Rosa Maria Andrade Esquef
Alpha - Colégio e Pré-Vestibular

 

Introdução

Em muitos anos de experiência dando aulas de matemática em turmas do ensino médio, tenho percebido a dificuldade, tanto por parte dos alunos como dos professores, em associar o assunto “funções” a situações de seu cotidiano. Convencida de que apresentar aos alunos exemplos de uso do ferramental matemático em aplicações do dia a dia é um fator não só de motivação ao aprendizado mas também de auxílio à assimilação conceitual, sempre busquei novos exemplos de aplicações práticas de funções, às vezes, ligados à Física, à Economia, etc. Nesse contexto, o artigo Funções Interessantes publicado na RPM 63 me ajudou bastante e trouxe um estímulo a mais para pesquisar novas situações reais e comuns, que possam ser modeladas por funções matemáticas e que pudessem despertar o interesse dos estudantes.

O objetivo deste artigo é apresentar algumas aplicações cotidianas das funções teto e piso como forma de motivar professores e alunos para o aprendizado de tais funções.

 

As funções teto e piso

Inicialmente, vejamos as definições das chamadas funções teto e piso que serão usadas no decorrer do artigo.

A função teto é a função f : denotada por x que associa a cada x o menor inteiro maior que ou igual a x.

Da própria definição, se (n – 1) < x n, então x = n. Por exemplo, -2,4 = -2; 0,7 = 1 e 3,6 = 4. O gráfico de x para 0 < x 4 é mostrado na figura abaixo à esquerda.

A função piso é a função f : denotada por x que associa a cada x o maior inteiro menor que ou igual a x.

Da própria definição, se n x < (n + 1), então x = n. Por exemplo, -2,4 = -3; 0,7 = 0 e 3,6 = 3. O gráfico de x para 0 x < 4 é mostrado na figura abaixo à direita.


função teto                               função piso

Exemplos de aplicações cotidianas das funções teto e piso

1.Tarifação em estacionamento de shopping

Problema: Um determinado shopping usa o seguinte critério tarifário para seu estacionamento: R$ 5,00 por até 3h, acrescido de R$ 2,00 por hora ou fração que exceder as 3h.

(a) Quanto pagará um usuário que deixa seu carro nesse shopping durante 4h 20min?

(b) Determine a expressão em t, sendo t o tempo contado em horas, que fornece o valor do estacionamento por uma permanência de t horas.
(Aqui estamos indicando, por exemplo, 4h 20min por t = 4 + 1/3 = 13/3 = 4,33... h.)

Solução

(a) 4h 20min = 3h + 1h + fração de 1h, logo o preço será

R$ 5,00 + R$ 2,00 + R$ 2,00 = R$ 9,00.

(b) Se t indica o tempo em horas, observamos que há dois regimes de tarifação: um para o intervalo 0 < t 3, implicando um custo mínimo de R$ 5,00, e outro para t > 3. Analisando o problema nesse domínio, temos que a permanência do veículo no estacionamento por t horas com 3 < t 4 produz um custo de R$ 5,00 + R$ 2,00. Já uma permanência por t horas com 4 < t 5 produz um custo de R$ 5,00 + R$ 2,00 + R$ 2,00 = R$ 5,00 + 2 × R$ 2,00. Por indução, vemos que a lei de formação para o custo pode ser escrita como: para n > 3 inteiro, a permanência por (n – 1) < t n horas implica um custo de R$ 5,00 + (n– 3) × R$ 2,00. Vemos que a função que modela o custo envolve a função teto sobre a variável independente t medida em horas e as imagens representando o preço em reais:

C(t) =

Considerando o dado do item (a), temos t = 13/3 = 4,33 ...h, logo

C(t) = 5 + (4,33... -3)2 = 5 + (5 - 3)2 = 9,

que é o resultado anteriormente obtido.

Abaixo, exibimos o gráfico da função C(t) no intervalo [0, 6].

2. Leitura em mostrador de cronômetro digital

A figura ao lado apresenta o painel de um cronômetro digital com mostrador de cinco dígitos, no qual um dígito é usado para indicar a contagem de décimos de segundos (ds), dois dígitos são usados para marcar a contagem dos segundos (s) e os dois restantes para a contagem dos minutos (min).

Para cada subconjunto de dígitos a contagem se dá em uma unidade (ds, s ou min) inteira de tempo. Quando o cronômetro é disparado, no mostrador dos décimos de segundos (ds), a leitura cresce unitariamente de 0 a 9 ds, com período de repetição de 10 ds. A leitura no mostrador de segundos cresce unitariamente de 00 a 59 s, com período de repetição de 60 s. A leitura no mostrador dos minutos segue a mesma regra do de segundos, apenas alterando-se a unidade de medida de segundo para minuto. Se a leitura 59:59:9 for atingida e o cronômetro continuar ligado, automaticamente ele retorna à leitura inicial 00:00:0.

Problema: Obter uma expressão que forneça a leitura do mostrador dos segundos do cronômetro, em função do tempo corrido t + (em segundos), considerando o cronômetro inicialmente zerado em t = 0 s.

Solução: Das informações prestadas sobre o funcionamento do mostrador do cronômetro digital, a função em questão deve ser definida como L: + {0, 1, 2, …, 59}, já que a variável independente é o tempo t (em segundos) decorrido, t +, e o mostrador exibe números naturais de 0 a 59.

No mais, L(t) é “periódica”, isto é, L(t) = L(t + T0), t +, com período T0 = 60 segundos. Tomando, por simplicidade, o intervalo 0 t < 60, vemos que o mostrador de segundos será atualizado a cada 1 segundo, sendo a primeira atualização (de 00s para 01s) efetuada em t = 1. Em geral, considerando n inteiro no intervalo [0, 59], para qualquer tempo decorrido no intervalo n t < (n + 1), a leitura no mostrador será L(t) = n segundos, ou seja, L(t ) = t.

Agora, para modelar a periodicidade de L(t) a cada T0 = 60 segundos, podemos escrever L(t ) = t –60K, onde K indica quantos grupos inteiros de 60 segundos cabem no intervalo temporal [0, t]. Em outras palavras, descontamos de t o número inteiro de períodos 60 s contidos no intervalo [0, t], uma vez que o mostrador volta a indicar 00 toda vez que um período completo de 60 segundos é transcorrido. Por exemplo, em t = 120 s cabem K = 2 períodos inteiros de 60 segundos. Logo, L(120) = (120 –(60)2) = 0, que satisfaz os requisitos do mostrador de segundos do cronômetro digital. Para determinar o valor de K, tomemos como exemplo o tempo t = 243,6 s. Nesse caso, a leitura do cronômetro é 04 : 03 : 6, indicando que 4 períodos de 60s (4 minutos) já se passaram. Então, para esse tempo, K = = 4.

Convenientemente, pode-se escrever K = de modo que a expressão geral para a leitura no mostrador de segundos torna-se L(t) = t –60.

Vale notar que essa expressão também serve para modelar a leitura do mostrador dos minutos do cronômetro em função do tempo. No caso do mostrador de décimos de segundo, usa-se a função L(t) = t –10.

A figura abaixo mostra a representação gráfica de L(t) = t –60 no intervalo
0 t 134 s, com detalhe ampliado de seu comportamento nos três segundos iniciais.