|
|
||||
Pedro Malagutti
Em atividades recentes de formação continuada de professores do ensino fundamental, procuramos construir materiais próprios para o trabalho em sala de aula, almejando despertar a curiosidade e a investigação matemáticas, principalmente em áreas usualmente pouco exploradas nessa faixa de escolaridade, como é o caso da Geometria e da Combinatória. Vamos apresentar uma atividade nessa interface; ela consiste de um quebracabeça simples feito com uma fita de papel colorida, como a da figura 1.
A fita é formada por 8 quadrados com 4 pares de cores e seu verso tem as mesmas cores que as da frente, como se a tinta atravessasse o papel. As cores serão abreviadas por: Branco = B, Verde = V, Cinza = C e Preto = P. O desafio é dobrar a fita nas linhas marcadas, sobrepondo um quadrado sobre o outro com um efeito sanfona, de modo a formar padrões ordenados pré-definidos com algumas das quatro cores. Para facilitar a visualização, sugerimos ter em mãos uma dessas fitas.
Padrões com dois quadrados Com quatro cores e dois quadrados podemos obter ao todo 4 × 4 = 16 configurações de pintura. Na contagem do número de padrões serão identificadas (e contadas apenas uma vez) configurações do tipo B C e C B, obtidas uma da outra por uma rotação de 180o. A partir de agora usaremos a palavra “configuração” para todas as possibilidades de pintura das casas, depois da dobragem, e a palavra “padrão” para as possibilidades distintas após a identificação. Com essa convenção, por meio de dobras e sobreposições, podemos obter na fita os 10 padrões abaixo.
Padrões com três quadrados Passemos agora a analisar padrões com três quadrados, como os da figura 4. Quantos padrões diferentes poderão aparecer? O princípio multiplicativo novamente nos diz que há 4 × 4 × 4 = 64 configurações possíveis ao usarmos três quadrados e quatro cores. Procedendo como antes, vamos contar como um único padrão as configurações que podem ser obtidas umas das outras por meio de giros de 180º. Para isso, notamos que existem configurações palíndromas, isto é, que podem ser lidas como as mesmas da esquerda para a direita ou vice-versa, como aparece, por exemplo, em C V C (cinza-verde-cinza). Essas configurações mantêm-se as mesmas quando giradas de 180º. Quantas delas existem? Apenas 16, como mostra o quadro na figura 5. Assim, pelo princípio multiplicativo, no total teremos 4 × 4 = 16 configurações palíndromas. Das 64 possibilidades iniciais, descontamos essas 16 e a seguir dividimos o resultado por 2 para contar como um único padrão as configurações que não são palíndromas e são obtidas de uma outra por giros de 180º. O resultado é (64 – 16)/2 = 24; acrescentando as 16 palíndromas que foram retiradas, chegamos ao total de 24 + 16 = 40 padrões. Alternativamente, isso pode ser feito dividindo-se 64 por 2 e acrescentando ao resultado a metade da quantidade de palíndromas. Há um porém: quando formos manipular o quebra-cabeça, não conseguiremos padrões com três cores iguais, pois só há, para cada cor, duas delas à disposição; assim, o número total de possibilidades para o quebra-cabeça com três quadrados é, no máximo, 40 – 4 = 36. Será que é possível montar todas elas com a fita colorida? A resposta é afirmativa e vale a pena manipular a fita para obter todos os diferentes padrões. De acordo com os professores, os alunos não têm dificuldade alguma em realizar tal tarefa e se sentem gratificados em completá-la; além disso, eles aprendem a se organizar para registrar o trabalho realizado.
Padrões com quatro quadrados Um problema aparece quando estudamos o que ocorre com as configurações com 4 quadrados (e 4 cores, podendo-se utilizar cada uma delas no máximo duas vezes). Os alunos não conseguirão, nesse caso, montar todos os padrões obtidos quando utilizamos as mesmas técnicas de contagem já empregadas nos casos anteriores. Para entender o que ocorre, vamos tentar responder a duas perguntas: I) Usando as técnicas de contagem já empregadas, quantos são os padrões potencialmente possíves para o quebra-cabeça com 4 quadrados? A resposta segue como antes: primeiro descontamos as configurações palíndromas, dividimos o número obtido por 2 e, em seguida, acrescentamos a ele a quantidade de palíndromas retiradas. Nesse caso, o número de palíndromas também é 16, pois devemos preencher as casas extremas com a mesma cor e as duas casas centrais também devem ter uma mesma cor. Logo, identificando como iguais as confi gurações obtidas umas das outras por rotações de 180º, temos [(4 × 4 × 4 × 4 – 16)/2] +16 = 136 padrões com quatro quadrados. Em muitos desses padrões aparecem 3 ou 4 casas pintadas com a mesma cor e eles não poderão ser obtidos manuseando-se a fita colorida. Vejamos então quantas são essas configurações problemáticas. Evidentemente há apenas quatro confi gurações com todas as casas pintadas com a mesma cor: B B B B, V V V V, C C C C e P P P P. Quantas configurações têm exatamente três cores repetidas? Nesse caso, uma das quatro casas vai ser preenchida com uma das cores e as outras três com uma mesma cor, diferente daquela já utilizada. Portanto, há três decisões a tomar: 1) Escolher uma das quatro casas para colocar a cor solitária (4 possibilidades). 2) Escolher a cor solitária (4 possibilidades). 3) Escolher uma das três cores restantes para preencher as outras três casas (3 possibilidades). Pelo princípio multiplicativo, teremos 4 × 4 × 3 = 48 confi gurações com exatamente três casas da mesma cor, das quais 24 são obtidas de outras por giros de 180º, já que, com quatro casas e entre as configurações com exatamente três cores iguais, não há palíndromas. Assim, das 136 possibilidades diferentes para quatro casas, devemos retirar esses padrões com quatro ou com três casas da mesma cor, pois é impossível obtê-los dobrando-se a fita. Logo, a resposta à nossa primeira pergunta é: o número de padrões potencialmente factíveis para o quebra-cabeça com quatro casas é 136 – (4+24) = 108. Com isso queremos dizer que, se os oito quadradinhos da fita original estivessem soltos, então 108 padrões diferentes poderiam ser obtidos. Acontece que os quadradinhos estão ligados em uma disposição rígida, como se vê na figura 1 e alguns dos 108 padrões previstos não poderão ser obtidos. Isso nos leva a formular mais uma pergunta: II) Quantas dessas possibilidades podem efetivamente ser obtidas com dobras e sobreposições da fita colorida? Para ilustrar por que é impossível obter todos os padrões previstos, pensemos um pouco em um exemplo bem simples: se você tivesse uma fita com apenas três casas, em vez de oito (ver figura 7), seria possível obter B B V a partir de B V B ? É claro que não; a casa verde sempre estará entre as duas casas brancas, já que as casas não estão soltas. Analisar quais padrões podem ser obtidos e quais não podem é um excelente exercício de geometria. Por exemplo, no caso de 4 casas, das 108 possibilidades encontradas acima, apenas 58 foram obtidas pela manipulação da fita colorida nos mencionados cursos de formação de professores. A maneira como as casas coloridas estão encadeadas originalmente na fita faz o caso de 4 casas destoar dos anteriores, pois a quantidade de movimentos possíveis de dobrar e sobrepor é grande quando se quer obter configurações de poucas casas e pequena quando o número de casas é elevado. Por exemplo, só há um padrão efetivamente construtível com oito casas: a fita original esticada sem dobras. Com a fita é possível explorar vários aspectos combinatórios, apresentando-se diferentes estratégias de contagem. Por exemplo, com 5 casas há 45 = 1024 configurações usando-se quatro cores e 424 configurações que nunca poderão ser obtidas dobrando-se a fita, devido ao excesso do uso de cores. Vejamos o porquê desse fato com duas argumentações diferentes: 1) Considerando as confi gurações com cinco casas de mesma cor (4), depois as com quatro casas de mesma cor (60) e finalmente com três casas de mesma cor (360), obtemos: 4 + 60 + 360 = 424 configurações impossíves. Logo, temos 1024 – 424 = 600 configurações possíveis. ou 2) Observando que com 5 quadrados e 4 cores sempre teremos a formação de pelo menos um par de casas com a mesma cor. Um outro par que tenha suas casas com a mesma cor pode ser formado ou não e, portanto, há dois casos (disjuntos) a considerar: • ou um único par de mesma cor ocorre na configuração. O número total de configurações desse tipo é × 4 × 3 × 2 × 1 = 240. Um exemplo típico é (só um par verde). • ou na configuração estão presentes dois pares de casas, cada um deles pintado com a mesma cor, sendo as cores dos dois pares diferentes. Nesse caso, o número de configurações é × 4 × × 3 × 2 = 360 (o fator 1/2 aparece porque a ordem de escolha dos pares é irrelevante e a divisão por 2 corrige essa contagem em dobro). Um exemplo típico dessa situação é (dois pares: um preto e outro verde). Resultado: 240 + 360 = 600, que coincide com o obtido em 1. Para obter o número de padrões distintos com cinco casas (a menos de giros de 180º), devemos dividir o resultado, 600, ao meio e acrescentar metade das palíndromas que não possuam três ou mais cores repetidas. O número de tais palíndromas é 4 × 3 × 2 = 24 (escolhemos as cores das pontas, depois as cores da segunda e quarta casas e finalmente qual das duas cores restantes ocupará a casa central). Logo, já descontando as obtidas por rotações de 180º, existem (600/2) + (24/2) = 312 possibilidades potenciais de padrões. Ou seja, se as casas estivessem soltas, poderíamos formar 312 padrões diferentes, mas, com as casas coloridas dispostas segundo a ordenação original da fita, muitos desses padrões não podem ser obtidos efetivamente com o manuseio da fita. Vale a pena tentar e descobrir quais são os casos construtíveis por dobra e sobreposição. Os casos com seis, sete ou oito casas podem ser trabalhados do mesmo modo e vale notar que a fita apresentada é apenas uma dentre muitas ordenações iniciais possíveis de cores; calcular o número de fitas iniciais também é um outro belo problema na interface Geometria/Análise Combinatória.
Bibliografia Lindquist, M., Shulte, A. Aprendendo e ensinando geometria. Editora Atual, 1987.
|