Sérgio Alves
IME – USP

Questões relativas a cônicas são tratadas, em geral, pela geometria de coordenadas e o aluno, ou mesmo o professor, pode ficar com a impressão de que essa é a única abordagem possível. Neste trabalho apresentamos um interessante problema sobre parábolas e, propositalmente, o solucionamos por meio da geometria sintética com o intuito de realçar a beleza e a essência da Geometria, tal como ela foi criada. No final do artigo esboçamos também a solução via geometria de coordenadas. Qual é o melhor método? Certamente, cabe ao leitor o julgamento final.

Os textos didáticos frequentemente descrevem duas figuras semelhantes como tendo a mesma forma, mas não necessariamente o mesmo tamanho. Essa ideia intuitiva de semelhança funciona bem para triângulos, quadriláteros, polígonos em geral e para circunferências, já que duas quaisquer são semelhantes entre si.

Se considerarmos a semelhança entre outras classes de figuras, particularmente entre as não limitadas, nossa intuição pode causar certa confusão a respeito desse conceito. Por exemplo, se perguntarmos aos nossos alunos se as duas parábolas da figura têm a “mesma forma”, certamente não haverá o mesmo consenso existente quando representamos dois triângulos nessa condição.

Desde que “mesma forma” não é um conceito matemático claramente definido, podemos reformular nossa pergunta como: São as parábolas da página anterior semelhantes? Evidentemente, a resposta depende de uma definição apropriada de figuras semelhantes.

No que se segue, fixaremos um plano euclidiano E e a distância entre os pontos P,Q E será indicada simplesmente por PQ.

Sendo k > 0 um número real, uma semelhança de razão k do plano euclidiano E é uma aplicação bijetora s: E E tal que P’Q’ = k PQ para todo par P, Q de pontos de E, onde P’= s(P) e Q’= s(Q).

Dadas as figuras1 e 2, dizemos que1 é semelhante a 2 se existir uma semelhança s: E E que transforme1 em 2, isto é, tal que s(1) = 2.

Segue imediatamente da definição acima que, se s: E E é uma semelhança de razão k, então a função inversa s-1: E E é uma semelhança de razão 1/k. Além disso, se s1: E E é uma semelhança de razão k1 e s2: E E é uma semelhança de razão k2, então a função composta s1s2: E E é uma semelhança de razão k1 k2.

Quando k = 1, a semelhança s é chamada uma isometria do plano euclidiano E. Nesse caso, s preserva a distância entre pontos de E e como exemplos dessa classe especial de aplicações citamos a translação, a rotação e a simetria (ou reflexão) em relação a uma reta.

O principal exemplo de semelhança que não é necessariamente uma isometria é descrito a seguir.

Seja O um ponto do plano euclidiano E e l um número real positivo. A homotetia de centro O e razão l é a aplicação HO,l:E E que fixa o ponto O e associa a cada ponto P E, P O, o único ponto P’ da semirreta OP tal que OP’= lOP. Usamos a notação P’= HO,l(P) para indicar que P’ é a imagem de P pela homotetia HO,l.Na figura temos P’= HO,2(P) e Q’= HO,2(Q) .

Note que, se l = 1, então HO,1 é a aplicação identidade. Além disso, HO,l :E E é uma aplicação bijetora cuja inversa (HO,l)–1 é a homotetia de mesmo centro O e razão 1/l, ou seja, (HO,l)–1 = HO,1/l.

Destacamos a seguir algumas propriedades importantes da homotetia. Maiores detalhes poderão ser encontrados no capítulo 3 de [1].

HO,l : E E é uma semelhança de razão l.

Dada uma reta m contida no plano E, então m’ = HO,l(m) é uma reta paralela a m e HO,l(m) = m se, e somente se, m contém O.

• Se m e n são retas perpendiculares, então o mesmo vale para as retas HO,l(m) e HO,l(n).

Qual é a imagem de uma parábola por uma homotetia HO,l? Antes de responder a essa pergunta, recordemos alguns fatos sobre essa curva.

No plano euclidiano E, consideremos uma reta d e um ponto F, F Ď d. Como é sabido, a parábola é o conjunto dos pontos P de E que são equidistantes de F e de d. Assim, se d denota distância, temos

= {P E | d(P,F) = d(P,d)}.

O ponto F e a reta d são chamados, respectivamente, o foco e a diretriz da parábola . Esses dois elementos determinam completamente a parábola. A distância do foco F à diretriz d é o parâmetro da parábola e a reta e que passa por F e é perpendicular a d é chamada o eixo de .

Lembrando que d(P, d) é a distância entre P e a projeção ortogonal X de P sobre d, segue = {P E | PF = PX}.

A partir dessa definição e das propriedades da homotetia acima elencadas, o seguinte resultado pode ser estabelecido.

Teorema 1. Se é uma parábola de foco F e diretriz d, então HO,l() é uma parábola de foco F’= HO,l(F) e diretriz d’= HO,l(d) (note que d e d’ são retas paralelas).

Prova: Sendo a parábola de foco F’= HO,l(F) e diretriz d’= HO,l(d), provaremos que

HO,l() eHO,l().

Com efeito, dado P , seja X a projeção ortogonal de P sobre a diretriz d. Sendo P’= HO,l(P) e X’= HO,l(X), temos que X’ é a projeção ortogonal de P’ sobre a reta d’= HO,l(d), uma vez que a homotetia HO,l transforma retas perpendiculares em retas perpendiculares.

Além disso, P’F’= lPF e P’X’= lPX, pois HO,l é uma semelhança de razão l. Como P , temos PF = PX. Segue que P’F’= P’X’ , de maneira que P e, portanto, HO,l () ’. A prova de HO,l () decorre disso.

Concluímos assim que HO,l() = e o teorema está demonstrado.

Reciprocamente, dadas duas parábolas contidas no plano euclidiano E, estarão elas relacionadas por uma homotetia? O próximo teorema mostrará que, a menos de suas posições no plano E, isso é verdadeiro.

Uma observação elementar, porém importante, é que toda reta r perpendicular à diretriz d de uma parábola de foco F intersecta num único ponto. Com efeito, existe um único ponto P pertencente a r que é equidistante de F e de d. Mais precisamente, se r é perpendicular a d em X, então P é a intersecção de r com a mediatriz m do segmento FX.

Se r é o eixo e da parábola , o ponto V em que e intersecta é chamado vértice da parábola. Note que V é o ponto médio do segmento QF, sendo Q a projeção ortogonal do foco F sobre d. Em particular, VF = p/2, p o parâmetro de .

A primeira figura ao lado nos lembra ainda uma tradicional maneira de obter, com régua e compasso, pontos de uma parábola. Vejamos como.

Dados a reta d e um ponto F, F Ï d, escolhemos um ponto arbitrário X em d e traçamos a reta r perpendicular a d em X. A intersecção de r com a mediatriz do segmento FX é um ponto da parábola de foco F e diretriz d. Variando a escolha de X em d, obtêm-seoutros pontos da parábola.

A resposta à nossa questão principal será dada a seguir.

 

Teorema 2. Sejam uma parábola de foco F e diretriz d e uma parábola de foco F’ e diretriz d’, ambas contidas no plano euclidiano E. Então existe uma semelhança s do plano E que transforma em ,isto é, tal que s() = .

Prova: Sendo V e V’ os vértices de e , respectivamente, a translação de vetor V’V transforma numa parábola 1 de foco F1 e vértice V. Na figura abaixo, vemos a parábola , a sua imagem 1 pela translação, bem como a parábola .

Além disso, uma adequada rotação de centro V transforma 1 numa parábola 2 de foco F2 , cujo eixo coincide com o eixo de (portanto, V, F e F2 são pontos colineares) e tal que F2 e F estão do mesmo lado de V. Na figura abaixo, à esquerda, vemos a parábola 1 , a sua imagem2 pela rotação e a parábola .

Note que as parábolas e 2 têm o mesmo parâmetro p’, uma vez que estão relacionadas por uma isometria (translação seguida de rotação).

Para finalizar a prova, mostraremos que duas parábolas 2 e posicionadas como abaixo, à direita, isto é, ambas com vértices e eixos coincidentes e focos F2 e F na mesma semirreta definida pelo vértice comum V, estão relacionadas por uma homotetia.

Sendo p o parâmetro de , considere o número real l = homotetia HV,l de centro V e razão l.

O Teorema 1 nos garante que HV,l (2) é uma parábola de foco HV,l (F2) e diretriz HV,l (d2), sendo d2 a diretriz de 2.

Como F pertence à semirreta VF2 e VF = lVF2, segue que HV,l (F2) = F. Além disso, pelas propriedades da homotetia, temos HV,l (d2) = d. Portanto, a homotetia HV,l transforma a parábola 2 na parábola .

 

Observação

A verificação desse último resultado pode ser feita também no contexto da chamada geometria de coordenadas. Com efeito, considere um sistema ortogonal de coordenadas no plano euclidiano E com origem O no vértice comum V das parábolas 2 e e eixo Ox coincidindo com o eixo comum delas de modo que seus focos F2 e F tenham coordenadas ( p’/2, 0) e (p/2 , 0), respectivamente.

Nessas condições, é sabido que um ponto P de coordenadas (x, y) pertence à parábola se, e somente se, y2 = 2px. Analogamente, um ponto P’ de coordenadas (x’, y’) pertence à parábola 2 se, e somente se, (y’)2 = 2px’. Além disso, a homotetia HV,l de centro V e razão l = é definida como a aplicação que associa a cada ponto (x’, y’) o ponto (x, y) tal que (x, y) = (x', y').

Cálculos rotineiros mostram que (y’)2 = 2px’ se, e somente se, y2 = 2px, provando uma vez mais que HV,l (2) = .

Em resumo, demonstramos que, dadas duas parábolas quaisquer e , ambas contidas no plano euclidiano E, podemos fazê-las coincidir atuando sobre uma delas a seguinte sequência de semelhanças do plano E: uma translação, uma rotação e uma homotetia. Fica assim estabelecida a existência de uma semelhança s: E E tal que s () = de modo que duas parábolas quaisquer são semelhantes entre si.

Assim, quem viu uma parábola, viu todas...

 

Bibliografia

[1] Lima, Elon L. Medida e forma em Geometria. Coleção Professor de Matemática, SBM, 1993.

 

Nota: O autor agradece ao Comitê Editorial da RPM pelos comentários e sugestões que contribuíram no aperfeiçoamento deste trabalho.