Carlos Eduardo de Souza C. Granja
professor do ensino médio
Marianna Perrone M. Costa
estudante

 

Introdução

O relato que se segue é fruto de uma pesquisa desenvolvida nas aulas de Matemática do 3 ano do ensino médio de uma escola particular de São Paulo. Havíamos estudado as propriedades dos poliedros e estávamos iniciando geometria espacial métrica, deduzindo as fórmulas para calcular o volume de sólidos geométricos. Na sequência da aula, os alunos perguntaram sobre a fórmula do volume do icosaedro regular, que até então não havíamos discutido.

Uma vez que tal fórmula não aparece usualmente nos livros didáticos, quando apresentados a ela os alunos se viram motivados em demonstrá-la.

Uma aluna, Marianna, dedicou-se com mais profundidade e conseguiu chegar ao resultado correto, ainda que para isso tenha se apoiado, em algumas passagens, na pressuposição de simetrias, sem a devida demonstração formal. Neste artigo relato a experiência de investigação vivida por esse grupo de alunos com minha orientação.

 

A primeira hipótese

Uma primeira hipótese levantada pelos alunos foi a de que o icosaedro regular seria constituído por vinte tetraedros regulares inscritos numa esfera, todos com um vértice comum em um suposto “centro” do poliedro. Se assim fosse, para calcular seu volume, bastaria multiplicar o volume do tetraedro regular por vinte.

Por caminho experimental (construção de vinte tetraedros regulares idênticos), essa primeira hipótese revelou-se falsa, evidenciando que, para haver um “encaixe” perfeito na composição do icosaedro regular, a altura de cada tetraedro deveria ser menor que a de um tetraedro regular.

 

Reformulando a primeira hipótese

A segunda hipótese era de que o icosaedro seria constituído, então, por vinte tetraedros inscritos, porém, não regulares, com um triângulo equilátero de lado l na base. Nesse caso, restaria calcular a medida das arestas laterais e da altura para verificar se o cálculo levaria à fórmula do volume do icosaedro regular. Vale ressaltar que, como professor, valorizei o aspecto heurístico do encaminhamento dado pelos alunos, mesmo estando ciente de que ele não levaria a uma demonstração formal da fórmula, mas apenas à sua verificação.

Para que os tetraedros se encaixem perfeitamente, suas arestas laterais devem convergir no “centro” C do icosaedro. Assim, a diagonal maior d do icosaedro, partindo de um vértice F e chegando ao vértice oposto H, também passaria pelo centro C, e corresponderia a duas vezes a aresta lateral do tetraedro, apoiando-se na hipótese de simetria que, no caso do icosaedro regular, é bastante sugestiva para o aluno (figura 1).

O passo seguinte, portanto, seria determinar a medida da diagonal maior do icosaedro regular.

 

Visualizando a solução

Os alunos destacaram duas secções planas no icosaedro. A primeira é um pentágono regular (mais uma vez apoiando-se na intuição de simetria e regularidade) que forma a base de uma pirâmide pentagonal cujo vértice é um vértice do icosaedro (figura 2). A segunda secção, um hexágono, é determinada a partir de um corte que divide o icosaedro pela metade através de dois vértices opostos. Tal hexágono possui duas arestas l e quatro arestas h, sendo h a altura dos triângulos equiláteros que formam as faces do poliedro (veja figura 3).

A interseção entre essas duas secções é o segmento i (figuras 4 e 5).

 

O segmento áureo no pentágono regular

O segmento i nada mais é do que a diagonal do pentágono regular. O triângulo isósceles ABC (figura 6) é semelhante ao triângulo BOA, logo:

Portanto, i está na proporção áurea em relação ao lado.

 

Cálculo da diagonal maior do icosaedro e da aresta lateral do tetraedro

Voltando ao hexágono, os alunos obtiveram a medida da diagonal maior do icosaedro (d) (ver figura 5) por Pitágoras:

Conhecendo a diagonal d do icosaedro, é possível calcular a aresta a do tetraedro, uma vez que esta equivale à metade da diagonal (ver figura 1):

 

Volume dos tetraedros

Conhecendo a medida da aresta a e sabendo que a base do tetraedro (figura 7) é um triângulo equilátero de lado l, temos:

Por Pitágoras, determinamos a altura ht do tetraedro.

a2 = ht2 + HM2 ou ht =

Conhecida a altura e sabendo que a área da base do tetraedro é , obtemos seu volume:

 

O volume do icosaedro regular

Por fim, os alunos obtiveram o suposto volume, Vi, do icosaedro multiplicando Vt por vinte:

A fórmula obtida pelos alunos de fato corresponde ao volume do icosaedro regular em função da medida do lado de sua face, o que comprova a intuição inicial do grupo, mesmo não sendo uma demonstração formal.

 

Outros caminhos

Outro aluno da mesma classe, chamado Pedro, também procurou calcular o volume do icosaedro. Sua estratégia, contudo, foi diferente da seguida por Marianna. Ele imaginou dois cortes paralelos passando por cinco vértices do icosaedro, resultando em duas pirâmides pentagonais e um poliedro bem incomum, como se fosse um prisma “torcido” (veja figura 8). Tal poliedro recebe o nome de prismatoide ou antiprisma. Contudo, devido à complexidade em determinar seu volume, Pedro acabou não concluindo seu trabalho. Em artigo da RPM 36, o professor Eduardo Wagner deduz a fórmula de cálculo do volume desse prismatoide. Fica aqui a sugestão de tentar obter a fórmula do volume do icosaedro regular por meio dessa estratégia.


figura 8

 

Conclusão

O desenvolvimento deste trabalho teve um impacto muito positivo sobre os alunos. Ele mostrou como é importante dar espaço para a investigação matemática na escola básica, principalmente no ensino médio. Apesar de grande parte do trabalho ter sido desenvolvida por uma aluna, os demais colegas puderam acompanhar o processo e compartilhar seus resultados. Mais importante do que o resultado final, que não constitui propriamente uma demonstração, foi a oportunidade de vivenciar o “fazer” matemático apoiado na heurística, possibilitando aos alunos uma visão arejada dessa ciência.