José Luiz Pastore Mello
São Paulo – SP

 

Todo professor que costume utilizar o compasso na lousa sabe que com alguma frequência a ponta seca escorrega e... pronto, está perdido o centro da circunferência! Recuperá-lo é uma tarefa simples se, além do compasso, temos uma régua em mãos, bastando para isso encontrar o ponto de intersecção da mediatriz de dois segmentos secantes à circunferência. Se não dispomos de uma régua em mãos, também é possível recuperar o centro da circunferência utilizando apenas o compasso, porém essa é uma tarefa bem mais complexa. Você sabe como se faz isso?

Mais surpreendente do que saber que o problema tem solução usando apenas o compasso é o fato de que Lorenzo Mascheroni, poeta e matemático italiano do século XVIII, demonstrou no livro Geometria del compasso, publicado em 1797, que toda construção euclidiana que pode ser feita com régua e compasso também pode ser realizada apenas com o compasso. Por essa descoberta, Mascheroni recebeu várias honrarias da academia de ciência italiana.

Curiosamente, em 1928, um estudante de Matemática encontrou em uma livraria de Copenhague um velho livro, datado de 1672, de autoria de um obscuro matemático chamado Georg Mohr, que continha a demonstração do resultado obtido por Mascheroni. Não é possível dizer que Mascheroni tenha plagiado Mohr porque as demonstrações conduzidas por ambos são diferentes, porém é possível cogitar que Mascheroni tenha tido contato com o livro de Mohr. Polêmica à parte, o resultado demonstrado por ambos é conhecido atualmente como teorema de Mohr-Mascheroni.

Inspirados pela discussão proposta por esse teorema, estudos iniciados pelo matemático francês Jean Victor Poncelet, e concluídos pelo matemático suíço-alemão Jacob Steiner, deram conta de provar que nem todas as construções euclidianas podem ser realizadas apenas com o uso de uma régua, porém, contando-se com uma circunferência e seu centro já traçados no plano da construção, a régua se torna suficiente para todas as construções, o que é conhecido como teorema de Poncelet-Steiner.

Voltando ao problema da localização do centro desaparecido da circunferência apenas com o uso do compasso, hoje em dia ele pode ser resolvido de forma relativamente simples utilizando-se o recurso de uma transformação geométrica denominada inversão. Tal recurso foge do contexto da matemática escolar, porém considero interessante e desafiador o exercício de resolver o problema com os conhecimentos elementares de geometria e desenho geométrico, mesmo sabendo que a tarefa não é fácil. Uma proposta de demonstração será apresentada na sequência do artigo, mas fica a recomendação: você irá apreciar melhor a demonstração se utilizar um compasso e uma folha de rascunho para investigar cada passagem.

As linhas traçadas nas figuras a seguir são apenas representações para facilitar a compreensão da demonstração. Nossa regra proíbe o uso da régua, e permite o uso do compasso apenas no traçado de circunferências centradas em pontos já construídos e passando por pontos já construídos.

Dada a circunferência l1 de centro desconhecido, comece marcando dois pontos quaisquer X e Y sobre ela. Em seguida, com o compasso marque os pontos A e B na mediatriz de XY (é possível fazer isso usando apenas o compasso). Marque um ponto Z em l1, o que definirá YZ. Marque os pontos C e D na mediatriz de YZ. Trace os simétricos de C e D em relação à AB, nomeando-os de C’ e D’, respectivamente (isso também pode ser feito só com o compasso, tente!). Construa o ponto E, que deve ser vértice de um paralelogramo DCCE. Como DE e DD' são paralelos à CC', segue que D’, D e E são colineares. Por ora deixe em suspenso essa construção para obter, em outra figura, a quarta proporcional entre D'E, D'D e C'E, que será nomeada de k, e obtida por . Veja, a seguir, como fazer essa construção.

Construa as circunferências concêntricas l2 e l3 de raios congruentes a D'E e D'D, denotando o centro por O. Sobre l2 marque os pontos R e S de forma que RS seja congruente à C'E. Escolha uma abertura no compasso que permita traçar os pontos R’ e S’ em l3 de forma que RR' e SS' sejam congruentes. Tal construção garante que os triângulos ORR’ e OSS’ sejam congruentes. Como m(ROR’) = m(SOS’), segue que m(SOR) = m(SOR’). Os triângulos SOR e SOR’ são isósceles, com m(SOR) = m(SOR’), o que permite concluir que são semelhantes, pelo caso LAL de semelhança. Segue ou, de forma análoga, o que implica RS’= k.

De volta à l1, com o compasso centrado em D e depois em D’ , e raio de medida k, marque o ponto F na intersecção das duas circunferências. Uma vez que , segue que D’ , F e C’ estão alinhados (consequência do fato de que os triângulos DCE e DFD são semelhantes com razão de semelhança k). Uma vez que F está nas mediatrizes de XY e de YZ, ele será o centro perdido de l1.