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Alexandre Luis Kundrát Eisenmann
Não acreditam? Ok, ela não pediu isso mesmo, é claro, fui eu quem a induzi a fazer essa pergunta através de uma complicada arte retórica. Em resposta, apresentei a lista que já havia calculado anteriormente: 24, 25, 26, 27, 28. Ela não se impressionou e ainda me olhou com uma cara esquisita do tipo: “Você está com algum problema?”. Não desanimei e lembrei-a de que todos os números da minha lista não eram primos. Ela deu de ombros e continuou a fazer coisas de menor importância, como, por exemplo, o jantar (em minha defesa, informo ao leitor que faço o jantar eventualmente). Desafiei-a a fazer o mesmo, e pedi para me fornecer 3 números consecutivos não primos. Ela, jubilosa, disse: 14, 15, 16. Fiz contato! Ela investiu novamente, exigindo uma lista de 10 números. Já treinado, disparei: 114, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 122, 123. Antes que o leitor me julgue um savant1, acrescento que já havia calculado alguns valores, adiantando os números que ela tipicamente iria escolher. Era minha vez novamente. Pedi entusiasmado: “Quero uma lista com 14.000 números”. Ela respondeu: “O jantar está na mesa!”. Pronto, fim da brincadeira. Matemáticos dificilmente encontram apoio social para conversar sobre seus assuntos prediletos, de maneira que muitas vezes fragmentos de atenção de baixa qualidade como esse são suficientes para despertar nossa vontade de pesquisar um pouco mais profundamente. Uma chance para a computação Instintivamente não é óbvio que uma lista tão grande de números consecutivos não primos possa existir; afinal a lista de números primos é infinita e eles não parecem estar muito espaçados. Enfim, a pergunta é: É possível encontrar uma lista de 14.000 números consecutivos que não são primos? Essa pergunta, que eu mesmo fiz (matemáticos muitas vezes falam sozinhos), me inspirou a utilizar artilharia mais pesada. Desenvolvi um programa de computador para encontrar a tal megalista, se é que ela existe. Para testá-lo, comecei com listas pequenas, pedi 10 números e o programa respondeu os mesmos 10 que eu havia dito para minha esposa. Bom sinal. Pedi 20 números e obtive: 1130, 1131, 1132, ... Pedi 100 números e obtive: 370262, 370263, 370264, ... Guloso, pedi 14.000 e... esperei... Esperei tanto que desisti. O programa simplesmente não parou de rodar. Diante desse quadro, a única conclusão é que o programa procurou (e procurou muito), mas não encontrou a lista nos primeiros milhões, ou bilhões (quem sabe?) de números. Ainda assim não é possível afirmar que tal lista não existe, apenas que o computador ou o programa são lentos demais. Frustrante! Um belo teorema Sempre acreditei que, quando a computação falha, devemos recorrer à Matemática, e parece que isso se encaixa perfeitamente nesse caso. Existe um belíssimo teorema sobre o assunto. O teorema diz: “É possível conseguir listas de números consecutivos não primos de QUALQUER tamanho”. Que 14.000 que nada! Eu quero agora uma lista de 1.000.000! A demonstração do teorema fornece uma técnica para se construir o primeiro número da lista desejada. A receita é a seguinte: Suponha que queremos uma lista com 5 números consecutivos não primos. Então: • Escolhemos um número inteiro maior do que 1, digamos n. • Calculamos n(n + 1)(n + 2)(n + 3)(n + 4) + n para obter o primeiro número da lista. Por exemplo, considerando n = 2, teríamos 2 × 3 × 4 × 5 × 6 + 2 = 722. De fato, a lista 722, 723, 724, 725, 726 só possui números não primos. Podemos escolher qualquer valor para n. No caso n = 3, a lista seria 2.523, 2.524, 2.525, 2.526, 2.527, também uma lista válida. Observe que a fórmula não diz nada sobre encontrar a lista cujos números são os menores possíveis; ela apenas garante que encontraremos alguma lista do tamanho desejado. Como vimos anteriormente, a lista 24, 25, 26, 27, 28 é uma lista com números menores. Para construir listas maiores, basta estender a fórmula com mais fatores. Por exemplo, a fórmula para encontrarmos uma lista com 7 números será n(n+1)(n + 2)(n + 3)(n + 4)(n + 5)(n + 6) + n. Ora, mas por que isso funciona? Observe que o número n(n + 1)(n + 2)(n + 3)(n + 4) + n é divisível por n, n > 1; portanto, é um número não primo. O próximo número n(n + 1)(n + 2)(n + 3)(n + 4) + (n + 1) também não é primo, pois é divisível por (n + 1). Enfim, o raciocínio é o mesmo para os outros consecutivos até n(n + 1)(n + 2)(n + 3)(n + 4) + (n + 4), que é divisível por (n + 4). Enfim, existem infinitos números primos e, mesmo assim, sempre é possível encontrar qualquer intervalo de números sem que ao menos um primo apareça. Esse intervalo pode ser tão grande quanto desejarmos. Sabemos então que uma lista de 14.000 números consecutivos não primos existe, só não conseguimos calcular computacionalmente seus números devido ao tamanho imenso deles. Mesmo uma lista de 117 números, que meu computador conseguiu calcular, começa no número 1.349.534. Nota da RPM O leitor interessado poderá também ler o artigo Distribuição dos números primos na RPM 19.
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