse momento, é muito bem-vinda

A nossa sugestão para o Marcelo foi a de utilizar a relação de Girard que fornece o produto das raízes de um polinômio (as quais sempre existem no campo complexo), sem a necessidade de explicitá-las. Abaixo estão os seis polinômios e o produto das duas raízes de cada um deles.

polinômio produto de suas duas raízes
ax2 + bx + c
ax2 + cx + b
bx2 + ax + c
bx2 + cx + a
cx2 + ax + b
cx2 + bx + a
c/a
b/a
c/b
a
/b
b
/c
a
/c

Portanto, o produto das doze raízes é igual a = 1,e o Marcelo se deu por satisfeito porque sua conjectura ficou provada.

 

Pergunta natural: a conjectura vale para polinômios de grau maior que 2?

Sim, e a prova é essencialmente a mesma, bastando utilizar a relação de Girard que diz: o produto das raízes do polinômio a0 + a1x + ... + anxn é dado por (–1)n a0/an. A única diferença agora é com relação à notação. No que segue escreveremos os polinômios em ordem crescente do grau de seus monômios, para que possamos nos referir, sem ambiguidade, ao primeiro e ao último coeficiente desse polinômio. No nosso contexto, o primeiro coeficiente será o independente, e o último será o coeficiente do monômio de maior grau.

A relação de Girard referida diz, em particular, que o produto das raízes de um polinômio depende apenas do primeiro e do último coeficiente. Dessa forma, dado um polinômio de grau n cujo primeiro coeficiente é A e cujo último é B, se fizermos todas as permutações dos n – 1 coeficientes restantes, obteremos (n – 1 )! polinômios, com raízes possivelmente distintas, mas cujo produto permanece inalterado, a saber, (– 1)nA/B.

Assim, o produto das raízes de todos esses (n – 1)! polinômios será [(– 1)nA/B](n – 1)!, igual [A/B](n – 1)!, pois (n – 1)! é par, já que n > 2.

Para finalizar, basta observar que ao efetuarmos todas as permutações dos coeficientes do polinômio original a0 + a1x + ... + anxn, os números A e B anteriores assumirão valores A = ai e B = aj, com i, j {0, 1, 2 ,…, n} e i j.

Assim, o produto das raízes de todos os (n + 1)! polinômios será igual ao produto de todos os fatores da forma (ai / aj )(n – 1)!, com i, j {0, 1, 2 ,…, n} e ij. Neste produto, cada ai aparecerá tantas vezes nos numeradores quanto nos denominadores. Portanto, haverá uma simplificação geral e o produto será igual a 1.

 

Uma sugestão para o professor

O professor que, ao ensinar o assunto polinômios e raízes, queira explorar a pergunta do Marcelo em sala de aula com a intenção de induzir os alunos a fazerem suas próprias conjecturas, sugerimos considerar, dentre outros, o polinômio x2 – 4x + 3, pois ao fazermos todas as possíveis permutações dos seus coeficientes, obtemos apenas polinômios cujos discriminantes são quadrados perfeitos (a saber: x2 – 4x + 3; x2 + 3x – 4; – 4x2 + x + 3; – 4x2 + 3x + 1; 3x2 – 4x + 1 e 3x2 + x – 4), evitando o aparecimento de raízes irracionais ou complexas bem como a necessidade de cálculos enfadonhos, facilitando a constatação de que o produto das raízes é 1.

 

 

Referência bibliográfica

[1] Garbi, Gilberto G. O romance das equações algébricas. Editora Livraria da Física.