Carlos Frederico Palmeira
Márcio Palmeira

PUC – Rio de Janeiro

 

Márcio é um matemático aplicado que trabalha em uma empresa com 700 funcionários. A empresa publica um jornal eletrônico interno, diário, que, entre outras coisas, parabeniza os aniversariantes do dia. Outro dia, não havia aniversariante. Naturalmente surgiu a pergunta: qual a probabilidade de que, escolhendo 700 pessoas ao acaso, haja um dia sem aniversariante? Márcio, que usa o Excell como ferramenta de trabalho, fez uma grande quantidade de simulações e contou em quantas delas havia pelo menos um dia sem aniversariante. Para simplificar o problema, supôs que ninguém nasce em 29 de fevereiro e que as outras datas de nascimento são equiprováveis. Feito isso, surgiu a pergunta: se, em vez de 700 pessoas, fossem n, como variaria a probabilidade em função de n? Aí, Márcio passou o problema a seu pai, também matemático, que trabalha em universidade, e tem certa experiência emlecionar cursos de matemática discreta.

Vamos, então, apresentar o cálculo da probabilidade, P(n), de que, entre n pessoas escolhidas ao acaso, haja um dia do ano sem aniversariante e desenhar o surpreendente gráfico de P(n). Vamos guardar as mesmas hipóteses simplificadoras que Márcio adotou nas simulações.

Podemos representar a lista de datas de aniversários por um ponto de n, isto é, por uma n-upla de n números naturais (maiores ou iguais a 1) em que cada coordenada só pode assumir valores de 1 a 365. Por exemplo, se a 1 pessoa faz aniversário dia 10 de janeiro, a 1 coordenada é 10; se a 2 pessoa faz aniversário dia 31 de dezembro, a 2 coordenada é 365; se a 3 pessoa faz aniversário no dia 07 de outubro, a 3 coordenada é 280 (31 + 28 + 31 + 30 + 31 + 30 + 31 + 31 + 30 + 7); se ninguém faz aniversário dia 1 de março, não há coordenada com valor 60 (31 + 28 + 1). A quantidade de todos os pontos que podem ser formados desse modo é 365n .

Queremos contar quantas distribuições têm um dia sem aniversariante, ou seja, quantos pontos têm algum número (de 1 a 365) faltando em suas coordenadas. Para isso, para cada inteiro j de 1 a 365, seja Aj o conjunto de todos os pontos em que o número j não aparece. Então, cada Aj tem 364n elementos.

Seja A o conjunto de todos os pontos com coordenadas inteiras de 1 a 365. Já observamos que A tem 365n elementos.

O que queremos é contar quantos elementos tem a união de todos os Aj. Esse valor dividido por 365n será P(n).

Agora é só aplicar a fórmula que dá a quantidade de elementos da união de uma família de conjuntos, conhecendo as quantidades de elementos de cada conjunto! Cuidado, na verdade é preciso conhecer também as quantidades de elementos das interseções.

Denotando por |X| a quantidade de elementos de um conjunto X, pode-se mostrar que

|A È B| = |A| + |B| |A Ç B|.

Aplicando essa fórmula duas vezes, obtemos

|A È B È C| = |A| + |B| + |C| |A Ç B| |A Ç C| |B Ç C| + |A Ç B Ç C|.

Um argumento indutivo leva à fórmula geral, em que a quantidade de elementos de uma união de conjuntos é dada pela soma das quantidades de elementos de todos os conjuntos, subtração das quantidades de elementos das interseções 2 a 2, soma das quantidades de elementos das interseções 3 a 3, subtração das quantidades de elementos das interseções 4 a 4, e assim por diante.

Ora, dados j e k, a interseção Aj Ç Ak é formada pelas distribuições de aniversários que não usam os dias j e k, ou seja, usam 363 dias. Logo, a quantidade de elementos de Aj Ç Ak, |Aj Ç Ak|, é igual a 363n. De maneira geral, a interseção de p conjuntos do tipo Aj tem (365 – p)n elementos.

Só falta observar que há 365 conjuntos do tipo Aj, conjuntos de tipo Aj Ç Ak, e em geral conjuntos que são interseção de p dos Aj. Temos então:

Esse não é um cálculo simples, pois envolve as potências com expoente n dos inteiros de 1 a 365, e estamos interessados em valores grandes de n. Tente calcular 100400, por exemplo! Felizmente podemos contar com programas como o maple, com o qual calculamos P(n) para valores de n de 366 a 5.000, variando de 50 em 50. Depois foi só plotar os pontos, obtendo a figura abaixo.

Até n = 1.800 ainda temos P(n) perto de 0,9. A partir daí P(n) decresce rapidamente, chegando perto de 0,5 para n = 2.200 e perto de 0,1 para n = 3.000.

Então, com 700 pessoas era praticamente certo que haveria um dia sem aniversariante na firma do Márcio.

 

NR: Sugerimos aos interessados a leitura do artigo Número de sobrejeções entre dois conjuntos finitos, na RPM 7, p. 46.