PAINEL I: A SENHA DO CARTÃO

 

Rogério Cesar dos Santos
UnB – FUP


Há algum tempo, para a digitação da senha do cartão no caixa eletrônico de alguns bancos, havia uma única tecla para cada dígito, de 0 a 9. Hoje, porém, cada tecla corresponde a dois dígitos. Vamos ver a implicação disso na segurança da senha do cartão.

Suponha que a senha seja composta por 7 dígitos, entre 0, 1, 2, …, 9.

Se seu cartão foi furtado, e o bandido não viu você inserindo a senha, qual é a chance de ele adivinhá-la? Vamos dividir o caso em duas situações:

• No sistema antigo, existem 107 senhas possíveis, já que cada tecla corresponde a um único dígito; logo, a probabilidade de o bandido acertar a senha, digitando ao acaso uma sequência de 7 teclas, é ou 0,00001%.

• No sistema atual, cada tecla corresponde a dois dígitos. Logo, há cinco teclas para a digitação. Desse modo, o bandido tem cinco opções para cada dígito, do primeiro até o sétimo dígito. Logo, existem 57 sequências possíveis para a digitação da senha. Assim, a probabilidade de o bandido acertar a senha, digitando ao acaso uma sequência de 7 teclas, é = 27 × = 128 × ou seja, 128 vezes a chance no sistema antigo!

Algo parece errado! O sistema mudou para facilitar a vida dos bandidos?

Na verdade, a chance aumentou, mas muito pouco: a chance no sistema atual é ou 0,00128%, que continua muito baixa, fazendo com que, na prática, seja quase impossível acertar a senha.

Acredito que o sistema mudou para piorar a vida do bandido, caso ele observe uma pessoa inserir a senha e anote a sequência de números (no sistema antigo) ou a sequência de pares de números (no sistema atual) e depois furte o cartão. De fato,

• No sistema antigo, o bandido saberá exatamente a senha, pois cada tecla corresponde a um único dígito. Logo, é de 100% a chance de ele acertar.

• No sistema atual, cada tecla digitada tem dois dígitos, de modo que há duas opções para cada uma das cinco teclas, totalizando 27 senhas possíveis, levando em conta a informação obtida na observação. Daí, a chance de o bandido acertar, escolhendo uma dessas senhas ao acaso, é agora de 1/27, aproximadamente 0,8%. Veja que agora a diferença é bastante significativa, caiu de 100% para 0,8%.

Na situação real, em que o ladrão está diante de um teclado específico, sua chance de acertar a sequência correta de teclas, digitando ao acaso, pode ser maior se, por exemplo, alguns dos pares de dígitos que ele anotou aparecerem novamente em alguma tecla.

 

 

PAINEL II: DESCOBERTAS ARITMÉTICAS

Rubens Vilhena Fonseca
UEPA – Belém, PA

Ao desenvolver determinados conteúdos em sala de aula, podemos provocar interesse e despertar a curiosidade dos alunos fazendo perguntas como:

O que fundamenta certos algoritmos? O que justifica essa ou aquela propriedade? O que prova que certas afirmações são verdadeiras? Como comprovar verdades já estabelecidas?

São tantas as perguntas interessantes e são inúmeras as oportunidades de excitar a mente, buscando as respostas.

Vou apresentar aqui dois exemplos de desafios que levam a perguntas como as colocadas anteriormente.


É sempre divisível por 6?

Nosso primeiro desafio é: considerar um número natural qualquer, por exemplo, 4, elevar esse número ao cubo e afirmar que a diferença 43 – 4 é divisível por 6. Com o 4 não há surpresas, pois facilmente verifica-se que 43 – 4 = 60 e 60 é divisível por 6. E com o 9? 93 – 9 é divisível por 6? E com o 23.456.789? 23.456.7893 – 23.456.789 é divisível por 6? O resultado é verdadeiro para qualquer número natural? É claro, a curiosidade, ligada à desconfiança, vai se instalar, surgindo a necessidade de provar o resultado:
Se n é um número natural, então

n3n = n(n2 1) = n(n + 1)(n – 1) = (n – 1)n (n + 1),

ou seja, a diferença n3n é o produto de três números naturais consecutivos. Mas entre três naturais consecutivos existe, necessariamente, um número par e também um (pode ser o mesmo) múltiplo de 3, logo esse produto é divisível por 6.


É possível produzir um quadrado perfeito a partir do produto de quatro
números consecutivos?

Nosso segundo desafio é considerar, por exemplo, os produtos:
6 × 7 × 8 × 9= 3.024, 8 × 9 × 10 ×11 = 7.920 e 9 × 10 × 11 × 12 = 11.880.

Se adicionarmos uma unidade a cada um desses produtos, teremos quadrados perfeitos:

Vale sempre? Como provar?
Vamos escrever o produto de quatro naturais consecutivos:

n(n + 1)(n + 2)(n + 3);

queremos provar que esse produto é igual a um quadrado perfeito, menos uma unidade. A ideia é encontrar um número natural a tal que o produto seja igual a a2 – 1. Comecemos agrupando os fatores do seguinte modo:

n(n + 1)(n + 2)(n + 3) = [n (n + 3)][(n + 1)(n + 2)] = [n2 + 3n][n2 + 3n +2].

Façamos uma manipulação

[n2 + 3n][n2 + 3n +2] = [(n2 + 3n +1) – 1][(n2 + 3n +1) + 1];

tomando a = n2 + 3n +1, teremos

n(n + 1)(n + 2)(n + 3) = [a – 1] [a + 1]= a2 – 1,

como queríamos provar.

Verificando no exemplo 9 × 10 × 11 × 12, a = 92 + 3 × 9 + 1 = 109 e 11.880 = 9 × 10 ×11 × 12 = 1092 – 1.


PAINEL III: FUNÇÃO AFIM E FESTA

Rogério César dos Santos
UnB – FUP

Geralmente, quando vamos fazer uma festa, primeiro fazemos a lista de convidados e depois calculamos os gastos. Em alguns casos, porém, temos um certo dinheiro e precisamos saber quantas pessoas podemos chamar com essa quantia. No meu caso, tenho 400 reais para fazer um chá de fraldas para os meus gêmeos. Então, chamei de x o número de convidados, contando as crianças, e fui aos cálculos dos gastos:

• Aluguel do salão de festas com mesas e cadeiras – R$ 90,00.

• Salgadinhos: valor unitário – R$ 0,32. Supondo que, em média, cada pessoa coma 10 salgados, o gasto seria de (x. 3,2) reais.

• Garrafa de refrigerante de 2 litros: preço unitário R$ 3,10. Supondo que uma garrafa sirva 3 pessoas, o gasto por pessoa com refrigerante seria de reais e então o gasto com refrigerante seria de x reais.

• Docinhos: valor unitário – R$ 0,28. Supondo que, em média, cada pessoa coma 10 docinhos, o gasto com doces seria de (x. 2,8) reais.

• Balões: R$10,00.

• Lembrancinhas: R$ 20,00.

Então, 400 = 90 + x 3,2 + x + x 2,8 + 10 + 20, o que implica x 39,8.

Ótimo, com 400 reais dá para chamar um número razoável de pessoas.

No entanto, uma outra questão veio à tona. A quantidade de fraldas ganhas será suficiente para compensar os gastos? Dentre os 39 convidados, incluindo crianças, vamos supor que, em média, apenas uma pessoa em cada três traga fraldas, já que cada família trará um pacote só. Há famílias maiores, menores e também solteiros, por isso a suposição é sobre a média. Então, como a média de preços dos pacotes de fraldas (há variação de preços segundo o tamanho da fralda) é R$ 17,40, eu teria recebido 39 = 226,20 reais. Surpresa! O chá de fraldas não compensa financeiramente!

Pelo menos com o gasto fixo de 400 reais. E se deixássemos esse gasto variar? Será que existe um número de pessoas que faz com que o chá de fraldas seja lucrativo?

Vimos que o gasto com x convidados, g(x), é calculado pela função
g(x) = 90 + x 3,2 + x + x 2,8 + 10 + 20,
enquanto a receita, r(x), seria r(x) = x ; o lucro, l(x), portanto, seria dado pela função afim

l(x) = x 120 x = x 120.

O lucro é uma função afim decrescente com raiz negativa x = .

Logo, l(x) será positivo apenas para valores de x menores que – (360/3,70) e então, mesmo não fixando os gastos, não existe uma quantidade de pessoas (x > 0) que permita evitar prejuízo com a festa. Observamos que, no nosso caso, como o salão de festas tem capacidade limitada a 80 pessoas, podemos supor l(x) com domínio no intervalo ]0, 80], no qual a função assume apenas valores negativos.

O chá é, em qualquer caso, financeiramente não viável.

Porém, uma conclusão a que cheguei é que, entre não fazer o chá e usar os 400 reais com fraldas, ou fazer o chá e ter um pequeno prejuízo, é melhor fazer o chá e reunir os amigos!

 

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111


Muitos leitores nos perguntam a justificativa para o seguinte fato interessante:

Se você nasceu entre 1900 e 1999, pegue os dois
últimos dígitos do ano em que você nasceu, mais
a idade que você vai ter neste ano e o resultado
será sempre igual a 111.

Você sabe explicar? E o que acontece se você nasceu de 2000 em diante?

 

 


Justificativa

Observe que a soma do número formado pelos dois últimos dígitos do ano em que a pessoa nasceu mais a idade que a pessoa completou em 2000 é sempre igual a 100: é como somar o número de anos depois do 0 (que substitui o 1900) com o que falta para 100, que substitui o 2000. Daí, mais 11 (desde 2000 até 2011) resulta 100 + 11 = 111. Para os nascidos de 2000 em diante, a soma será 11.