Chico Nery
Colégio San Conrado – Campinas
FAAP – Ribeirão Preto

 

Gostaria de voltar ao tema publicado na RPM 67 (A Geometria Analítica no ensino médio) com mais uma sugestão para melhorar o ensino de GA, relatando uma experiência muito rica e educativa que tive o prazer de viver.

Estávamos no fim do curso de GA, em que os alunos gostaram muito de exercícios nos quais eles tinham de identificar o gráfico correspondente a determinadas equações, implícitas ou explícitas, em x e y.

Foi uma experiência marcante, por exemplo, os alunos perceberem que a equação x2 – 7x + 10 = 0 não representa, no plano, uma parábola, mas sim um par de retas paralelas verticais:

x2 – 7x + 10 = 0 é equivalente

a (x – 2)(x – 5) = 0,

ou seja, x = 2 ou x = 5.

No início de uma aula, um aluno interpelou-me perguntando:

— Professor, na aula passada aprendemos duas propriedades geométricas curiosas que o senhor chamou de “reflexões”. Quando trocamos o sinal de apenas uma das coordenadas de um ponto, ele se “reflete” em relação a um dos eixos cartesianos.

Por exemplo, considerando inicialmente o ponto P = (6, 2), os pontos P1 = (– 6, 2) e P2 = (6, – 2) representam “reflexões” de P em relação ao eixo y e em relação ao eixo x, respectivamente. É como se o ponto P girasse, no plano, 180o, ora em torno do eixo y, ora em torno do eixo x.

Se efetuarmos essas transformações nas coordenadas de uma dada equação, todos os pontos, ou seja, o gráfico correspondente, no plano, se reflete integralmente em relação a cada eixo, como o senhor mostrou nas figuras ao lado, utilizando a parábola de equação

y = x2 – 6x + 8

e a circunferência de equação

(x – 1)2 + (y – 1)2 = 1.

— Professor – continuou o aluno –, não há mais alguma propriedade que, “manipulando” as coordenadas de um ponto, imprimimos a ele um movimento interessante como essas duas reflexões anteriores?

Respondi ao aluno:

— Pretendia iniciar um novo assunto; tenho uma programação a cumprir, mas, como a sua pergunta é interessante, vamos a ela. Marque no plano cartesiano um ponto P = (x, y) qualquer e também o ponto P’ = (y, x).

Ele escolheu o ponto P = (6, 2), da aula anterior; logo, P’ = (2, 6).

Provemos que P e P’ são simétricos em relação à reta de equação y = x, que é a bissetriz dos quadrantes ímpares.

O ponto M, médio do segmento PP’, é dado por e ou seja, M = (4, 4). Se as coordenadas de M são iguais, ele pertence à bissetriz y = x . O coeficiente angular da reta é:

m = ou seja, m = –1.

Logo, a reta é perpendicular à bissetriz y = x, pois sua inclinação é de 135o, já que tg135o = –1.

Portanto, de fato, P e P’ são simétricos em relação à bissetriz b.

Assim como fizemos para o ponto (6, 2), o leitor poderá verificar que o mesmo acontece para um ponto genérico (a, b) e podemos, então, dizer:

“Quando trocamos, entre si, as coordenadas de um ponto, ele sofre uma ‘reflexão’ em relação à bissetriz dos quadrantes ímpares”.

E acrescentei:

— Se fizermos isso numa equação, o gráfico a ela correspondente sofre integralmente essa reflexão. Por exemplo, considerando novamente a equação y = x2 – 6x + 8, que representa uma parábola, e nela trocamos, entre si, o x e o y, obtemos x = y2 – 6y + 8, que representa outra parábola, ilustrada na figura ao lado.

Acrescentei:

— Note que as “reflexões” são procedimentos geométricos que mudam a figura (gráfico) de lugar, mas sem alterar a sua forma ou seu tamanho (as distâncias e os ângulos são preservados), ou seja, a “reflexão” produz uma figura congruente à figura original.

O aluno, olhando para a equação x = y2 – 6y + 8, talvez por hábito, ainda me perguntou:

— É possível isolar o y nessa equação?

Respondi que sim, que basta olhar para a equação como se ela fosse uma equação do segundo grau na incógnita y e aplicar a fórmula de resolução:

y2 – 6y + (8 – x) = 0

Δ = (– 6)2 – 4(8 – x) = 4 + 4x

Para finalizar, completei:

Note que as equações y = 3 + e y = 3 – representam, respectivamente, os dois ramos da mesma parábola, um acima e outro abaixo do eixo de simetria, sendo os gráficos das duas funções, uma crescente, com domínio {x |x –1} e imagem {y |y 3}, e a outra decrescente, com mesmo domínio, porém com imagem {y |y 3}.

O sinal nos avisou do fim da aula e fomos embora, não sei qual dos dois mais satisfeito, o aluno, por ter suas curiosidades saciadas, ou eu, por ter tido uma inesperada oportunidade de aprimorar um pouco mais a aula de GA.

Observo, ainda, que o meu colega, professor Maurício Barreto, que também leciona nessa turma e é responsável pelo ensino de funções, utilizou boa parte dessas ideias para analisar com os alunos o conceito de função inversa.