Raphael Alcaires de Carvalho
IFRJ

O objetivo deste artigo é mostrar os métodos criados por alguns matemáticos antigos para determinar a equação da reta tangente a uma curva em um ponto dessa curva. Em cursos atuais de Cálculo, determinamos a equação da tangente calculando a inclinação dessa reta, ou seja, calculando o coeficiente angular, utilizando um conceito fundamental, posterior a esses matemáticos, a derivada. Falaremos sobre três métodos para determinar retas tangentes a uma curva, um criado pelo francês René Descartes (1596-1650), que consiste basicamente em resolver um sistema contendo uma equação de circunferência e a equação da curva, o outro pelo inglês Isaac Barrow (1630-1677), que usa semelhança de triângulos, e o de Pierre de Fermat (1601-1665).

Vamos apresentar os métodos por meio de exemplos.

 

Método de René Descartes

Para escrever, por exemplo, a equação da reta tangente à curva y2 = 2x no ponto P(8, 4), a ideia de Descartes foi a de encontrar a equação de uma circunferência, de centro no eixo Ox, passando pelo ponto (8, 4) e tal que, nesse ponto, a parábola e a circunferência tivessem a mesma reta tangente. Isso porque na circunferência a reta normal a uma tangente passa pelo centro da circunferência, o que permite obter facilmente a equação da reta tangente a essa curva e, portanto, à parábola. Acompanhe os cálculos:

A equação da circunferência de centro (a, 0), que passa pelo ponto (8, 4), é: (x a)2 + y2 = (8 – a)2 + 42.

A equação da parábola é y2 = 2x.

Se ambas as curvas devem ter a mesma reta tangente no ponto (8, 4), o sistema formado por essas duas equações deve ter solução única, ou seja, a deve ser tal que a equação

x2 – 2ax + a2 + 2x = 64 – 16a + a2 + 16 x2 – 2(a – 1)x + 16a – 80 = 0

tenha discriminante nulo. Impondo essa condição, (a – 1)2 – 16a + 80 = 0, obtém-se a = 9.

A reta normal à tangente passa por (9, 0) e (8, 4) e, portanto, seu coeficiente angular é –4. O coeficiente angular da reta tangente será 1/4 e sua equação y 4 = (x 8).

Descartes apresentou esse método no apêndice (intitulado La Géométrie) do seu tratado filosófico Discurso do método. Apesar de ser bem interessante, o método não é prático, pois resolve problemas de cônicas em situação particular e pode gerar muitas contas.

Já o método a seguir é mais geral e consegue resolver problemas com outras curvas.

 

Método de Isaac Barrow

Este método foi apresentado no trabalho matemático de Barrow Lectiones opticae et geometricae. Ele utiliza uma abordagem muito próxima do processo moderno de diferenciação.

Para ilustrar o método, vamos novamente resolver o problema anterior: escrever a equação da reta tangente à curva y2 = 2x no ponto (8, 4).

Barrow resolvia esse problema calculando o valor da razão a/e em que a e e são catetos (paralelos aos eixos) do triângulo PQR.

Quando Q está muito próximo de P, os triângulos PTM e PQR ficam “praticamente” semelhantes, pois Q fica quase sobre a tangente t.

Temos PR = a, QR = e e Q(8 – e, 4 – a).

Da semelhança dos triângulos PTM e PQR podemos concluir que a/e é o coeficiente angular da reta tangente, pois imaginamos o valor de e cada vez menor. Como o ponto Q está na curva y2 = 2x, temos (4 – a)2 = 2(8 – e), ou seja, –8a + a2 = –2e, e sendo a um número muito pequeno, a2 pode ser desprezado. Assim, obtemos .

Logo, a equação da reta tangente pedida é y 2 4 = (x 1 8).

Utilizando tanto o método de Descartes quanto o de Barrow, chegamos ao mesmo resultado, porém a resolução foi mais simples pelo segundo método. É interessante dizer que, na época, tangente era conhecida como tocante.

 

Método de Pierre de Fermat

O método de Fermat para as tangentes foi apresentado em 1629 junto com o método para determinar máximos e mínimos de funções.

Para ilustrarmos o método, vamos determinar a equação da reta tangente à mesma curva no mesmo ponto dos exemplos anteriores.

A curva é y2 = 2x e o ponto de tangência P = (8, 4).

Na figura ao lado, a semelhança dos triângulos VUP e PQT fornece , isto é, VU = . Fazendo PU = E (notação advinda de Viète) e TQ = c, obtém-se VU = .

Fermat considerou então o ponto V de coordenadas (8 + E, 4 + VU) = (8 + E,4(1 +(1 + )) da reta t como sendo um ponto da curva, já que era um ponto muito próximo dela. Substituiu as coordenadas do ponto V na equação y2 = 2x e dividiu a equação por E:

16 [1 +] = 16 + 2E 16= 2. Fazendo E = 0, obteve c = 16.

Então, o coeficiente angular da reta tangente é e a equação dessa tangente é:
y 4 = (x 8).

Deve-se ressaltar que Fermat utilizava a notação de Viète e não a de Descartes (semelhante à notação usada atualmente).

 

Conclusão

É importante notarmos que o desenvolvimento de uma teoria não surge de forma instantânea. O conceito de derivada surgiu da necessidade de resolver problemas envolvendo retas tangentes em pontos de uma curva e, como consequência, vários métodos foram criados.

Devemos destacar que os métodos aqui apresentados não são eficientes para a determinação de tangentes a uma curva qualquer em um dado ponto, pois demandariam muito tempo na resolução de equações, tornando o trabalhomais fastidioso.

É desejável que um professor de Matemática entenda e conheça como se desenvolve uma teoria e os conceitos nela contidos, pois dessa forma perceberá, por exemplo, como mostramos neste artigo, que grandes matemáticos resolviam problemas de uma forma muitas vezes trabalhosa, problemas esses que atualmente têm uma solução mais simples, graças à contribuição de cada um dos métodos desenvolvidos ao longo da História da Matemática.

O método de René Descartes pode ser encontrado em [1]. O método de Barrow pode ser encontrado em [1] e em [2]. Para o método de Fermat, ver [1], onde Eves mostra como Fermat resolveu o problema para uma curva de equação f (x, y) = 0, e [3], em que Boyer explica como Fermat solucionou o problema para uma curva algébrica de equação y = f (x).

 

Referências bibliográficas

[1] Eves, Howard. Introdução à história da matemática. São Paulo: Editora UNICAMP, 2004.
[2] Boyer, Carl. Tópicos de história da matemática para uso em sala de aula Cálculo. São Paulo: Atual, 1992.
[3] Boyer, Carl. História da matemática. 2 edição. São Paulo: Edgard Blücher, 1996.