I – ENTREVISTA COM RAFAEL GOLDSMIT

Eduardo Wagner
Comitê Editorial da RPM

 

Outro dia estava assistindo a uma palestra na FGV Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, de um jovem de 30 anos, professor e pesquisador na área de Administração da FGV. A qualidade da apresentação e a energia do palestrante me cativaram e, no fim da palestra, procurei conhecê-lo melhor. Nessa conversa, fiquei completamente surpreso quando ele disse que a RPM desempenhou um papel muito importante em sua vida. Seu relato virou uma entrevista que desejo agora compartilhar com os leitores.

 

A entrevista

W – Rafael, onde você se formou? Onde fez mestrado e doutorado?

R – Completei minha graduação em Administração de Empresas na Universidade de Sorocaba e fiz meu mestrado e doutorado na FGV-EAESP Escola de Administração de Empresas de São Paulo.

W – Como é o seu trabalho hoje? Você é professor? Fale também das suas pesquisas. O que você anda desenvolvendo atualmente?

R – Hoje sou professor do corpo permanente da FGV-EBAPE Escola Brasileira de Administração Pública de Empresas , onde leciono disciplinas na área de Estatística para os cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado. Desenvolvo pesquisas em Estratégia Empresarial, especialmente acerca de determinantes de desempenho de empresas. Além das pesquisas nessa área, tenho me dedicado a buscar técnicas estatísticas aplicadas em diversas ciências com potencial para resolver problemas de pesquisa em Administração. No momento, me interesso especialmente por modelos de curva de crescimento e modelos para mensuração de variáveis latentes.

W – Agora, vamos falar do passado. Onde você nasceu? Onde passou a infância e a adolescência? Em que escola você estudou?

R – Nasci em São Paulo, capital, e com 6 anos minha familia se mudou para Araçoiaba da Serra (pequena cidade de 15.000 habitantes no interior de São Paulo). Lá, cursei da primeira à quinta série do ensino fundamental em uma Escola Estadual (Diógenes Almeida Marins), quando parei de frequentar a sala de aula até iniciar a faculdade.

W – Mas como? Você não cursou uma escola como todo mundo?

R – Não. Dos 10 aos 20 anos estudei em casa. Foi uma experiência muito interessante. Eu tinha total liberdade para estudar o que quisesse (ou não estudar nada!). Assim que saí da escola, comecei a estudar inglês, me dediquei ao idioma durante uns 9 meses e então prestei o First Certificate in English, em que fui aprovado. Em seguida me dediquei à Matemática. Estudei os livros de primeiro e segundo graus e em seguida um curso de Cálculo (com livros do Paulo Boulos). Pegava os livros emprestados na biblioteca da Universidade de Sorocaba (cidade vizinha a Araçoiaba). Meu pai, que é engenheiro, discutia comigo as questões de Matemática. Em paralelo, estudei Geometria Euclidiana Plana. Gastava dias inteiros resolvendo exercícios de livros como o de Caronnet. Nessa época (eu tinha uns 12 ou 13 anos), conheci a Revista do Professor de Matemática. Lembro-me que esperava ansiosamente pela chegada de cada exemplar. Devorava os textos e, em seguida, me debruçava sobre os problemas. Não sossegava enquanto não conseguisse resolver e, quando conseguia, enviava imediatamente a solução por correio. Antes da chegada do exemplar seguinte, a ansiedade era maior ainda, para ver se a solução estava correta e se meu nome havia sido publicado na seção de problemas resolvidos!

W – Descreva como você estudava e com quem estudava.

R – Todo o processo de aprendizado era direcionado pela curiosidade. Eu não tinha nenhum programa de estudos imposto externamente. Estudava porque queria aprender. Sempre um tema por vez. Me dedicava durante um período relativamente longo (de 6 meses a um ano) a Inglês, Matemática ou Filosofia. Em todo o momento, a escolha dos temas e o ritmo de estudo dependiam só do meu interesse. Esse hábito de buscar ativamente o conhecimento me ajudou muito no mestrado e doutorado. O ensino tradicional, na escola, tende, em muitos casos, a reduzir a curiosidade natural dos alunos, forçando-os a aprender uma série de conteúdos a contragosto. Estudar em casa protegeu minha curiosidade, que acredito ser um dos principais ativos de um pesquisador.

 

RPM

Este é o depoimento de um jovem incomum. Uma pessoa que não seguiu as regras, mas obteve sucesso por conta de seu próprio esforço, curiosidade e disciplina. E a RPM participou disso.

Na RPM 33 já aparece o garoto Rafael Goldsmit enviando soluções de problemas.

Vale acrescentar que nosso entrevistado precisou regularizar sua documentação antes de entrar na Universidade. Nós, editores da RPM, sabemos que são poucos os estudantes que têm maturidade e condições familiares para completar sua formação sem o atendimento formal escolar. Ao mesmo tempo que destaca os muitos méritos do Rafael, a RPM reafirma aqui sua convicção no papel da escola e, especialmente, dos professores como agentes essenciais no processo educativo e na formação geral do aluno.

 

II – O PROJETO KLEIN DE MATEMÁTICA EM LÍNGUA PORTUGUESA

Em 2008, em comemoração aos 100 anos de sua criação, a ICMI International Commission on Mathematics Instruction apresentou, em colaboração com a IMU  International Mathematical Union , o Projeto Klein para o Século 21. O matemático alemão Felix Klein (1849-1925), sem abdicar da sua carreira brilhante como matemático, interessou-se profundamente pelo ensino da Matemática, publicando o célebre livro Matemática elementar de um ponto de vista avançado e vindo a ser o primeiro presidente da ICMI.

Dizia então Klein: “Os desenvolvimentos modernos na Matemática até agora não causaram nenhum efeito no ensino. Isso se deve a que a instrução matemática e os progressos constantes da pesquisa matemática perderam todo contato entre si após o início do século XIX” .

Além de alertar os matemáticos para esse fato, Klein, ao escrever seus textos, visava também proporcionar meios para desafi ar os professores do ensino médio a transmitir a riqueza da Matemática contemporânea, usando o currículo escolar. Escrevia ele: “Minha tarefa será sempre mostrar a conexão mútua entre os problemas nos diversos campos da Matemática. Desse modo, espero facilitar a aquisição, por parte do professor, dessa capacidade de extrair da grande base de conhecimentos um estímulo vivo para a sua prática de ensino” .

Dentro desse espírito, o Projeto Klein para o Século 21 tem como objetivo principal relacionar uma visão ampla da área da Matemática com certos conteúdos e suas abordagens no ensino médio e na graduação universitária. O projeto produzirá recursos para colocar continuamente os professores de Matemática em contato com a estrutura, a profundidade, a vitalidade, a aplicabilidade, a beleza e os valores da Matemática, de modo que eles sejam capazes de satisfazer seu próprio gosto pela área e de transmitir a seus estudantes as maravilhas da Matemática.

O projeto pretende, até março de 2013, produzir um livro, disponibilizado em várias línguas, inclusive o português, bem como um DVD e um site do tipo Wikipedia.

O Brasil associou-se ao Projeto Klein por meio do Projeto Klein de Matemática em Português (veja no site da Sociedade Brasileira de Matemática), com o apoio das principais associações científicas em Matemática (SBM, SBEM, SBHMat, SBMAC, OBMEP) e também dos pesquisadores portugueses. O projeto em Português, além do objetivo de contribuir com a produção de material para o projeto internacional, propõe a realização de oficinas de trabalho de pesquisadores (já ocorreram duas em 2010, uma sobre “Números reais e funções” e outra sobre “Álgebra e Aritmética”, e a próxima, sobre “Geometria”, está prevista para julho de 2011), oficinas de experimentação por professores do material submetido (as primeiras, em abril de 2011). Está prevista também uma produção de material bibliográfico e de consulta rápida na Internet, como desdobramentos das contribuições oriundas da comunidade acadêmica (Artigos Klein).

Vemos que as ideias básicas do Projeto Klein têm uma grande semelhança com os objetivos e a prática da RPM.

Os leitores da RPM devem ficar atentos ao desenvolvimento desse projeto, que certamente trará material interessante para eles.