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José Marcos Lopes Introdução De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs ([2], p. 49) “é importante que os jogos façam parte da cultura escolar, cabendo ao professor analisar e avaliar a potencialidade educativa dos diferentes jogos”. Apresentamos neste artigo uma proposta didático-pedagógica que utiliza como ponto de partida para a construção dos conceitos iniciais de probabilidade, uma situação de jogo associada à metodologia de resolução de problemas. Essa proposta pode ser utilizada tanto no último ciclo do ensino fundamental como no ensino médio.
O jogo O jogo proposto, que utiliza dois dados e pode ser disputado por vários jogadores, é uma simplificação de um jogo bastante popular no Estado do Mato Grosso do Sul, conhecido como Bozó, que utiliza 5 dados. O leitor interessado poderá conhecer as regras do jogo Bozó em [1]. Objetivo: Preencher todo o tabuleiro, de modo a obter mais pontos que o(s) adversário(s). Material: Dois dados, um copo não transparente, papel e caneta para registro dos pontos.
Regras 1. Pode ser disputado por duas pessoas ou mais. Não existe limite no número de jogadores. (Um número excessivo influencia no tempo do jogo.) 2. Cada jogador poderá efetuar até dois lançamentos em cada jogada. O primeiro lançamento é feito com os dois dados. Se o jogador optar pelo segundo lançamento, poderá fazê-lo novamente com os dois dados ou manter o resultado de um dos dados e efetuar o segundo lançamento com apenas um dado. 3. Em toda jogada deve ser marcada uma das casas do tabuleiro. Caso não exista possibilidade de marcação (isto é, a casa a ser marcada já está ocupada ou já foi eliminada), deve-se eliminar uma das casas ainda não marcadas, e cada casa só pode ser marcada ou eliminada uma única vez. 4. O jogo termina quando todos os jogadores preencherem suas casas no tabuleiro. Os pontos então são somados e ganha o jogador que obtiver a maior pontuação.
O tabuleiro A figura ao lado simboliza o “tabuleiro” usado no jogo Bozó, que pode apresentar outros resultados pontuados além dos 4 assinalados. Há modalidades com até 10 resultados diferentes, utilizando, portanto, todos os espaços da figura. No jogo simplificado deste artigo, “tabuleiro” pode ser qualquer configuração com 4 casas, como, por exemplo, .
A pontuação “Fu”: duas faces distintas, mas não em sequência – marca-se a soma das faces obtidas na casa Fu (F). “Seguida”: duas faces distintas em sequência; vale 20 pontos – marca-se 20 na casa Seguida (S). “Quadrada”: duas faces iguais, mas diferentes de 6; vale 30 pontos – marca-se 30 na casa Quadrada (Q). “General”: duas faces iguais a 6; vale 50 pontos – marca-se 50 na casa General (G). Quando se obtém Seguida, Quadrada ou General na primeira tentativa de lançamento, o resultado é dito “de boca”, e adicionam-se 5 pontos ao valor original da casa. Por exemplo, se conseguir Quadrada no primeiro lançamento, chama-se “Quadrada de boca” e marca-se 35 em vez de 30.
Comentários sobre o jogo Apesar de utilizar sorteios aleatórios por meio de dados, o jogo também depende de estratégia. Toda jogada é pontuada. Entretanto, se a casa correspondente àquela jogada já estiver marcada, a pontuação deve ser desconsiderada, e deve-se eliminar uma casa ainda não marcada. A estratégia pode variar dependendo da posição de momento do jogo. Por exemplo, na primeira rodada, com todas as casas desmarcadas, se o jogador obteve (2, 6) no primeiro lançamento, então a melhor estratégia será reservar o dado com a face 6 e lançar novamente o outro dado. Agora, nesta mesma situação, se o objetivo for obter a casa Seguida, a melhor estratégia será reservar o dado com a face 2, pois nesse caso terá duas chances em seis de obter Seguida, ou seja, obter as faces 1 ou 3, enquanto que, se reservar o dado com a face 6, terá apenas uma chance em seis de obter Seguida, ou seja, obter a face 5. Quando há necessidade de se eliminar uma casa, a melhor estratégia pode não ser eliminar as casas “mais difíceis” (com menor probabilidade de ocorrerem); isso depende da pontuação já obtida pelo outro jogador. Conceitos básicos de probabilidade A primeira atividade deve ser a realização de algumas partidas do jogo para a familiarização com os nomes das casas do tabuleiro, e também para o pleno domínio de suas regras. Isso será de fundamental importância quando da resolução dos problemas. Depois de realizado o jogo, o professor pode propor as questões abaixo: O jogador deverá sempre aproveitar o segundo lançamento? O jogador terá mais chances de marcar a casa Quadrada ou a Seguida? Formulamos a seguir algumas atividades (problemas) que poderão ser utilizadas para a sistematização do conceito de probabilidade. Supomos que estamos utilizando dois dados com faces equiprováveis. Para cada um dos problemas, fornecemos uma sugestão de solução que pode ser utilizada pelo professor.
Problema 1. Quais são as pontuações possíveis para a casa “Fu”? Solução Independentemente do fato de o jogador ter utilizado um ou dois lançamentos, são válidos para a casa Fu os casos onde as duas faces são distintas, mas não em sequência, ou seja, (1, 3), (1, 4), (1, 5), (1, 6), (2, 4), (2, 5), (2, 6), (3, 1), (3, 5), (3, 6), (4, 1), (4, 2), (4, 6), (5, 1), (5, 2), (5, 3), (6, 1), (6, 2), (6, 3) ou (6, 4). Como para a casa Fu vale a soma das faces, podemos obter neste caso as seguintes pontuações: 4, 5, 6, 7, 8, 9 ou 10.
Problema 2. Considerando-se apenas o primeiro lançamento, quais são as chances de o jogador marcar a casa Fu? Justificar sua resposta. Solução Quando do lançamento de dois dados temos os seguintes 36 resultados possíveis: {(1, 1), (1, 2), (1, 3), (1, 4), (1, 5), (1, 6), ... , (6, 1), (6, 2), (6, 3), (6, 4), (6, 5), (6, 6)}. Da solução do problema 1 temos que o jogador marcará a casa Fu se ocorrer um dos 20 casos lá listados. Portanto, o jogador terá 20 chances em 36 de marcar a casa Fu no primeiro lançamento. O professor deve explorar o fato de que, quando lançamos dois dados (experimento aleatório), não sabemos qual resultado irá ocorrer, mas sabemos quais serão os resultados possíveis (espaço amostral). A representação de todos os resultados possíveis em uma tabela de dupla entrada é bastante conveniente. A utilização da árvore de possibilidades também deve ser incentivada.
Problema 3. Considerando-se apenas o primeiro lançamento, quais são as chances de o jogador marcar 5 pontos na casa Fu? E 7 pontos? Justificar sua resposta. Solução Observando os resultados obtidos no problema 2, temos que o jogador marcará 5 pontos nos seguintes 2 casos: (1, 4) ou (4, 1), e 7 pontos nos seguintes 4 casos: (1, 6), (6, 1), (2, 5) ou (5, 2). Portanto, o jogador terá duas chances em 36 de marcar 5 pontos e 4 chances em 36 de marcar 7 pontos no primeiro lançamento.
Problema 4. Considerando-se apenas o primeiro lançamento, o jogador terá mais chances de marcar a casa Seguida ou a Quadrada? Justificar a resposta. Solução (a) Para marcar a casa Seguida, o jogador deverá obter um dos 10 seguintes casos: (1, 2), (2, 1), (2, 3), (3, 2), (3, 4), (4, 3), (4, 5), (5, 4), (5, 6) ou (6, 5). Assim, terá 10 chances em 36 para marcar a casa Seguida, considerando-se apenas o primeiro lançamento. (b) Para marcar a casa Quadrada, o jogador deverá obter um dos 5 seguintes casos: (1, 1), (2, 2),(3, 3), (4, 4) ou (5, 5). Assim, terá 5 chances em 36 para marcar a casa Quadrada, considerando-se apenas o primeiro lançamento.
Portanto, de (a) e (b) concluímos que o jogador terá mais chances de marcar a casa Seguida. Ou seja, no primeiro lançamento é mais provável marcar a casa Seguida do que a Quadrada. Após o trabalho com problemas como os acima mencionados, o professor pode iniciar a sistematização dos conceitos de experimento aleatório, evento, espaço amostral, evento elementar e apresentar a definição de Probabilidade de Laplace ([3], p. 121). Todos esses conceitos apareceram nas soluções dos problemas, mas não foram explicitamente mencionados em nenhum momento. Para este nível de escolaridade recomenda-se evitar a teorização precoce. A partir da sistematização dos conceitos, outros problemas podem ser propostos como forma de reter os conceitos probabilísticos estudados. O termo “probabilidade” irá aparecer pela primeira vez no problema 5 a seguir. O problema pode ser utilizado para o trabalho com soma e produto de probabilidades. Os alunos geralmente apresentam sérias dificuldades para saber quando devem somar ou multiplicar probabilidades.
Problema 5. Qual é a probabilidade de o jogador marcar a casa General (supondo que o jogador utilize a melhor estratégia para isso)? Solução Como o objetivo do jogador é marcar a casa General, três casos devem ser considerados: (a) obtém (6, 6) no primeiro lançamento. A probabilidade é p1 = . (b) obtém (1, 6), (6, 1), (2, 6), (6, 2), (3, 6), (6, 3), (4, 6), (6, 4), (5, 6) ou (6, 5) no primeiro lançamento. Reserva o dado com a face 6. Lança o outro dado e obtém a face 6. Temos neste caso a probabilidade p2 = . (c) não obtém o 6 em nenhum dado no primeiro lançamento, isto é, obtém (1, 1), (1, 2), (1, 3), (1, 4), (1, 5), (2, 1), (2, 2), (2, 3), (2, 4), (2, 5), (3, 1), (3, 2), (3, 3), (3, 4), (3, 5), (4, 1), (4, 2), (4, 3), (4, 4), (4, 5), (5, 1), (5, 2), (5, 3), (5, 4) ou (5, 5). Lança novamente os dois dados e obtém (6, 6). Temos neste caso a probabilidade p3 = . Se ocorrer o caso (a) ou (b) ou (c), o jogador marcará a casa General. Assim, a probabilidade pedida será: P = p1 + p2 + p3 = 0,093346 ou 9,34%. Observar na solução do problema 5 o destaque do “e” e do “ou”. Em linhas gerais, se necessitamos que exigências sucessivas (independentes) sejam satisfeitas, então usamos o produto. Agora, quando podemos satisfazer uma exigência ou outra (sendo elas mutuamente exclusivas), então usamos a soma. Considerações finais A proposta de ensino aqui apresentada utiliza os problemas para ensinar matemática, e todos os problemas representam situações do jogo. A associação do jogo com a resolução de problema torna as aulas mais atraentes e participativas, os alunos tornam-se ativos na construção de seu próprio conhecimento. Segundo os PCNs ([2], p. 42), não existe um caminho único e melhor para o ensino de Matemática. “No entanto, conhecer diversas possibilidades de trabalho em sala de aula é fundamental para que o professor construa sua prática.”
Referências bibliográficas [1] Brasil. Ministério da Educação. Portal do professor. A probabilidade do Bozó.
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