Estamos inaugurando, com a republicação do artigo Mania de Pitágoras, a seção Vale a pena ler de novo, que reapresentará artigos de edições antigas da RPM, com o objetivo de propiciar uma divulgação mais ampla de textos que, na opinião do Comitê Editorial da RPM, continuam sendo de grande interesse e relevância para o professor de Matemática.

Convidamos os leitores a enviar ao Comitê Editorial indicações de outros artigos para a seção.

 

MANIA DE PITÁGORAS

Euclides RosaRPM 02

Elisha Scott Loomis, professor de Matemática em Cleveland, Ohio (Estados Unidos), era realmente um apaixonado pelo Teorema de Pitágoras. Durante 20 anos, de 1907 a 1927, colecionou demonstrações desse teorema, agrupou-as e as organizou num livro, ao qual chamou The Pythagorean Proposition (A Proposição de Pitágoras). A primeira edição, em 1927, continha 230 demonstrações. Na segunda edição, publicada em 1940, esse número foi aumentado para 370 demonstrações. Depois do falecimento do autor, o livro foi reimpresso, em 1968 e 1972, pelo National Council of Teachers of Mathematics daquele país.

O Professor Loomis classifica as demonstrações do teorema de Pitágoras em basicamente dois tipos: provas “algébricas” (baseadas nas relações métricas nos triângulos retângulos) e provas “geométricas” (baseadas em comparações de áreas). Ele se dá ao trabalho de observar que não é possível provar o teorema de Pitágoras com argumentos trigonométricos porque a igualdade fundamental da Trigonometria, cos2x + sen2x = 1, já é um caso particular daquele teorema.

Como sabemos, o enunciado do teorema de Pitágoras é o seguinte: “A área do quadrado cujo lado é a hipotenusa de um triângulo retângulo é igual à soma das áreas dos quadrados que têm como lados cada um dos catetos”. Se a, b são as medidas dos catetos e c é a medida da hipotenusa, o enunciado equivale a afirmar que a2 + b2 = c2.

Documentos históricos mostram que os egípcios e os babilônios, muito antes dos gregos, conheciam casos particulares desse teorema, expressos em relações como 32 + 42 = 52 e 12 + .

O fato de que o triângulo de lados 3, 4 e 5 é retângulo era (e ainda é) útil aos agrimensores. Há também um manuscrito chinês, datado de mais de mil anos antes de Cristo, onde se encontra a seguinte afirmação: “Tome o quadrado do primeiro lado e o quadrado do segundo e os some; a raiz quadrada dessa soma é a hipotenusa”. Outros documentos antigos mostram que na Índia, bem antes da era Cristã, sabia-se que os triângulos de lados 3, 4, 5, ou 5, 12, 13, ou 12, 35, 37 são retângulos.

O que parece certo, todavia, é que nenhum desses povos sabia demonstrar o teorema. Tudo indica que Pitágoras foi o primeiro a prová-lo. (Ou alguém da sua Escola o fez, o que dá no mesmo, pois o conhecimento científico naquele grupo era propriedade comum.)

 

A mais bela prova

Qual foi a demonstração dada por Pitágoras? Não se sabe ao certo, pois ele não deixou trabalhos escritos. A maioria dos historiadores acredita que foi uma demonstração do tipo “geométrico”, isto é, baseada na comparação de áreas. Não foi a que se encontra nos “Elementos” de Euclides, e que é ainda hoje muito encontrada nos livros de Geometria, pois tal demonstração parece ter sido concebida pelo próprio Euclides. A demonstração de Pitágoras pode muito bem ter sido a que decorre das figuras a seguir.

Do quadrado que tem a + b como lado, retiremos 4 triângulos iguais ao dado. Se fizermos isso como na figura à esquerda, obteremos um quadrado de lado c. Mas, se a mesma operação for feita como na figura à direita, restarão dois quadrados, de lados a e b respectivamente. Logo, a área do quadrado de lado c é a soma das áreas dos quadrados cujos lados medem a e b.

Essa é, provavelmente, a mais bela demonstração do teorema de Pitágoras. No livro de Loomis, entretanto, ela aparece sem destaque, como variante de uma das provas dadas, não sendo contada entre as 370 numeradas.

Apresentamos a seguir algumas demonstrações do teorema de Pitágoras que têm algum interesse especial, por um motivo ou por outro. As quatro primeiras constam da lista do Professor Loomis.

 

A prova mais curta

É também a mais conhecida. Baseia-se na consequência da semelhança de triângulos retângulos: “Num triângulo retângulo, cada cateto é a média geométrica entre a hipotenusa e sua projeção sobre ela”. Assim, se m e n são respectivamente as projeções dos catetos a e b sobre a hipotenusa c, temos a2 = mc, b2 = nc, enquanto m + n = c. Somando, vem a2 + b2 = c2.

 

A demonstração do presidente

James Abram Garfield, presidente dos Estados Unidos durante apenas 4 meses (pois foi assassinado em 1881), era também general e gostava de Matemática. Ele deu a seguinte prova do teorema de Pitágoras baseada na figura ao lado: A área do trapézio com bases a, b e altura a + b é igual à semissoma das bases vezes a altura. Por outro lado, a mesma área é também igual à soma das áreas dos 3 triângulos. Portanto,

e, simplificando, a2 + b2 = c2.

 

A demonstração de Leonardo da Vinci

O grande gênio criador da Mona Lisa também concebeu uma demonstração do teorema de Pitágoras, que se baseia na figura ao lado.

Os quadriláteros ABCD, DEFA, GFHI e GEJI são congruentes. Logo, os hexágonos ABCDEF e GEJIHF têm a mesma área. Daí resulta que a área do quadrado FEJH é a soma das áreas dos quadrados ABGF e CDEG.

 

A demonstração de Papus

Na realidade, não se trata apenas de uma nova demonstração, mas de uma generalização bastante interessante do teorema de Pitágoras. Em vez de um triângulo retângulo, toma-se um triângulo arbitrário ABC; em vez de quadrados sobre os lados, tomam-se paralelogramos, sendo dois deles quaisquer, exigindo-se que o terceiro cumpra a condição de CD ser paralelo a HA, com o mesmo comprimento.

O teorema de Papus afirma que a área do paralelogramo BCDE é a soma das áreas de ABFG e AIJC. A demonstração se baseia na simples observação de que dois paralelogramos com bases e alturas de mesmo comprimento têm a mesma área.

Assim, por um lado, AHKB tem a mesma área que ABFG e, por outro lado, a mesma área que BMNE. Segue-se que as áreas de BMNE e ABFG são iguais. Analogamente, são iguais as áreas de CDNM e CAIJ. Portanto, a área de BCDE é a soma das áreas de ABFG e CAIJ.

O teorema de Pitágoras é caso particular do de Papus. Basta tomar o triângulo ABC retângulo e três quadrados em lugar dos três paralelogramos.

 

O argumento de Polya

No meu entender, entretanto, a demonstração mais inteligente do teorema de Pitágoras não está incluída entre as 370 colecionadas pelo Professor Loomis. Ela se acha no livro Induction and Analogy in Mathematics, de autoria do matemático húngaro George Polya.

O raciocínio de Polya se baseia na conhecida proposição, segundo a qual “as áreas de duas figuras semelhantes estão entre si como o quadrado da razão de semelhança”.

Lembremos que duas figuras F e F’ dizem-se semelhantes quando a cada ponto A da figura F corresponde um ponto A’ em F’, chamado o seu homólogo, de tal maneira que, se A, B são pontos quaisquer de F e A’, B’ são seus homólogos em F’, então a razão AB’/AB é uma constante k, chamada a razão de semelhança de F para F’. Por exemplo, dois triângulos são semelhantes se, e somente se, os ângulos de um deles são congruentes aos ângulos do outro. Por outro lado, dois quadrados quaisquer, um de lado l e outro de lado l’, são semelhantes e a razão de semelhança do primeiro para o segundo é k = l’/l.

Em vez do teorema de Pitágoras, Polya prova a seguinte proposição mais geral (que, diga-se de passagem, já se acha nos “Elementos de Euclides”):

Se F, F’ e F” são figuras semelhantes, construídas respectivamente sobre a hipotenusa c e sobre os catetos a, b de um triângulo retângulo, então a área de F é igual à soma das áreas de F’ e F”.

O enunciado acima implica que a razão de semelhança de F’ para F’’ é b/a, de F’ para F é c/a e de F’’ para F é c/b.

Por simplicidade, escrevamos F em vez de área de F, G em vez de área de G, etc.

Se G, G’, G” são outras figuras semelhantes construídas sobre a hipotenusa e os catetos, respectivamente, em virtude da proposição acima enunciada, teremos:

De modo análogo teremos

Portanto, G/F = G’/F’ = G”/F’’ = , digamos. Escrevendo de outro modo:

G = F, G’ = F’ e G” = F’’ .

Que significam essas três últimas igualdades? Elas querem dizer que, se conseguirmos achar três figuras semelhantes especiais F, F’ e F’’, construídas sobre a hipotenusa e os catetos do nosso triângulo, de tal maneira que se tenha F = F’ + F’’ , então teremos também G = G’ + G” sejam quais forem as figuras semelhantes G, G’ e G” construídas do mesmo modo. Com efeito, teremos:

G = F, G’ = F’ e G” = F’’ , logo G’ + G” = F’ + F’’ = (F’ + F’’ ) = F = G.

Agora é só procurar as figuras especiais. Mas elas estão facilmente ao nosso alcance. Dado o triângulo retângulo ABC, tracemos a altura CD, baixada do vértice do ângulo reto C sobre a hipotenusa AB.

A figura F será o próprio triângulo ABC. Para F’ escolheremos ADC e para F’’ o triângulo BCD. Evidentemente, F, F’ e F” são figuras semelhantes. Mais evidentemente ainda, temos F = F’ + F’’ .