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Maria Elisa E.L. Galvão e Renate Watanabe
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Um "chute educado" que deu certo

Escreve um leitor de São Paulo: Gostaria de dar uma outra solução para o problema publicado na RPM 76, página 55 , na seção O Leitor Pergunta, pois acho ser um grande desafio conseguir fatorar certas expressões. O problema consiste em resolver a equação = x, com 0 < x < 5. Elevando-se ambos os lados ao quadrado, vem

5 - = x2   ou   5 - x2 = .

Elevando-se novamente ambos os lados ao quadrado, vem

(5 - x2)2 = 5 - x   ou   x4 - 10x2 + x + 20 = 0.

Quando vi essa equação polinomial de quarto grau, pensei em verificar quais seriam os possíveis polinômios de segundo grau, com coeficientes inteiros, que multiplicados chegariam ao polinômio da equação. Escolhi o coeficiente do termo de segundo grau igual a 1, pois o termo de quarto grau tem coeficiente 1. (*)

Como não se tem o termo de terceiro grau, então uma das possibilidades é que um dos polinômios do segundo grau tenha o termo de primeiro grau igual a x e o outro polinômio tenha o termo de primeiro grau igual – x. (**)

Assim fiquei com o seguinte produto

(x2 + x + r)(x2x + s) = x4 + (s – 1 + r)x2 + (s r)x + rs.

E aqui me perguntei: será que fazendo s – 1 + r = –10, s r = 1 e rs = 20, obtém-se um sistema compatível? A resposta foi sim. Encontrei r = – 5 e s = – 4.

Então x4 – 10x2 + x + 20 = (x2 + x – 5)(x2x – 4) = 0. E, agora, basta resolver duas equações do segundo grau e analisar as possíveis raízes, como foi feito na RPM 76.

RPM

O leitor certamente identificou em (*) e (**) os "chutes educados" que deram certo.

 

Precisão versus elegância

Um leitor de Maceió escreveu: No livro A Matemática do Ensino Médio, vol.1, publicado na SBM, na página 77, a questão 8 está redigida assim: O número 0,123456789101112131415... é racional ou irracional? Pergunto: esse enunciado está impreciso? Já fiz essa pergunta a vários professores e venho recebendo diferentes respostas.

RPM

Ao pé da letra a pergunta é imprecisa, pois, embora esteja implícito, não está explícito, quais são os algarismos após o 15. Os autores do livro, admitindo estar implícito que depois da vírgula está a sequência de números naturais (e, no contexto, quem duvidaria?), entre elegância de enunciado e uma precisão julgada desnecessária, optaram pela elegância. Ou talvez quisessem provocar uma discussão.

Uma pergunta que pode ocorrer ao leitor é como se pode saber que o número acima, com a sequência dos números naturais após a vírgula, é irracional. Uma resposta simples é que a expansão decimal desse número não termina e não pode ser periódica, pois contém, por exemplo, sequências consecutivas de zeros tão longas quanto se queira (e qualquer período teria um número finito e determinado de zeros consecutivos).

 

Contagem, de novo

Pergunta uma leitora do Rio de Janeiro: De quantas formas podemos representar o número 15 como soma de números naturais não nulos?

RPM

É melhor começar com um problema mais simples: De quantas maneiras é possível escrever 4 como soma de naturais não nulos?

O número 4 pode ser representado por quatro barras: | | | |.

Quatro barras representam três caixas: | _ | _ | _ |.

Para escrever 4 como soma de duas parcelas, basta jogar um sinal + numa das caixas:

| + | | | (1 + 3)     ou     | | + | | (2 + 2)     ou     | | | + | (3 + 1).

Isto é, das três caixas basta escolher uma para jogar o +. Isso poder ser feito de C3,1 = 3 maneiras.

Para escrever 4 como soma de três parcelas, escolhem-se duas das três caixas e, em cada uma, joga-se um +:

| + | + | | (1 + 1 + 2)     ou     | + | | + | (1 + 2 + 1 )     ou     | | + | + | (2 + 1 + 1).

Isso poder ser feito de C3,2 = 3 maneiras.

Finalmente, para escrever 4 como soma de quatro parcelas, joga-se um sinal + em cada uma das três caixas | + | + | + | (1 + 1+ 1 + 1).

O número total de maneiras de escrever 4 como soma de naturais não nulos é: C3,1 + C3,2 + C3,3 = 23 – 1 = 7.

Para essa última passagem é preciso lembrar o desenvolvimento de (1 + 1)3 usando o binômio de Newton.

Agora é só fazer a mesma coisa para 15. O número 15 pode ser representado
por 15 barras que representam 14 caixas.

Para escrever 15 como soma de duas parcelas, basta jogar um sinal + numa das caixas, isto é, das 14 caixas basta escolher uma para jogar o +. Isso poder ser feito de C14,1 = 14 maneiras.

Para escrever 15 como soma de três parcelas, basta escolher duas das 14 caixas e, em cada uma, jogar um +. Isso poder ser feito de C14,2 maneiras. E, assim por diante.

O número total de maneiras de escrever 15 como soma de naturais não nulos é: C14,1 + C14,2 + C14,3 + ... + C14,14 = 214 – 1, lembrando o desenvolvimento de (1 + 1)n usando o binômio de Newton:

(1 + 1)n – 1= Cn,1 + Cn,2 + Cn,3 + ... + Cn,n = 2n – 1.

 

Malabarismos trigonométricos

De um leitor de São Bernardo: Como simplificar a expressão

 

RPM

Usando a identidade sena + senb = 2sen cos temos, considerando as medidas em graus:

sen10 + sen80 = 2 sen45 cos35; sen20 + sen70 = 2 sen45 cos25;

sen30 + sen60 = 2 sen45 cos15 e sen40 + sen50 = 2 sen45 cos 5.

Somando os termos dos primeiros membros das igualdades e usando a identidade
cosa + cosb = 2cos cos , vem:

sen(k10) = 2sen45(cos35 + cos25 + cos15 + cos5) =

2sen45[(cos35 + cos5)+ (cos25 + cos15)] =

2sen45(2cos20 cos15 + 2cos20 cos5) = 4 cos20(cos15 + cos5) =

2 cos20(2cos10cos5) = 4 sen70sen80sen85.

Então, = 4.

Liber Abaci

Um leitor do Ceará pediu a solução do seguinte problema do Liber Abaci de Leonardo Fibonacci:

Três homens possuem um monte de moedas, sendo suas partes 1/2, 1/3 e 1/6. Cada homem retira algumas moedas do monte de moedas até que nada reste. O primeiro homem põe, então, de volta, 1/2 do que retirou, o segundo, 1/3 e o terceiro 1/6. Quando se divide igualmente entre os três o total de moedas postas de volta, verifica-se que cada homem fica exatamente com a quantidade de moedas que lhe pertence. Quantas moedas havia no monte original e quantas cada homem retirou do monte?

RPM

Chamemos N o número total de moedas, e de x, y e z as quantidades de moedas que cada homem retirou. Temos que x + y + z = N, pois após as retiradas não restaram moedas no monte. O total de moedas posto de volta foi x/2 + y/3 + z/6, que foi dividido igualmente pelos três homens, cada um ficando agora com o número de moedas que lhe pertence. Considerando as quantidades pertencentes aos três homens, temos as igualdades:

Lembrando que x + y + z = N, as condições acima nos darão, respectivamente,as equações:

3x – 7y – 8z = 0; 8y – 3x – 5z = 0 e 13z y = 0,

que formam um sistema indeterminado, cujas soluções gerais são da forma:

y = 13z, x =33z, N = 47z.

Como z/6 é um número inteiro, z deve ser múltiplo de 6. Se tomarmos, por exemplo, z = 6, teremos x =198, y = 78 e N = 282. Nesse caso, o primeiro homem teria 141 moedas, o segundo, 94 e o terceiro, 47. Há infinitas soluções para o problema, considerando outros possíveis valores para z.

 

Quem é Johan van de Lune?

Escreve um leitor de Mato Grosso do Sul: Estive lendo o livro O diabo dos números de Hans Magnus Enzensberger. Livro fantástico, escrito por um "não-matemático". O autor cita um matemático, Johan van de Lune, chamado carinhosamente pelo diabo dos números de Joãozinho da Lua.

Procurei nos livros sobre história da Matemática e também na internet, algo sobre esse matemático, e só o que encontrei foi uma suposta relação com números primos.

No livro supracitado, o diabo dos números lança no ar que o tal João da Lua testou uma conjectura. Que conjectura seria essa?

RPM

A RPM encontrou na internet referências a um artigo, publicado em 2004, em Experimental Mathematics 13, pp. 473-481 intitulado On the Order of the Mertens Function cujos autores são Tadej Kotnik e Jan van de Lune.

Também na internet (Wikipedia) existe uma conjetura de Mertens. Pertence à Teoria dos Números e já foi provada inválida.

É provável que o autor do livro citado pelo leitor refira-se ao matemático contemporâneo Jan van de Lune e à conjetura de Mertens. Mas, se algum leitor tiver informações que não sejam essas, por favor, escreva para RPM.